quinta-feira, 31 de março de 2005

A cidade oculta

No quarto dia da caminhada, último, portanto, somos acordados às 4 da madrugada, noite fechada; após o desjejum, seguimos viagem. Uma lástima essa parte inicial da trilha ser feita neste breu, não dá pra curtir nada da paisagem. Se hoje eu fosse novamente fazê-la, sairia com luz do dia para poder admirar a belíssima paisagem que se tem ao descer esta etapa final da trilha. Eu comprara uma lanterna de testa pra facilitar a caminhada. Infelizmente, lá pelas tantas, as pilhas acabam e eu faço a trilha no escuro. Não sozinha, graças a deus, pois Moisés ordena a um dos carregadores que me acompanhe no trecho escuro. Começa a chover, não aguaceiro como o do dia anterior, porém uma chuva miudinha que torna o caminho mais perigoso pois escorregadio. Não me deixo abater, sento e continuo a descer de bunda aqueles infindáveis degraus talhados na rocha. Quando os primeiros raios de sol apontam percebo que do lado direito há um profundo precipício, sinto aquele frio na barriga, estaco louca de medo (o carregador já se mandara assim que o dia clareara), o austríaco, que está um pouco mais à frente, percebe minha aflição e estende-me a mão. Ultrapassada a tal curva estreita com uns degrauzinhos bem inclinados, isso sem falar do tal buracão que me espia guloso lá do fundo do precipício, agradeço mais uma vez ao deus sol. Alcanço, por fim, meu grupo (sou sempre a última a chegar) que já se encontra em Intipunku, a porta do sol, um espaço retangular de onde se avista uma panorâmica de Machu Picchu, situada mais abaixo, num platô de montanha. Esse sítio foi, ao que parece, uma espécie de alfândega cuja finalidade seria a de controlar o ingresso de quem chegava ou saia da cidade sagrada. O dia, inicialmente chuvoso, se transformara: o céu desenfarruscou e o sol nos contempla em todo o seu espendor. E lá vou eu cansada e feliz, cansada porque este está sendo, pra mim, o dia mais difícil. Também, pudera, caminho há 4 dias enfrentando sobes e desces constantes, numa sucessão vertiginosa de degraus! Felizmente, daí em diante, os degraus cessam e a estradinha calçada de pedras facilita em muito o passeio. Enfim, avisto a linda Machu Picchu, tendo ao fundo o cerro Wayna Picchu (a vista lá de cima é sen-sa-cio-nal). Esta cidade, construída sob o comando do grande líder inca Pachacutec, em 1438, foi preservada do espírito saqueador dos espanhóis porque seus habitantes, quando sentiram a aproximação dos invasores, muraram suas portas, conseguindo, dessa forma, protegê-la por séculos a fio, façanha esta em muito facilitada devido à densa vegetação existente. Em 1911, Hiram Bingham descobriu-a, acidentalmente, revelando esse tesouro para os olhos de todos que queiram se aventurar até lá. Machu Picchu é dividida em dois setores, o agrícola, com seus terraços destinados ao plantio, e o urbano onde se localizavam os templos, palácios e ruas. Construída sobre a superfície estreita e desnivelada de uma colina rodeada pelos precipícios do imponente canyon do rio Urubamba que serpenteia 400 metros abaixo, essa magnífica cidade impressiona pela perfeição técnica e arquitetônica, mantendo-se praticamente intacta até os dias de hoje, ressalvada, é claro, a ação deletéria do tempo. Como estou muito cansada, passeio brevemente por algumas de suas ruelas e decido ir pra Águas Calientes descansar un ratito, comer algo e retornar à tarde, com calma, pra poder melhor admirá-la. Faço o trajeto caminhando apesar da existência de transporte regular entre as duas localidades. Não me arrependo, o percurso é muito bonito (dá mais ou menos uma hora), encontro flores belíssimas, além das lindas orquídeas e bromélias que ladeiam os degraus da estradinha, porque, sim, mais degraus me acenam pra dar um alô final às minhas já, confesso, exaustas pernocas. Mesmo cansadíssima, ainda, flano um pouco por Águas Calientes, almoço um lanche rápido e procuro meu hotel. Em lá chegando, peço pro recepcionista me acordar às 14 horas já que tinha intenção de voltar a Machu Picchu. Qual o quê! Afundo na cama e só acordo no dia seguinte às 8 da manhã. O rapaz da recepção me explica, no dia seguinte, que batera à porta do quarto no horário combinado mas que eu nem tchuns pra ele. Putz...que merda, e no dia seguinte, eu tenho de voltar pra Cusco....fazer o quê?

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