segunda-feira, 30 de junho de 2008

Cantoria em Goro I

Saco é ter de acordar na madruga para fazer xixi. Foi o que me aconteceu. O frio, tremendo, me obrigou a tanto. Depois custei a pegar no sono. Escuto barulho de chuva batucando o teto da barraca. Quando desperto qual não foi minha surpresa ao ver que o tal ruído que eu supusera ser chuva fora de neve! Está tudo branco, branquinho, e o sol tenta escapulir de uma cerrada formação de nuvens. Há no céu, entrentanto, partes descobertas, revelando um azulão promissor. Vamos ver quem vencerá esta peleja. Niaz acaba de me trazer uma caneca de chá verde, e o sorridente Muhammad pergunta se eu dormi bem. O vento cessou. Dou uma banda e falo com uns escaladores húngaros, 6 homens, muito simpáticos, que estão indo ao acampamento-base do GI e GII onde pretendem fazer o cume desta montanha. Os espanhóis também estão de partida para lá (o acampamento-base para os dois picos é o mesmo), e Raul comenta que o tempo, talvez, só melhore amanhã, isso se a pressão não continuar declinando. Digo a Ali que é melhor não permanecermos mais aqui. Não estou a fim de ir até o acampamento-base do K2 com este tempo - uma caminhada de 12 horas entre ida e volta - pois a probabilidade de o clima melhorar é ínfima. Afora isso, a pouca visibilidade impediria uma boa visão do Baltoro Glaciar e das montanhas adjacentes. O plano é retornarmos e descansarmos um dia a mais em Paiyu. São 8:15 e o frio intensifica-se porque o sol não consegue furar o bloqueio das espessas e cinzentas nuvens que cobrem totalmente Concórdia. Estamos partindo para Goro I. São 9:20. Neva durante boa parte do caminho. Flocos espessos caem continuamente e o frio não dá trégua. Uma densa neblina impede que se veja a paisagem. Finalmente, cessa de nevar, e até tenho a ligeira impressão que esquentou um pouco. Incorpora-se ao nosso grupo um porter que usa uma touquinha branca de croche. Ali, galhofeiro, comenta que ele é amigo de Osama Bin Laden. Durante todo o trajeto, ele segue atrás de mim. O homem tira o tênis (usa-o sem meias como a maioria dos porters), e aponta o calcanhar: esfolado, sangra bastante. Entrego-lhe dois band aids....coitado! Chegamos a Goro I às 14:40. Uma chuva fininha cai. Como eles armaram primeiro a barraca-refeitório, abrigo-me lá dentro enquanto espero que a minha seja montada. O tempo, para onde se olhe, apresenta-se péssimo. Além do mais, um nevoeiro, proveniente do sul, entristece mais ainda a paisagem ao redor. À tarde, surpreendentemente, um tímido sol surge dentre as nuvens. Aproveito e ponho meias, calças, mochila e touca, penduradas numa cadeira, para secar. Estão super úmidas. Decido acompanhar Muhammad na sua rotina de buscar água. Ele põe o container azul nas costas e caminha até o local onde há um pequeno córrego de águas límpidas Garante, sempre sorridente, em seu inglês estropiado, ser “good....good”. Retornamos ao acampamento na seguinte ordem: ele à frente, e, eu atrás, filmando-o sem parar. Recolho a roupa e vou à barraca- refeitório ver o que está rolando. Niaz prepara a janta, eu aproveito e filmo um pouco a sua faina culinária. Peço, então, que cantem algo. Muhammad e Mussa não se fazem de rogados: o sorridente e alto porter improvisa, com um vasilhame de plástico e duas colheres, servindo de baquetas, uma percussão. Os dois entoam algo em balti cujo tema, suponho eu, deve versar sobre dor de cotovelo (não será viagem minha? e se eles estiverem entoando loas ao profeta Maomé?) Niaz, envergonhado, mantém-se mudo até que, incentivado pelos amigos, se junta a eles. Agradabilíssimo serão musical. Ali, até então no redil junto com os outros porters, chega para o jantar. Conversamos muito. Eu sempre com a ajuda de “my best friend, the dictionary, do you know, don’t Ali?” Ele conta que o idioma falado entre eles é o balti, não o urdu. Isso ocorre porque porters, cozinheiros e guias são todos oriundos de Hushe Valley, Shigar Valley ou Hunza Valley, localizados no Baltistão, região pertencente à Northern Areas. No Paquistão, acrescenta, são 32 as línguas; destas, 7 são balti. Cita, como exemplo, que shukuriya - obrigada, em urdu - significa aju em um dos idiomas balti. Gaba-se de falar 4 idiomas: 2 em balti, urdu e inglês. Indago se não são essas 7 línguas balti apenas dialetos, porém ele, categórico, recusa minha observação. Bueno, quem sou eu pra discordar, nem filóloga sou, mesmo! Tenho mais é de aceitar caladinha tal informação. Depois de beber em goles miúdos o chá, dou boa noite a todos e vou deitar, não sem antes retomar a leitura de Pólo Sul. Não preciso fazer esforço algum de imaginação pra imaginar como é a região polar: o clima frio, sem contar os inúmeros blocos de gelo espalhados ao redor, remetem àquelas paragens.....hehehehe!!

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