terça-feira, 18 de março de 2008

Reserva Nacional dos Flamingos

Dia de longo passeio. E de carro ainda por cima. Gosto mesmo é das caminhadas. Talvez por isso, embora os lugares que haja visitado sejam lindos, não são os que guardo com mais afeição. Javier, desta feita, será nosso guia. Apelidei-o de professor. Didático, é muito preciso em suas informações. Engenheiro, com mais de 50 anos, abandonou sua vida em Santiago e ei-lo aqui em San Pedro trabalhando como guia. Sinto que gosta deveras do que faz. Divorciado, preza sua liberdade. Invejo-o pela ousadia em trocar sua antiga vida confortável pela incerteza da nova escolha. O veículo roda sem pressa estrada afora. Javier conversa, pausadamente, informando-nos sobre as peculiaridades dos lugares por onde passamos. Daí se torna fácil entender seu espanhol. Na camionete, além de Val, um casal de bascos e sua filhinha, ainda bebê, mais um amigo. O ambiente, dentro do carro é gostoso, cálido, afinal somos todos latinos. Ao tom ocre da paisagem um aditivo a mais suaviza o contorno da Cordilheira dos Andes e seus vulcões: a misteriosa bruma que paira sobre a região. À direita, impõe-se a Cordilheira de Domeyco e seu maior cerro, o Kimal. Sua coloração escura contrapõe-se à coloração clara da Cordilheira do Sal. O dia continua lindo. Céu azul, sem nuvens, uma luminosidade extraordinária. Meus olhos já ardem. Vamos conhecer alguns dos lugares que fazem parte da Reserva Nacional dos Flamingos: os bosques de Tambillo formados por milhares e milhares de tamarugos plantados em ambos os lados da ruta 27, rodovia que liga Calama a Toconao, nossa primeira parada. Com 550 habitantes, o pueblito situa-se no vale de Jere, outro oásis a enfeitar de verde o deserto do Atacama. Banhada por rios menos salobres, torna-se possível a plantação de frutas, legumes e verduras. Percorremos algumas de suas ruas de chão batido, com casas de adobes, semelhantes às de San Pedro, antes de rumarmos a Socaire. No pueblito situado a 3.400m, habitam-no apenas 180 almas. Deixamos o asfalto e ingressamos numa estrada de chão batido cujo destino são as lagunas Miscanti e Miñiques, também pertencentes à Reserva Nacional dos Flamengos. Meus ouvidos zumbem, o efeito da altitude já se faz sentir. Continuamos a subir até que alcancemos 4.200 m onde se localizam as lagunas Miscanti e Miñiques. Ao longo do caminho, contemplo a linda planície altiplânica, cuja vegetação típica de estepe caracteriza-se pelos tufos de coirones. O solo arenoso, a esta época do ano, encontra-se atapetado de dourado. Rodeando ambas as lagunas há vulcões: o Miscanti, de coloração escura enquanto o Miñiques (significa, podem crer! mindinho) apresenta matizes cinza chumbo, bege e verde. Javier diz que a coloração dos cerros depende do tipo de mineral que jorra dos derramamentos de lava, geralmente, vermelhos. Mas às vezes respinga na terra uma lava de um verde acobreado. Avisto as margens das duas lagunas, de águas placidamente azuladas, pescando, algumas aves características desta região: taguas cornudas (pretas) e guayatas (brancas). A areia, ao redor das lagunas, distantes uma da outra menos de 1 km, porque coberta de sal, é branca, bem branquinha. Chama atenção por sua forma cônica, ao lado do vulcão Miscanti, o belíssimo vulcão Chiliques. Salve-se quem puder deste vulcão quando dá seus xiliques, hehe!! Na volta, almoçamos em Socaire no restaurante de dona Palmenia, uma índia simpática e gorda. Javier traz uma comprida mesa pro lado de fora do restaurante. Aplaudo tal iniciativa. Muito sensível nosso guia-chauffeur! Comer ao ar livre é bem mais agradável. A comida simples é saborosa: sopa de legumes (uma delícia), frango assado, quínua e arroz (nem precisava deste cereal já que a quínua nutre bem melhor). De sobremesa, maçã vermelha. Ficamos um tempinho conversando e fumando cigarrinhos, enfim, fazendo a digestão – pressa foi riscada do vocabulário de Javier – até que embarcamos na camionete em direção à Laguna de Chaxa, outro sítio da Reserva Nacional dos Flamengos. Situada no salar do Atacama, o lugar deslumbra não só pela brancura de seu chão atapetado de sal como pelas duas espécies de flamengos que a habitam: o chileno e o andino. Este último, lindo, lindíssimo, com asas pretas, corpo branco e rosado. Voam sobre nossas cabeças emitindo, alguns, grasnidos agudos. Mais adiante, um bando deles de bicos n'água alimentam-se de algas e crustáceos. Mestre Jávier explica o funcionamento da cadeia alimentar: as algas, que produzem uma película de betacaroteno com três cores, vermelha, verde e laranja, são comidas por crustáceos existentes na laguna. Os flamengos alimentam-se tanto das algas (daí a cor de suas penas) quanto dos crustáceos. Por sua vez, os zorros tratam de papar os flamengos que, se não houvesse os cuidados dos ambientalistas, estariam ou sendo assados em restaurantes de carnes exóticas ou enfeitando jardins suburbanos. Pela primeira vez desde que saímos do Brasil, Val e eu decidimos comer algo que não sejam os indefectíveis lunches boxes. À noite, então, escolhemos jantar no La Estaka. Iluminado por luzes de vela e lampiões, o lugar é escuro. Ambiente de boate, bom pra namorar, infelizmente, inadequado à degustação de comida. Restaurante que se preze deve oferecer uma boa iluminação para que se possa apreciar com nitidez o que é servido. Pra mim o ato de "comer com os olhos" é anticlímax do que vou degustar. Bem irritante esses restaurantes de luzes esquálidas. Mais servem pra esconder do que pra revelar. Entretanto, como não sou de toda injusta, reconheço: o salmão está ao ponto.

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