segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Vulcão Chachani

Saímos de Arequipa às 08 e ½, numa 4x4 guiada por Afonso. Proprietário do carro, ele é um tipo irrequieto, falante, mas nada simpático. Quando sabe que sou brasileira, revela que namora uma paulista. E eu com isso, uai. O guia é Alberto, um cara que sorri até quando tu fala de coisas tristes. Dessa feita, Adrián vai apenas porteando minha bagagem porque ainda não tem permissão pra guiar solo em alta montanha. Como lhe falta concluir o curso de Profissional Técnico de Guia Oficial de Montanha, ministrado pela Associação de Guias de Montanha do Peru, afiliada a UIAG, cuja duração são 3 anos, só lhe é permitido ser guia de caminhada, daí porque no Colca pôde me acompanhar. Espera, com a grana que está juntando nessa temporada de turismo, poder pagar as taxas e se mandar pra Huaraz em setembro, onde será realizada a parte final do curso, constante somente de práticas. O último componente do grupo é Mikael, um belga duns 30 anos, espantosamente fluente no espanhol, graças a 2 semestres de engenharia florestal cursados no Chile. Tece comentários perspicazes acerca do relacionamento homem x mulher que me arrancam sorrisos, tipo “ela (se referindo à namorada, uma espanhola, mais um motivo porque é tão bom no espanhol) não concebe que eu possa me divertir sem estar ao seu lado”....hahahaha. Pior que a arguta observação resume acertadamente um tipo de mesquinhez emocional que estraga tanto as relações amorosas. Afonso, a meu pedido, pára o carro pra eu poder fotografar o Misti. E Alberto me indica a trilha pedalável na encosta nordeste do Chachani. Pra quem gosta de boas descidas, esse down hill é bem irado: desnível de 1.200 m, com largada a partir de  4.800 m. Quando atingimos os 5.074 m, às 11 e 30, Afonso nos deixa e retorna a Arequipa. Voltará amanhã pra nos buscar. Quase toda a caminhada, até o acampamento, é ao longo duma trilha bem demarcada, exceto por um trecho constituído duma selva de pedras, provável resquício dalguma morena. Durante a pernada, a única vegetação que se destaca, na coloração ocre da paisagem semi-árida, é a yareta. Recobrindo as rochas, esta planta almofadada e resinosa serve de combustível, comumente usado em fogões. Embora o aclive seja suave, já sinto os efeitos da altitude. Afinal, 5.000 m não são os 2.300 m de Arequipa que tiro de letra. A caminhada dura pouco mais de 1 hora e eis nós já no lugar onde vamos acampar. Situado na encosta norte do Chachani, a uma altitude de 5.157 m, o acampamento permite avistar, em todo seu esplendor, a linda face sul do vulcão Nokarane, quase inteiramente coberta de neve. Ao norte, já bem visíveis os vulcões Ampato e Sabancaya. Mais além, o Coropuna. Os guris montam as barracas enquanto dois zorrinhos, atraídos pela movimentação, surgem dentre as pedras, olhando pra nós, com ar sestroso. A coisa mais linda, ambos têm pelagem ruiva. Quando jogamos guloseimas em sua direção, largam de ser tão ariscos e se aproximam cautelosamente. Nada como a boa e velha armadilha da gula pra amansar o temor deles em relação ao bicho homem. Me esbaldo, sacando um monte de fotos e também filmando-os. Os dois são irmãos e, à tardinha, a mamãe zorra dá pinta para ver o que tá rolando com os filhotes. Como sobrou muita massa da janta (porque estava bem ruinzinha), tudo é jogado pros zorrinhos que a devoram. Digno de nota: eles não disputam o rango. Aquele que alcança primeiro a comida, come sem ser incomodado pelo outro, que se limita tão-somente em torcer pra que sobre algo. No final da tarde, a lua - falta só um tantinho pra ser cheia -  brilha lindaça num céu que lembra