sábado, 11 de julho de 2009

La Pachamanca

A madrugada está linda e fria (-2ºC) quando levanto pra fazer xixi. Embora já minguante, a lua ilumina o campo ao redor do acampamento. Só às 7:30, saio da barraca, afinal hoje o passeio é light, uma leve caminhada até a laguna Solteracocha. Bandos de yanavicos - pássaros pretos de bico amarelo, muito elegantes - voam formando "vês" no límpido céu azul. No desjejum, é servida uma panqueca trigostosa que recheio com mel. Às 9:00, partimos em direção à laguna Solteracocha, situada um mais além do lago Jahuacocha. A trilha bordeja sua margem esquerda onde vicejam tufos de capim dourado. Ao longo do caminho, nas encostas dos cerros, destacam-se bosques de queñuales com seus troncos retorcidos. A temperatura muito agradável é um alívio pros dias frios que vínhamos até então enfrentando. Os estupendo nevados Rondoy, Jirishanca, Toro, Yerupaja e Rasac estão totalmente visíveis, sem quaisquer nuvens que toldem sua branca imponência. Após pouco mais de uma hora, chegamos à laguna Solteracocha. Pequena, redonda, suas águas verde-esmeralda refletem a brancura dos nevados situados acima dela. Uma grande avalanche, precedida dum silvado (provavelmente devido ao trincamento do gelo), resvala estrondosa pelo flanco do Jirishanca. Enquanto ficamos, eu, Milton e Richardi (Arantza e Juan resolvem se mandar antes pro acampamento), aguardando novo desmoronamento de neve que, entretanto, não ocorre, aproveito pra observar melhor a face oeste do Yerupaja: amarelada, apresenta listras horizontais escuras, ao passo que os outros nevados as têm num tom uniformemente escuro. Por volta do meio-dia, quando retornamos ao acampamento, nuvens fofas e brancas começam a preencher o azul do céu, sem, contudo, empanarem o sol reluzente de inverno. Os três voltamos, sem pressa, parando várias vezes pra fotografar a paisagem magnífica que nos rodeia. Um killiksha (espécie de falcão) prende nossa atenção e Milton se põe a fotografá-lo enlouquecido. Explica que adora clicar aves. Ao chegar ao acampamento, dirijo-me ao refeitório e peço um copo pra colocar as flores que havia colhido durante o passeio. Fico sabendo, então, que fui escolhida a madrinha da pachamanca. Pachamanca é um assado de ovelha temperado com ervas e acompanhado por vários tipos de batatas, como camotes e ocas, cujo cozimento é processado sob a terra. Minha tarefa como madrinha é retirar a areia que cobre a comida com uma pá. Emocionada, derramo algumas lágrimas que limpo, rapidamente. Sei lá por quê, envergonho-me de chorar na frente dos outros. São tantas as emoções: este bom povo peruano, gentil e prestativo, faz meu coração palpitar de alegria. Compro algumas cervejas que ofereço ao pessoal do staff. Agradecem felizes da vida. Brinco com eles pra que não se emborrachem em demasia. Riem com gosto. Agora, depois de ter comido à farta, vou sestear um pouco já que o forte vento impede a permanência ao ar livre. Durmo aquele sono pesado de quem comeu muito e acordo louca de sede. Bebo um pouco de chá de camomila e saio da barraca. O vento amainou, coisa boa! Encontro Vivi e, curiosa, pergunto a ela o motivo de eu, entre tantos, ter sido eleita a madrinha da pachamanca. Ela, sorridente, responde: “porque usted eres chistosa e alegre”. Mais uma vez agradeço, toda envaidecida. Tão bom ser querida! Aproveito pra explorar um pouco as cercanias do acampamento, e subo num morrete de onde posso observar melhor a paisagem. Algumas gaivotas dão rasantes nas águas do lago Jahuacocha. Saco a digital do bolso da pantalona mas logo desisto de fotografá-las porque o zoom é uma merda, deixa as fotos demasiadamente granuladas. Assim, fico só observando o vôo das aves. De volta à barraca, sou abordada por um dos bascos do grupo dos 8 e ficamos conversando. Ele conta que esteve no Brasil na década de 80 com a mulher e adorou o país, o que me deixa super orgulhosa. Simpático e educado, a prosa rola com facilidade, eu mais escutando que falando. Apesar de ser uma gasguita incorrigível, sei, quando quero, ser boa ouvinte. Além do mais, como não escutar com atenção o que falam sobre o meu país, não é mesmo? O acampamento está cheio de turistas que chegaram durante a tarde e barracas estão sendo montadas, algumas, inclusive do outro lado do rio. Chama minha atenção um círculo de pessoas à volta duma ovelha, morta, recentemente, pra outra pachamanca. Aproximo-me e fico ali curtindo o destripamento do bicho. Fascinada - nunca presenciara o carneamento dum animal antes –, vejo o estômago - uma grande bolsa que se encontra locupletada de comida - esvaziado, habilmente, para, posteriormente, ser aproveitado na feitura de lingüiças. Das tripas são retiradas, com destreza cirúrgica, três enormes tênias. Uma médica francesa explica que a primeira providência, pra matar estes vermes, é entornar uma cerveja (não explicou se a garrafa seria de 600 ou de 375 ml), e ato contínuo, ingerir o vermífugo. Garante que é tiro e queda! Essa é boa, às tênias é dado o consolo dum tragoléu antes de exalar o último suspiro, hahaha!! Ao meu lado um baiano curte o espetáculo tão encantado quanto eu. Entabolamos um papo sobre o trekking, trocando impressões sobre os lugares que já havíamos percorrido. Ele e seu grupo atravessaram o paso San Antonio um dia depois que desistimos de cruzá-lo. Infelizmente, pouco viram dos nevados devido ao mau tempo que persistiu em reinar sobre aquela região. Quando o frio começa a pegar, cada um de nós procura refúgio em suas barracas. Ao ver a luz do lampião acesa na barraca-refeitório, pra lá me dirijo, encontrando Milton debruçado sobre um mapa. Conversamos sobre a proposta de Arantza e Juan em rachar as gorjetas com o grupo dos 8. Participo-lhe que darei a minha individualmente, recebendo sua pronta adesão, atitude que desagrada o casal quando informado de nossa decisão. Argumentam que a média de gorjetas, via de regra, é 25 euros por pessoa (não tenho bem certeza mas parece ser essa quantia) e nós, ao darmos mais (Milton pretende dar 50 dólares e eu 100), estaríamos rompendo um padrão estabelecido pela maioria dos turistas. Essa é boa!! Que padrão, hein, cara pálida? O nosso é outro, ora bolas! Mais uma vez, os brazucas deram um show de união, e, batendo o pé, metaforicamente - é claro – dissemos um não uníssono à proposta reducionista dos bascos. Seria risível a atitude do casal se não houvesse um não sei quê de prepotência. E devem estar nos tachando de pequenos burgueses, corruptores da classe trabalhadora, hehehe, porque descobri ontem à noite, em meio a uma discussão acirradíssima travada após o jantar, que são comunistas. Ééééé....são muitas as emoções neste trek!! E viva a diversidade de opiniões!!

Um comentário:

Paulo Roberto - Parofes disse...

Paisagens arrebatadoras, divergência de opiniões, comunismo, mas este trekking foi muito loko! kkkkkkkk
PS: Estes nevados são sensacionais!!!