Acordo, não dá outra, cedíssimo, embora não vá fazer nenhum passeio longo. Hoje o dia está reservado pra conhecer Karimabad (abad significa população). Enquanto espero Siddique no restaurante, saboreando um desjejum sem grandes atrativos gastronômicos, curto, através das amplas janelas, o cenário a minha volta. Rodeada de montanhas com mais de 7.000 metros, Karimabad, conhecida também como Baltit, é a capital do Hunza Valley. Domina a paisagem, bem à minha frente, dois destaques da região: Diran Peak e Rakaposhi Peak. Mas a coisa não fica só nestas duas montanhas. À esquerda, quase todo encoberto, mal percebo o Golden Peak e, à direita, debruçando-se sobre o Baltit Fort, o Ultar Peak. Bem mais distante, aponta tal qual um estilete, o pontiagudo cume rochoso sem neve do Lady Finger Peak. Contemplando toda essa belezura, divago. Traço um paralelo entre as montanhas e a anatomia masculina e a feminina, comparando as áridas montanhas e suas abruptas arestas à primeira, enquanto as cobertas de vegetação à segunda, em que o verde da grama representa os trajes e adereços coloridos usados pelas mulheres (sei que é uma comparação babaca mas, enfim, foi a que me veio à cabeça no momento). Conversando com Siddique, que se junta a mim no refeitório do hotel, mais informações sobre a travessia do Ghondogoro me são fornecidas. Eu poderia tê-lo cruzado embora esteja fechado. Para tanto teria de pagar mais e a operação far-se-ia da seguinte maneira: os porters retornariam de Concórdia e eu seguiria apenas com o guia e o cozinheiro. Da vila de Hushe, outros porters se deslocariam até Ali Camp, o primeiro acampamento após a travessia do Ghondoghoro La, com mantimentos e equipamentos necessários aos demais dias de trekking, que findariam justo em Hushe. Pena eu saber disso logo agora! Enquanto subimos as ladeiras, Siddique comenta que o povo de Karimabad tem a cabeça mais aberta e as mulheres, ao contrário das de outras vilas, permitem, às vezes, as fotografias. Pergunto a ele se há divórcio e Siddique confirma tal possibilidade. Caso o marido recuse, o casal vai ao tribunal, decidindo por eles o juiz. Entretanto, a incidência de divórcio é baixa porque, segundo ele, os preceitos islâmicos ensinam que um homem e uma mulher não devem viver sós. O lugar é encantador. Arcadas atravessam os passeios de um lado a outro, casas feitas de pedra, com balcões de madeira, debruçam-se sobre ruelas estreitas e sinuosas. Nossa caminhada termina no alto de uma empinada colina onde se ergue altaneiro o Baltit Fort. Agora transformado em museu, este edifício, de mais de 700 anos, foi, até 1945, moradia dos antigos reis do Hunza Valley. Em 1975, a região, até então um estado independente, governada pela dinastia real dos Khan, foi anexada ao Paquistão. Rebaixada, assim, à condição de distrito, compõe o que se conhece, atualmente, como área Nordeste do país. Entramos na vetusta moradia toda feita de grandes blocos de pedra, e a primeira peça visitada são os calobouços (será uma advertência?). Subimos uma escadinha que conduz a uma peça de teto baixo com janelas pequenas, escura à beça. O guia do museu vai nos conduzindo de peça em peça até a única sala realmente clara de todo o prédio. Tem as paredes pintadas de branco e uma graciosa sacada de madeira, ricamente entalhada, de onde se descortinam as barrancas esbranquiçadas do rio Hunza. Da cozinha, próxima peça a ser visitada, o único vestígio de claridade advém de uma pequena clarabóia, e o teto, coberto de picumã, revela a falta de ventilação do ambiente. Tudo muito rústico. Embora fossem reis, não gozavam lá de muito conforto, não! No terraço, uma larga cadeira de madeira fazia de trono onde o monarca recebia seus súditos. À frente, um estradinho de madeira – o palco - para apresentações artísticas que serviam para entreter a corte. E pendurada em uma das paredes, uma cabeça de bode, considerada símbolo de boa sorte. O panorama que se tem daqui de cima é formidável, compensando a modéstia do interior do palácio. A vista de 360º abrange não só todas as montanhas adjacentes quanto a vila, situada mais abaixo. Uma paz este lugar. Entro em lojinhas onde estão expostos tapetes feitos a mão, finamente, bordados, colares de rubi, turquesa e lápis lázuli de dar água na boca, mais uma penca de produtos típicos, tudo muito, muito colorido. Por sorte, deixara a maior parte de meu dinheiro e cartão de crédito em Islamabad. Senão teria me enchido de badulaques mis. Abordada na rua por um homem, simpaticíssimo, que me convida pra visitar sua casa, lá vou eu conhecer sua humilde moradia. E tiro fotos com alguns de seus filhos, adoráveis e sujos! Ele faz isso esperando em troca um dinheirinho para aumentar a renda familiar...triste miséria que obriga as criaturas a revelarem sua intimidade. Já de volta ao hotel, quem encontro? Anwar e Mustafá. Encantados com o encontro, convidam-me pra jantar com eles no hotel onde estão hospedados juntamente com o grupo de tchecos. Quando estou saindo da lan house, um pouco mais tarde, volto a encontrá-los e, pra minha surpresa, oferecem-me, de presente, uma camiseta com uma estampa do K2! Estou gamada por esse povo, mais bacana impossível! Já no hotel, escuto da varanda o rumorejar do rio Hunza competindo com os gritinhos de crianças que brincam nos pátios de suas casas e com o crou crou das gralhas pousadas nos galhos das árvores. Fantasio, nesta hora morta do entardecer (apesar dos meus 55 aninhos, sou, reconheço, convencionalmente romântica), quão bom seria se Ali, de repente, surgisse pra me levar pra Islamabad. Não num cavalo branco e sim numa van climatizada. Minha versão moderna do príncipe encantado.....huuummm.
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