aquele celofane azul que envolvia antigamente as maçãs. Vejo, pela primeira vez em 9 dias na região de Arequipa, gordas nuvens atrás do Nokarane. Coisa duns 200 metros adiante do nosso acampamento, distingue-se bem o sinuoso zigue-zague que se desenha ao longo da rampa arenosa que dá acesso ao cume do Chachani. Será o que enfrentarei na madrugada....bah! Às 20 horas já estou deitada, dormindo sem muita delonga após ingerir um relaxante muscular. Acordo antes que Adrián me chame e, às 3 e 30, já estamos subindo a tal rampa que vira durante o dia. O céu está coalhado de estrelas e da lua nem sinal.  A noite ainda tem o mando de campo, hehe, o que convenhamos não dá pra ver bulhufas da paisagem. Além do mais, a concentração em caminhar exige atenção e muito esforço físico. Lá pelas 5 e 15, percebo pequeno clarão a leste. Curto muito a ambiguidade dessa hora, em que a noite hesita em ceder espaço à claridade da manhã. Apenas se percebe o suave contorno da paisagem ao redor. Numa das dobras da montanha, distingo brevemente o perfil azulado do Nokarane. Sinto muito frio nos pés e cansaço também. Paro seguidamente a fim de restaurar minhas energias. O belga segue atrás de mim e Alberto e Adrián à frente. Se não fosse a altitude, a caminhada seria tranquila porque não passa dum trilho bem demarcado na arenosa encosta norte do vulcão. Lá pelas tantas, um pequeno trecho crivado de rochas, nada contudo que exija escalaminhadas, apenas cuidado pra não se pisar em pedras soltas. Peço novamente que paremos. Tenho de descansar. Lanço, então, a pergunta que não quer calar: "quanto falta pro cume, Adrián?" Quando o guia responde 2 horas, a decisão já está tomada. Há alguns anos atrás, me esgualepava mas ia. Atualmente, quero que minhas caminhadas sejam prazerosas mesmo que tenha de sacrificar cumes. Essa pegada de parar, frequentemente, porque as forças são escassas, me deixa humilhada. Eu queria poder caminhar com relativa fluidez. Se já me sinto super cansada aos 5.750 m, onde agora me encontro, insistir em subir os 300 metros restantes até o cume vai acabar comigo. Sinto um baita alívio quando desisto de continuar. Já vinha me intimando há um bom tempo com a repetitiva ladainha de “e aí minha querida, qual é?” Quando se pensa em abortar ascensos aos cumes, bate uma nóia que a gente é fraca. Isso faz com que se fique adiando a decisão pra ver até onde se aguenta. Vá que essa procrastinação leve ao tão sonhado cume, né? Depois que voltei pra casa, comecei a fazer questionamentos tipo "por que não te esforçaste mais hein Beatriz?" Mas daí já era e se punir assim não leva a nada! Bueno, despedimo-nos de Mikael e Alberto e começamos a descida por outro caminho cuja areia bem fofa levanta nuvens de poeira, tanto que minhas botas e calças ficaram branquinhas! Quando chego ao acampamento, lá pelas 8 e 30, deito na barraca e tiro um gostoso cochilo até as 10. Em torno de 11 horas, os homens retornam do cume. Acho bem estranha a atitude do belga, o cara nem comemora o feito (e olha que foi seu 1º seis mil!), tampouco máquina levou pra tirar fotos. Quando pergunto pra ele porque não carrega uma consigo, ele responde que guarda tudo na memória. Entretanto, anota seu email em meu diário e pede que eu envie as fotos que tirei dele...pode? Já em Arequipa, sinto que realmente estou cansada porque nem sinto vontade de sair à noite pra beber um pisco sour, hehe!! O Chachani cobrou seu preço! No dia seguinte, retornando ao Brasil, enquanto sobrevoo a região de Arequipa, decido que meu próximo vulcão bem que pode ser o Misti.....afinal, ele só tem 5.800 m, hehe

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