quarta-feira, 30 de março de 2005

Deitada sobre nuvens

Atualmente, são autorizados a percorrer os 48 km do trajeto apenas 500 turistas por dia (à semelhança de nossa Fernando de Noronha). Oriundos de vários pontos do planeta, a maioria, são, claro, jovens. Daí ser perfeitamente visível em alguns trechos do trajeto, aqueles onde as trilhas são ascendentes e livres de vegetação em ambos os lados, uma fila de pessoas subindo por ela. Bueno, quando chegamos ao nosso acampamento, no segundo dia, por voltas das cinco da tarde, servem um lanchinho com pipoca mais um tipo de massinha doce frita polvilhada com açúcar e canela, de bebida um chá bem quentinho. Eu havia conhecido um grupo de jovens paulistas, enquanto trilhava a famosa subida dos 1.200 metros, que me haviam convidado para visitá-los em seu acampamento (ao longo da trilha inca há diversos lugares demarcados onde são permitidas áreas de camping, ocupando cada excursão um lugar já previamente definido). Convido Debi pra ir comigo e lá vamos nós procurar o local onde os muchachos estão. Suas barracas distam das nossas uns 500 metros. Como está escuro e nós não conhecemos o caminho, demoramos uns 15 minutos para encontrá-los. É nos oferecido uísque, bebemos um pouco, jogamos conversa fora e retornamos porque quase hora do rango. O tal de lanchinho já foi há muito digerido, considerando-se o enorme dispêndio de energia gasto naquele dia. Após o jantar, nosso grupo fica de bate papo, não tardando contudo que busquemos cada um nossas barracas já que os corpos pedem encarecidamente um bom descanso. Ah, o terceiro dia, este dia. Este pra mim é o mais belo de todos. Parte-se do acampamento, subindo por uma estradinha de chão batido, para então se entrar noutra, calçada de pedras. De novo, começa-se a subir. Eis que de repente, surge, no meio do caminho, nada mais nada menos que um túnel escavado na rocha, com aproximadamente 18 metros de comprimento, largo o suficiente para permitir a passagem de animais e pessoas (e pensar que tudo isso foi feito por homens que habitaram nosso planeta há centenas e centenas de anos atrás e construíram todas essas maravilhas sem a ajuda de quaisquer equipamentos, apenas usando a força de seus músculos). E a longa calçada de pedras serpenteia pela encosta da montanha, num sobe e desce constante. A vegetação torna-se luxuriante. Vejo campos de violetas cobrindo uma pequena planície ao longo da estrada. Mais adiante maciços de margaridas pintam de amarelo o verde da grama. E as orquídeas, ah, as orquídeas! Variedades delas, muitas variedades, numa diversificada cartela de cores. Bromélias enxeridas penduram-se nos galhos das árvores, e o sol radioso lança seus raios mornos nesta esplêndida tarde de outono. O que mais eu posso deseja hein? O silêncio é música nos meus ouvidos, motivo por que acelero o passo e deixo Debi pra trás: não posso permitir que nenhum conversê quebre este momento mágico e único que estou vivenciando. Chegamos então a outro grupo de ruínas, Phuyupatamarca, situado num local privilegiado de onde é possível avistar-se uma grande extensão de terras. Em razão da altitude, 3.700 metros, esse conjunto de construções paira sobre nuvens que se formam nos vales ao redor. A-que-la pa-i-sa-gem: sob meus pés aquele nuvaredo branco, espesso, tal qual um fofo tapete feito de algodão. Que vontade de deitar e lá ficar, admirando o céu azul, azul, sussurro pros meus botões. Dou um basta em minha veia fantasista e retomo a descida que conduz a uma planície onde paramos para o almoço. Debi mais eu resolvemos seguir em frente, deixando pra trás nosso grupo. Logo, entramos numa zona de densa vegetação. A trilha retoma seu chão de terra (a bela estradinha pedregosa ficara há muito para trás), em ambos os lados da estrada, árvores centenárias, samambaias gigantescas enfeitam espinhentos pés de xaxim, muito verde, tudo verde, e o céu azul lá em cima pisca cúmplice pra mim (basta de fantasias, por hoje, mulher!). Atravessa-se outro túnel, menor que o anterior, porém igualmente encantador. O caminho é qualquer coisa de belo, mágico, e nem a chuvarada forte que desanda a cair tira meu bom humor e alegria. Até alcançarmos o local onde deveremos acampar, o aguaceiro é bastante severo (quase uma hora embaixo de chuva torrencial), busco, então, abrigo num posto de vigilância, onde aguardo o resto do grupo totalmente encharcada e batendo queixo. Os carregadores, sei lá por quê, se atrasam (a regra é eles chegarem antes dos turistas, de modo que já encontremos as barracas montadas), e temos de aguardar, molhados e famintos, até que tudo fique pronto. Comemos nossa substancial merenda e vamos conhecer Wiñaywayna (jovem para sempre, em quéchua), outro grupo de ruínas construído às bordas de um precipício suspenso sobre o rio Urubamba. Mais um dia que finda.

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