segunda-feira, 7 de julho de 2008

Hunza Valley

O dia amanhece bonito e quente como todos os de minha estadia em Skardu. Eu sinto-me triste porque o melhor da viagem terminou: o maravilhoso trek e a convivência com os porters, admiráveis na árdua labuta de transportar, em suas costas, 25 kg de carga ao longo dos 12 dias de caminhada. Embora rudes e pobres, são gentis, alegres e respeitosos. Lamento, ainda, abandonar a boa relação que se criou entre mim e meu guia. Uma pena Ali não poder ir pra Karimabad, infelizmente, ele terá de coordenar três expedições, duas a Concórdia e uma ao Biafo e Hispar Glaciares, motivo pelo qual deve permanecer em Skardu. Ali, um homem inteligente e sensível, super atento, procurou dar o melhor de si pra tornar minha viagem a mais agradável possível. Ontem à noite ele deu-me uma linda echarpe de lã, bordada com pequenas aplicações de pedrinhas brilhantes. E convidou-me para jantar no melhor restaurante da cidade! Nós disfarçamos nosso desânimo diante da separação e tentamos criar um clima alegre, o que não colou: soou forçada a tentativa. Eu sentia algo mais que um sentimento de camaradagem entre nós mas não sabia precisar exatamente o quê. Então falamos banalidades aguardando que o outro tomasse a iniciativa de dizer......sei lá o quê! Às 8:20, o ronronar do motor da van, no páteo do hotel, anuncia a iminente partida. Pespego um forte abraço em Ali e sopro-lhe um beijo de dentro do carro. Adeus....Ali.Tenho agora um novo guia, Siddique. O motorista, Aqbar, é o mesmo que me trouxera a Skardu há 16 dias atrás. O trajeto, na mesma perigosa estrada Skardu-KKH, dá a impressão de ser pior do que na vinda. Talvez porque meu estado de espírito não seja tão alegre. O tempo também não colabora: nublado e chuvoso. Abricós secam em cima de largas pedras bem como nos telhados de barro das casas. Siddique é simpático e bem educado, seu inglês é mais inteligível do que o de Ali mas...não é Ali. Umas duas horas antes de chegarmos a Karimabad, somos forçados a parar: um deslizamento de areia e pedras interrompe a estrada. Siddique informa que talvez demore cerca de uma hora. Tratores removem os entulhos, alguns engenheiros chineses, atarefados, passam de lá pra cá. Por falar em chineses, Siddique explica que a China é um grande parceiro do Paquistão. Segundo ele, o verdadeiro motivo de os Estados Unidos insistirem em procurar Osama no Paquistão, não passa de desculpa. Na real, os gringos querem mesmo é instalar uma base militar perto de Skardu a fim de monitorar aquele país. Em relação à Índia - comenta com um risinho -, o problema não são os indianos e sim seus governantes. Quanto ao Irã, acrescenta serem boas as relações entre as duas nações. Já com o Afeganistão, a dificuldade é administrar os milhões de refugiados que se instalaram junto à fronteira oeste de seu país. Nossa conversa ocorre, de pé, à beira da estrada, sob uma ligeira garoa, enquanto o trabalho de remoção dos detritos se processa mais adiante. Enfim, somos liberados a prosseguir e a longa fila de veículos começa a se mover. Paramos pra almoçar num restaurante situado em frente à magnífica Rakaposhi, uma linda montanha de 7.700 metros de altura, toda nevada. São agora 17 horas e já estou em Karimabad, capital de Hunza Valley, região situada à margem esquerda do rio Hunza. Do outro lado do rio, em sua margem direita, o vale é chamado de Nagar. Karimabad é uma encantadora vila verdejante abraçada por altíssimas montanhas cobertas de glaciares. Pertinho do hotel, descubro uma lan house a que se chega após subir uma inclinada ladeira. Estou eu lá batucando nas teclas do computador quando vejo adentrando a sala o grupo de tchecos conduzidos por Anwar e Mustafá. Dou beijocas em todos. Embora os europeus se mostrem divertidos com a recepção calorosa, retribuem, meio sem jeito, porém alegres, à minha efusiva saudação. Já os dois paquistaneses, encantados, demonstram toda sua satisfação e abraçam-me afetuosamente. Estão deveras felizes em me rever. Ao retornar ao hotel, a chuva recente que caíra, avivando os odores das abundantes plantas e flores que crescem ao longo das ruas, deixa no ar um cheiro de mato molhado. Gostoso demais esse cheirinho. O hotel está construído sobre uma colina e o cenário que tenho da varanda, onde há mesas e cadeiras confortáveis, é espetacular: as montanhas Rakaposhi e Diran, dignas de cartão postal. Infelizmente, não é possível visualizá-las com nitidez: algumas nuvens encobrem-nas parcialmente. Oxalá consiga vê-las em seu esplendor nem que seja no último dia de minha estada nesta encantadora vila.

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