quinta-feira, 3 de julho de 2008

Infidelidade à paquistanesa

Ali me acorda às 5:30. Como é horário de verão, uma hora a menos, na real são 4:30. Ainda está escuro. Devemos partir cedo porque, conquanto estejamos a 3.400 metros, o calor ficará infernal por volta do meio-dia. Quanto mais cedo chegarmos a Jhola, menos tempo caminharemos sob o sol inclemente do início da tarde. O jornalista francês e o guia amigo de Ali vêm se despedir. Este guia ontem à noite me fez dar boas risadas. Muito engraçado o cara. Entrou na barraca e deitou-se à vontade sobre os tapetes e, com uma mão apoiando a cabeça, (lembrava a versão masculina de uma odalisca, o bem humorado gorducho), começou a conversar em urdu com os companheiros. Depois, em atenção a mim, passou a falar em inglês. O papo versava sobre a dificuldade de os porters fazerem suas orações diárias - cinco vezes ao dia - quando estão trabalhando nas expedições. Para que não se afligissem, receitou “When you come back to Skardu, you can pray six or seven times in a day!” finaliza ele com um sorriso maroto. É aquela risada! Piadinha de paquistaneses, hehehe. Explicou pra mim que não é só devido às fendas abertas no Gondoghoro La que a passagem está proibida, mas também porque os porters não têm roupas e calçados adequados. "Look at those shoes", aponta ele "they are made of plastic, it’s very hard for them to walk over the ice with these kind of shoes". Saímos às 6:45 de Paiyu. Realmente, é um belo camping com sua generosa vegetação. As elevadas montanhas que se dispõem em ambas margens do rio Braldu, algumas com cumes nevados e fiapos de nuvens ao redor, projetam suas sombras no vale, protegendo-nos do efeito inclemente dos raios solares. Uma paz este lugar. A caminhada dura mais de 7 horas e, durante o trajeto, encontro uma expedição indo pra Concórdia. O dia lindo, com nuvens esparsas, está de fritar miolos. O tráfego de mulas e porters é intenso nos dois sentidos do percurso. A temporada de turismo promete bastante trabalho neste verão pros paquistaneses. Muitos dos escaladores estão vindo do Nepal, devido ao início do período das monções naquele país. Com as chuvas, se torna impossível continuar a escalada nas montanhas nepalesas. Chegamos a Jhola às 14:00. O local, ao contrário de quando aqui estivera, indo pra Concórdia, se encontra lotado de expedições. Identifico duas: uma espanhola e outra francesa. Seus membros são, pra variar, escaladores. À tardinha, o céu deixa entrever seu azul, camuflado, aqui e acolá, por espaçosas nuvens brancas à semelhança de gigantescos flocos de algodão. O sol já se pôs detrás das montanhas e o vento sopra com certa intensidade. Há um rio, bem em frente a minha barraca, de margens próximas uma da outra, cujo leito, embora pedregoso, como os demais, apresenta um vau que facilita a travessia de animais e pessoas. Alguns porters lavam louça. Um paquistanês aproxima-se da margem, com uma galinha segura pelas asas, tira um facão do cós da calça e degola, com um golpe certeiro, o bicho que permanece se debatendo mesmo após morto. O sangue escorre por entre as pedras, ele lava a ave, descuidadamente, e dirige-se a uma construção de pedra onde (fico sabendo depois) moram o proprietário do camping e seus filhos, um dos quais é o tal matador da galinha. Muhammad, Niaz e Mussa, sentados do outro lado do rio, refrescam os pés. Alegres, conversam, animados entre si. Quando percebem que estou com a máquina apontada pra eles, ajeitam-se para posar. Ali, já conhecedor de certos gostos meus, quando viu a porta da barraca voltada pra outra tenda, ordenou aos porters que a virassem, de modo a que eu pudesse contemplar dois impressionantes contrafortes de montanha que se unem, despontando entre eles, ao fundo, a ponta de um pico coberto de neve...não é um fofo esse guia? E um tremendo cara de pau também! Escutem essa: numa das muitas conversas entretidas com ele, comentou que as mulheres das aldeias são relaxadas porque pouco se lavam. Enfatiza, com gestos de mímica, o colarinho de sujeira ao redor de seus pescoços. "Have you already seen it, Biá?" pergunta ele enojado. Invoca tal desculpa - dá pra acreditar nessa?! - como justa causa da infidelidade. Mas, bah, valha-me deus, esses homens e suas justificativas esfarrapadas. O que não inventam pra dar seus pulinhos fora da cerca, hein?!

2 comentários:

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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