terça-feira, 29 de março de 2005

Sayacmarka

Acordo com um dos porteadores batendo palma diante da barraca e estendendo uma xícara de chá de coca (nos demais dois dias, o mesmo ritual irá se repetir), sinal de que é a hora do desjejum. Levanto feliz do meu saco de dormir e vou para o refeitório onde sobre a mesa estão dispostos pão, biscoitos, bolo, geléia, manteiga, queijo, leite, saquinhos de chás de vários sabores, sem falar na tigela de mingau bem quentinho que é passada de mão em mão por sobre uma lona que divide o refeitório da cozinha. Saímos, deixando pra trás os carregadores embalando todo o material da excursão (não é que algum tempo depois eles ultrapassam a gente levando no lombo mais de 20 kg de utensílios?!). O caminho torna-se mais íngreme, percebe-se com nitidez a trilha sulcando a encosta da montanha num risco ziguezagueante cor de areia. Dum lado o paredão rochoso protege, do outro, o precipício amedronta um pouco. Por incrível que pareça não me abate a altitude, nem tenho ataques de pânico, a trilha é larga o suficiente de modo que me sinto segura. Subo calmamente, olho vez por outra para o alto onde sei que atingirei uma altitude, pra mim inédita, de 4.200 metros, mas sempre ligada no cenário ao meu redor: delicadas flores duma belezura ímpar, em que o colorido de suas pétalas pulam do roxo ao amarelo, passam pelo vermelho, detém-se no carmesim, rápido momento rosa e ao final o branco imaculado cintila ante meus olhos castanhos. Esta parte do trek me assustava muito: relatos lidos na internet consideravam-na o ponto crucial. Entretanto, venço com facilidade os tão temidos 1.200 metros de subida (a pobre Debi passa mal nesse trecho. Moisés, inclusive, tem de socorrê-la, dando-lhe um remédio contra o soroche) e alcanço Abra de Warmiwañuska que, significa em quéchua, passagem da mulher morta. As mudanças no clima, logo, logo se fazem sentir. Nuvens cinzentas abocanham o brilho do sol. Escondido o astro-rei, a temperatura até então amena, declina, um ventinho começa a soprar e a paisagem adquire um tom espectral. Abaixo de nós um vale magnífico descortina um pequeno riacho. Para alcançá-lo não mais uma estradinha de chão batido a enfrentar, e sim uma impressionante escadaria de largos e altos degraus que não acaba nunca. Confesso, é mais duro descer que subir! Depois de descer 500 milhões de degraus, volta-se a subir, dessa feita, por uma trilha pavimentada de pedra quando surge no meio do caminho uma pequena construção ovalada. Supõe-se tenha esta ruína servido de hospedagem aos incas que iam visitar o templo sagrado de Machu Picchu. Uma névoa cobre boa parte da paisagem imprimindo-lhe um ar claramente fantasmagórico. Continua-se a trilha não subindo, porém escalando estes degraus de pedra (degraus altíssimos, gente, ou então minhas pernas é que são muiiito curtas), quando então se avista à esquerda uma lagoa, mais adiante, à direita, outra. Tão lindo, belo e inesquecível este lugar! A escadaria cede lugar a uma trilha de chão batido para novamente ceder lugar a uma estreita e inclinada estradinha de pedra, onde se avista outra lagoa, essa de cor esverdeada, pra finalmente se alcançar Sayaqmarka, cidadela inca situada aproximadamente a 20 km de Machu Picchu. Beleza pura essa ruína embora pequena. Situada sobre um promontório, chega-se a ela através de uma estreita escadinha de pedra que pende do lado direito para o precipício (aqui eu levo medo, quase desisto de visitá-la, entretanto meu pânico de altura é vencido pela curiosidade). Ando por suas ruas, entro em salas e faço questão de me perder em seus desvãos, curtindo as flores que colorem de amarelos seus muros de taipa. E lá de cima, novo vale se abre formado pelas encostas dessas magníficas montanhas peruanas.

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