O dia apresenta-se esplêndido quando acordo às 6 horas. Tão-somente, algumas nuvens, aqui e acolá, dispersas no céu. Levantamos acampamento e, às 7:50, já estamos na trilha rumo a Paiyu. O porter, cujo nome é Youssuf, continua atrás de mim. Numa das paradas que faço pra fotografar e filmar, arruma a bainha de minha calça, pode?! Fico embaraçada com tanta dedicação. Nem sei o que dizer. Hoje de manhã, o coitado, quando nos preparávamos pra sair de Khaburse, me pediu novos band aids. Como os meus já haviam acabado, nem hesitei, fui à barraca de Anne e expliquei a situação. Ela, gentilmente, cedeu-me quatro daqueles curativos. Desde que deixamos Khaburse, sinto meu peito apertadinho, apertadinho. A beleza da paisagem e a bondade das pessoas vêm me tocando profundamente. Lá pelas tantas, não resisto mais, lágrimas incontroláveis afloram de meus olhos e, sem pejo algum, deixo o pranto rolar. Fico, assim, chorando, com a testa apoiada entre os joelhos até esgotar toda a minha emoção. Niaz, Ali e Youssuf quedam, atônitos, sem, contudo, se aproximar. Refeita, tranqüilizo-os: “I am crying because I am very happy”. Vejo alívio em seus rostos. No meio do caminho, uma agradável surpresa: encontro um casal de brasileiros!! Os primeiros e únicos durante o trek. Pergunto seus nomes: Helena e Paulo Coelho. Estão indo pra Concórdia e, conforme informa Paulo, talvez tentem o Broad Peak. Acompanham-nos dois escaladores portugueses. Um deles, tem o nariz todo detonado, provavelmente, resultado de congelamento. Ao apertar sua mão, dou falta de um dedo, o mindinho (quando retorno ao Brasil, ao ler notícias sobre quem teve sucesso nesta temporada de escalada, no Paquistão, descubro que ele é nada mais nada menos que o famoso João Garcia, um dos raros escaladores a fazer o cume do Broad Peak em 2008). Foi muito bom poder falar português. Uma lástima, o encontro ter sido tão breve. Enfim, cada um de nós seguia em sentidos opostos. Às 10 horas, paramos para almoçar. Constato que, agora, na finaleira do trek, a ração servida já não é tão variada. O básico é composto sempre de sopa (de pacotinho), paratha ou chapati. Hoje o complemento é atum, mais geléia. E chá, sempre muito chá. Esta bebida nunca escasseia, podem crer! Estranho o intenso movimento de helicópteros. Primeira vez que vejo tal aeronave sobrevoando os céus. Ainda há pouco, dois voavam rumo a Concórdia. Será que aconteceu algo por lá? Nunca se sabe quando o esporte é escalada, ainda mais em montanhas com elevados índices de risco como GII, GI, Broad Peak e K2. O trajeto Khaburse-Paiyu não é difícil porque praticamente é só descida. O mais difícil de todos foi justamente Paiyu-Khaburse, devido às constantes subidas. O calor é deveras bem-vindo depois de três dias de frio, neve e chuva. Youssuf, não larga do meu pé. Continua colado em meus calcanhares. Lembra aquelas mães diligentes que amparam seus filhos, de modo a evitar que caiam, quando iniciam a dar os primeiros passos. Pois meu sombra porta-se assim comigo. De uma solicitude como nunca vira na vida, o cara é prestativo mesmo. Chegamos em Paiyu às 13:50. Um romeno bem interessante aproxima-se pra conversar. Conta que pertence a uma expedição cujo objetivo é o G1. Além dessa, há outra expedição formada por três mulheres e dois homens. Uma delas, embora feia, atrai os olhares dos porters cada vez que passa pra lá e pra cá. Também pudera: veste short, revelando pernas fortes e depiladas. Não sei se são trekkers ou escaladores. Pretendo, assim que surgir uma oportunidade, perguntar. Na frente do camping, há uma base das forças armadas de onde decolam os helicópteros. Cumpre registrar que, ao longo do trajeto Askole-Concórdia, há mais quatro dessas guarnições militares: Concórdia, Goro I, Urdukas e Korophon. De fato, o país é deveras militarizado. Não demora muito e minha curiosidade sobre o tal grupo é satisfeita quando desço à zona dos toaletes e encontro a tal feiosa que se lava, energicamente, na pia contígua à minha. Não deixo passar em branco tal oportunidade, é claro, e tasco a clássica pergunta “Where are you from:” São tchecos. Ela é professora e retornam, também, de Concórdia. Conta-me que escala paredes de rocha em seu país. Acrescenta que prefere ser a segunda na cordada porque não se sente segura o suficiente pra liderar a enfiada. Aqui no Paquistão, entretanto, veio só fazer trek. São 16:30, o acampamento encontra-se na santa paz. Um porter corta, com esmero, o cabelo de outro cujos ombros estão protegidos, caprichosamente, com uma toalha. Conversas em tom de voz baixo. Alguns jovens passam por mim e me encaram, curiosíssimos - mais ainda do que habitual - pois pendurada, num galho de árvore, está a secar uma calcinha. Primeiro, a tcheca feia, de pernocas de fora, agora eu, de meia idade e sem sutiã, secando as calçoilas ao ar livre. Os baltis estão, se não intrigados, excitados....sei lá, nem quero saber. Prefiro contemplar as marcas prateadas deixadas pelas águas de degelo nas encostas das montanhas à minha frente. Enquanto estou apreciando o vale lá embaixo, aproxima-se pra conversar um jornalista francês cuja especialidade é a cobertura de expedições. Está indo pro Broad Peak onde alguns escaladores, seus conterrâneos, já lá se encontram. Esteve nesta região há 15 anos e contabiliza cinco visitas ao país. Numa delas, cobriu um terrível terremoto ocorrido já há alguns anos. “It was awful”, comenta com ar triste. Despedimo-nos amigavelmente. Ali sugere que, em vez de descansarmos aqui mais um dia, retornemos a Skardu. Assim, posso conhecer, argumenta ele, dois belos lagos nos arredores daquela cidade. Considero uma boa idéia e dou sinal verde pra partirmos amanhã. Depois de 5 dias sem banho (sei lá, se não é por isso o assanhamento das moscas ao meu redor), chamo Mussa e lá vamos nós rumo aos toaletes. A água, muito fria, não me impede, entretanto, de lavar os cabelos. E o trek quase terminando....merda!!
3 comentários:
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