segunda-feira, 28 de março de 2005

A caminho de Machu Picchu

E a segunda-feira traz o tão sonhado trek! Havia passado uma noite de cão com indisposição intestinal (só pode ter sido responsável por tal desconforto o leitãozinho comido na sexta-feira). Só depois que alivio as tripas de toda a porcaria, consigo dormir e acordo inteira, graças ao deus Sol! Saímos de Cusco lá pelas 9 horas chegando no km 88, perto de Ollantaytambo, de onde iniciaremos a caminhada. Descemos e almoçamos num espaço especialmente destinado aos caminhantes que farão a trilha de 4 dias. Nosso grupo de 5 pessoas compõe-se da Debi e Laurie, típicas americanas, joviais e bem dispostas, mais um casal de austríacos, cujos nomes não fiz questão de guardar, introvertidos embora educados. O guia, Moisés, um índio pequeno e magro, é correto, nada de excepcional. Bacanas mesmos são os quatro carregadores – porteadores – que levam todo o equipamento: mochilas, barracas, acessórios de cozinha, mesas, bancos, mantimentos e até um botijão de 30 kg! A simpatia e bom humor desses homens, sua força, vigor e agilidade demonstrados ao longo do trajeto me impressionam e comovem, inda mais sabendo quão pouco ganham. E sempre atenciosos e gentis quando servem nossas refeições. Já são quase duas horas quando iniciamos a caminhada. Eu sinto um frio, na barriga, de tão excitada. Atravessamos a ponte sobre o rio Urubamba e entramos numa trilha estreita cercada de densa vegetação. No primeiro dia ainda carrego minha mochila de 15 litros, no segundo pago a um dos rapazes, porque não estou a fim de castigar minha coluna. Apoiada no cajado (comprara um que lastimavelmente esqueci num táxi em Arequipa), suspiro de prazer, enquanto admiro a paisagem ao meu redor. Após a trilhazinha inicial dentro do mato, Moisés nos mostra uma pequena ruína inca - Patallaqta - situada à beira do rio de barulhentas e rápidas corredeiras. Abre-se então a trilha para o vale, situado abaixo, podendo se curtir a grandeza das montanhas que se perdem no horizonte. Ao longe, Moisés aponta o nevado La Verônica, um cerro esplêndido com o cume coberto pelas neves eternas. Ao longo deste primeiro dia, há diversas casas onde vivem nativos, encontrando-se vários moradores indo e vindo pela estrada, além de banquinhas vendendo água, refris e salgadinhos. Decepciono-me um pouco, não imaginara a trilha tão povoada assim. O terreno liso, de chão batido, não apresenta maiores dificuldades, já que o ascenso nesse dia não vai além de 400 metros de altitude. Venço com facilidade as cinco horas de caminhada até chegarmos a Waillabamba, onde há algumas casas de camponeses e uma escola. Nosso acampamento é montado ao lado de uma delas que funciona como armazém e chicheria (local onde se vende a chicha). As barracas já estavam armadas quando chegamos. Há uma grande, usada como refeitório, (além de dormitório dos carregadores) e mais quatro onde ficamos, eu, com uma barraca só pra mim, outra para as duas americanas, a terceira pro casal de austríacos e a quarta pro Moisés (o guia como é hierarquicamente superior aos carregadores e ao cozinheiro, desfruta duma barraca só pra ele). Descanso um pouco antes do jantar que se revela uma delícia: sopa, galinha, massa, salada, sobremesa e vários tipos de chá, a escolher. As refeições, afora serem muito gostosas, são fartas: quatro por dia, meus queridos, sim, sim!! (nosso cozinheiro, um dos carregadores, acumula dupla função, o que o torna na escala social de um acampamento superior aos outros três). Bato papo com as americanas, descobrindo que Debi fala um espanhol razoável. Fico sabendo que namora um peruano, daí seu interesse em conhecer o país; já Laurie, corredora, está treinando para uma maratona quando retornar aos USA. Ela se recusou a mascar coca durante os 4 dias porque temia, caso fosse exigido dela exame antidopping, que acusasse ainda a existência de traços da erva em seu organismo. Eu comprara um saco cheio dessas folhas que masquei durante a caminhada. Assim, ao encontrar, no segundo dia, o velho senhor índio, um amor de pessoa, impossível negar, quando pede com voz sussurrante: mamacita, dame un poquito, por favor! O pobrezinho está se sentindo fraco conforme revela. A noite cai e quem eu vejo no céu brilhando bem lampeira? A lua, cheia, cheiíssima, ilumina o acampamento. Que felicidade, meu deus! Durmo com a porta da barraca semiaberta pra poder curtir e reter aqueles lampejos de prata em minha retina.

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