19/03/2017 - Domingo – 2º
Dia de Trek Everest BC – Shivalaya a Bhandar
Acordo às 6 com um aguaceiro que soa mais forte do que é na realidade porque os pingos de chuva caem sobre o telhado da guest house, coberto de de zinco. Tá fazendo 7º
C quando levanto pro breakfast e o céu mantém-se nublado ainda que o chuvaral tenha
cessado, graças não a Deus, porém a Shiva ou quiçá a Buda, esclarecendo que no
Nepal as religiões dominantes são o hinduísmo e o budismo. No topo das
montanhas tudo
branquinho porque ontem durante a noite nevou nos pontos mais
altos da região. Provo no desjejum champa, um mingau de painço com sal, açúcar
e manteiga de yak ou de vaca, usada conforme a região onde é feita. Bem sem
graça pro meu paladar ocidental, seu valor nutritivo é muito apreciado pelos
nepaleses que vivem nas zonas rurais. Saímos de Shiva, situada a 1.767 metros, às
8 da matina. Vez por outra o sol rompe a barreira das nuvens aquecendo um pouco
a atmosfera embora se mantenha abaixo dos 10º C. Bom é que não há vestígio de vento.
A trilha até Deurali – 8 km que rende 4 horas de duro ascenso devido ao
desnível de 1 mil metros – é cansativa: 70% do terreno são degraus de pedra e
quando não há escadaria, chão coberto por pedaços irregulares de pedra que
exige pisada cuidadosa de modo a proteger duma torção os tornozelos. Tanto percalço é compensado pela fotogenia dos
rododendros e suas belas flores dum intenso vermelho. Várias vezes cruzamos
a
estrada que liga as vilas de Shivalaia a Deurali, ingressando logo a seguir na
rede de trilhas que ligam os vilarejos nepaleses. Nesta região do país, há denso povoamento devido
às inúmeras vilas edificadas ao longo dos caminhos, inobstante muitas delas
contarem apenas com 3 ou quatro casas. Observo que cuidados quanto armazenamento
e reciclagem do lixo são praticamente inexistentes nas comunidades, haja vista a
quantidade de detritos jogados displicentemente nos barrancos, não muito distante
das residências. Dum ponto da trilha já dá pra avistar Deurali, encarapitada algumas
centenas de metros antes do passo de igual nome, com 3 mil metros de altitude. Um
pouco antes de chegar a esta vila, porta de entrada nas terras sherpas, que se
estendem até a região onde se encontra o Everest, vejo a primeira dentre as centenas
de stupas construídas ao longo da rota. Chegamos
à vila sherpa
ao ½ dia onde almoçamos num restaurante cujo veg fried rice polvilhado
com queijo mole, tipo colonial, me agrada muito pela generosa porção servida,
capricho no preparo e uso equilibrado dos condimentos. As casas, rebocadas de
branco, têm aberturas azuis e algumas exibem nas fachadas desenhos de flores. Terminada
a refeição, retomamos a curta e agradável descida até Bhandar, feita em 1 hora
e 30 minutos, percorrendo bosques e mais uma vez cruzando a estrada que liga
Jiri, Shivalaya, Deurali e Bhandar. Como toda a região montanhosa, os
agricultores escavam nas encostas das montanhas terraços onde plantam seus
legumes, hortaliças e cereais, formando um tapete de variados tons de verde. Destacam-se
nesta época do ano as plantações de trigo, cevada além de alho e cebola. Bhandar
localiza-se num pequeno vale rodeado por montanhas a 2.200
metros de altitude. Os sinais de devastação causados pelos terremotos de 2015 -
dá um aperto no coração – também aqui estão presentes, com casas, stupas e monastério
arruinados. Chove torrencialmente à tarde pouco depois de nossa chegada. À
noite, contudo, o céu explode de estrelas.



20/03/2017 - Segunda-feira – 3º
Dia de Trek Everest BC – Bhandar a Sete
Dia lindo, nuvens esparsas no céu azul. Temperatura de 9ºC, boa pra caminhar, ainda
mais que sem vento. Bom começo de semana, já que hoje é segunda-feira. Ao sair
de Bhandar, às 8 e 15, uma cena me toca profundamente: vejo sentada no chão, uma
mulher super concentrada quebrando com martelo blocos de granito a serem usados na reconstrução
de sua casa destruída pelos terremotos de 2 anos atrás. Um pouco além de Bhandar, num trecho de 40
metros, a estrada se encontra interrompida devido a recente deslizamento de terra, o
que exige cuidado na travessia. À medida que nos aproximamos de Kinja dá pra perceber que
estamos numa garganta formada pelo rio Likhu, percorrendo sua margem esquerda.
