Saímos de Chillas às 6:20 da matina, e após uns 50 km, um pouco antes de abandonarmos a KKH para entrarmos na rodovia que nos levará a Skardu, é possível visualizar o encontro das três cordilheiras responsáveis pelo relevo acidentado do país: Indo Kush, à esquerda, Himalaia, à direita, e Karakorum, à frente. No mesmo local, percebe-se, ainda, a junção do rio Gilgit com o Indo cuja nascente localiza-se em Skardu. Viro-me para trás e vejo, embora já distante, o perfil imponente do Nanga Parbat. Embora a estrada até Skardu já não seja mais a KKH, o rio Indo continua a nos escoltar. O motorista da van chama-se Aqbar. Ainda que não fale inglês, dirige com calma e destreza o veículo (como pude constatar, posteriormente, os motoristas com quem andei foram “braço”, todos excelentes). Junto, vai, também, Niaz, o cozinheiro, um jovem de 24 anos. Num inglês arrevezado, enumera, orgulhoso, suas habilidades na culinária mexicana, chinesa e italiana. Auto-intitula-se chefe de cozinha. O rio Indo, comprimido entre dois cordões de montanhas, estas já pertencentes à cordilheira Karakorum, com suas margens bem próximas uma da outra, torna-se fera, altas corredeiras formam sorvedouros vorazes. O ruído estrondoso da correnteza turva abafa por vezes a música indiana vinda do toca-fitas. A estrada, bem mais estreita e sinuosa que a KKH, é mais perigosa, contudo mais bonita já que, entre as áridas montanhas, vêem-se terraços com plantações de trigo, sobressaindo em algumas maduras espigas douradas. Pomares com árvores frutíferas quebram a monocromática coloração marrom e bege da paisagem. Em certos trechos, túneis de árvores sombreiam ambos os lados da estrada. A quantidade de áreas verdes entre Chillas-Skardu - algo em torno de 300 km - viceja graças às águas de degelo que escorrem dos topos das montanhas. Um céu de brigadeiro hoje, apenas algumas nuvens para o lado do Nanga Parbat. Escuto freqüentes deslizamentos de terra na outra margem do rio. Agora mesmo foram dois boings de arrepiar. À medida que subimos a cordilheira Karakorum, cujos paredões vão ganhando mais e mais altura, aumenta o desnível entre o leito do rio Indo e a estrada, possivelmente em torno de uns 400 metros de altura. Uma paradinha para estender as pernas numa "village" onde há alguns armazéns, um restaurante e um hotel. Fico admirando um dos inúmeros tributários do rio Indo que, impetuoso, espuma toneladas de líquido montanha abaixo. Seu barulho é tonitruante. Impossível se banhar nesses rios: além da temperatura geladíssima das águas, suas corredeiras endiabradas matariam o mais experiente dos nadadores. Uma pena porque o sol, forte pra caramba, convida a um belo mergulho refrescante. Algumas crianças se aproximam encantadas e me espiam com curiosidade. Sorrio e algumas me devolvem o sorriso. Retomamos a viagem. Um pouco mais adiante, passamos por meninos que vendem cerejas, ameixas e abricós. Esta cena repete-se algumas vezes durante o percurso. Sinto vontade de pedir a Ali que pare o carro para eu comprar abricós, uma fruta que não houvera provado até então in natura, apenas seca, conhecida no Brasil como passa de damasco. Verifico, infelizmente, que não tenho dinheiro trocado. Interessante observar os diversos costumes de cada país: no Brasil, temos as redes, herança indígena, pra descansarmos ao ar livre; aqui são camas (estrados de metal ou madeira cobertos com tiras grossas de nylon entrecruzadas) postas diante dos restaurantes onde os homens, indolentemente, se recostam em almofadas acilindradas. Alguns tiram uma boa soneca enquanto outros bebem chá e batem papo. Chegamos em Skardu às 14 horas. A capital do Baltistão é uma cidade feia, suja e pobre. Pra variar, não há quase mulheres nas ruas. Homens, entretanto, há aos magotes, e todos me fitam com curiosidade, alguns flertam, lançando olhinhos sedutores. Algo meio ingênuo até. Umas graças. Sinto o ego, infladíssimo. Afinal, dos 3 ao 80 anos, não passo despercebida. O hotel é confortável mas sem os requintes do de Chillas. Ladeiam a entrada do hotel duas palmeiras artificiais, iluminadas, à noite, por luzes vermelhas e verdes. Este país é duma breguice encantadora!! Num saguão do piso inferior, ouço uma cantoria feminina. Trata-se de um encontro religioso de muçulmanos, a religião predominante no país. Situada a 2.100 m, a cidade é rodeada de altas colinas, algumas com neve nos topos, outras a têm nas encostas, semelhantes a estrias verticais, riscando de branco o cinza da rocha. Tudo muito árido até você perceber em algumas delas grama em seus cocurutos. Skardu é um importante centro comercial, portanto a quantidade de lojas vendendo de tudo um pouco é pra lá de variada. As confeitarias são um capítulo à parte. Sortimentos de doces, em formatos triangulares, quadrados e redondos, colorem de verde, amarelo, laranja e rosa as vitrines. No interior, mesas e bancos onde os clientes tomam chá e comem os petiscos. O ambiente é escuro e sujo pra não fugir à regra. E os homens, com suas roupas que lembram pijamas, muitos deles de mãos dadas, passeiam à vontade nas ruas. A temperatura está beirando os 37º C. Mesmo assim, recuso-me a ficar no hotel e saio pra bandear pela cidade. Andando na rua principal, de chão batido, sou atraída pelo canto monocórdio de um velho cego sentado numa cadeira coberta com um tetinho de madeira. Recita poemas religiosos pra ganhar dinheiro. Cabras vagueiam, soltas nas calçadas. Coisas do Paquistão. Infelizmente, sou obrigada a interromper o passeio: descubro, enquanto tiro fotos, que todas as pilhas adquiridas em Dubai se encontram descarregadas. Puta merda....se não carregá-las até amanhã, ficarei sem bateria durante o trekking. Oxalá, deus me proteja dessa desdita!! E lá me vou, aflitíssima, voando as tranças, pro Hotel Mashabrum.
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