O rio apresenta inúmeras pequenas corredeiras cuja espuma branca é um contraponto às suas águas esverdeadas. O trajeto é tranquilo até Kinja porque esta vila, 600 metros
abaixo de Bhandar, situa-se a 1.630 metros de altitude. Tem-se então pela frente subidas razoáveis,
descidas decentes, entremeadas de terreno plano de chão batido. Muitos aviões e helicópteros podem ser vistos
e ouvidos durante o percurso porque esta é a rota entre Kathmandu e Lukla,
voando as aeronaves preferencialmente pela manhã porque a probabilidade de baixar
cerração ocorre no início da tarde. Atravessamos três pontes pra chegar ao
centro de Kinja onde estão os restaurantes e guest houses pois o povoado se
distribui em ambas as margens do rio Likhu.
Pequena e aconchegante, as fachadas
das casas são enfeitadas com vasos de gerânios e begônias. Os telhados de zinco
brilham à luz do sol. Contudo, após um pé de vento, tem começo a chuva. Saímos
de Kinja às 13:10 sob forte garoa. A trilha percorre uma encosta bem vertical sulcada
por altos degraus de pedra, o que demanda certo esforço em razão de meu metro e meio de altura. Atravessamos um trecho curto
no bosque que lembra um brete já que bem estreitado por paredes em ambos os lados
da trilha. Embora miúda, a chuva continua e só pára quando estamos perto de
Sete. Suo pra caramba da empinada subida, minhas roupas estão empapadas não da
garoa mas de suor. Inobstante o mau tempo e a pouca visibilidade proporcionada
pela cerração, percebe-se que o flanco da montanha, oposta à nossa, é coberto
por cerrada floresta onde vivem tigres e ursos pretos. Dá pra ver, virando pra trás,
o passo de Deurali coberto ainda da neve invernal. O rastro de destruição dos 2
terremotos de 2015 é como uma ferida que ainda não sarou. Difícil uma vila
nesta região não ter sido atingida pelos tremendos sacolejos entre as placas
tectônicas indiana e euroasiana. Quando chego a Sete às
16:45, o sol dá as caras. Enquanto no primeiro trecho da pernada Bhandar a
Kinja demorou-se 3 horas pra percorrer 11 km, neste segundo, de Kinja a Sete,
situada a 2.575 metros, caminhou-se 4 km em 3 horas e ½. A gritante diferença não
se deve só à diferença de altimetria entre as vilas (900 metros) mas também por
ser a curta subida beeemmm íngreme. A guest house é um baita
muquifo e suja de dar nojo. O painel solar é tão pequeno que não consegue
iluminar os dormitórios. Apelo pra lanterna de testa pra me orientar dentro do
quarto quando anoitece. O banheiro tem largas frestas entre as tábuas de
madeira de modo que parece que se está no interior duma geladeira quando ali se
adentra. A peça onde se faz as refeições tem tripla função: além de refeitório serve
como cozinha e quarto de dormir pro dono da pousada. Este, aliás, desde sua recente
viuvez passa os dias bêbado. Mesmo embriagado o viúvo não incomoda e limita-se
a sorrir quando olho pra ele, engrolando
palavras que percebo desconexas ainda que
em nepali. Quem toca a pousada é a filha mais velha, séria adolescente de 17 anos,
ajudada pelas duas crianças, suas irmãs. Ela, coitada, se mostra envergonhada
em ver o pai borracho. A paisagem se torna deslumbrante no final da tarde, colorida daquela quente tonalidade alaranjada resultante dos últimos reflexos do
sol poente. O espetáculo é tão belo quanto rápido, escondendo-se o sol atrás
das montanhas, salientando-se dentre elas um imponente pico nevado. Terminada a
janta, bem gostosa, aliás, na escura cozinha-refeitório-quarto de dormir, vou
pro quarto. Além do cansaço está muito frio, não apetecendo ficar com meus
parceiros conversando. É o primeiro dia que sinto as mãos geladas, daí porque quero
mais é me aconchegar embaixo das cobertas ainda que sujas. Que Ganesh não permita
que eu chegue ao fim desta jornada ou com sarna ou cheia de piolhos nos
cabelos, hehehe




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