Pretendo com este blog descrever viagens que fiz e farei por este tão lindo planeta, resgatando da memória as impressões armazenadas, algumas já esmaecidas pelo tempo, outras prudentemente registradas pelo olho mágico das lembranças fotográficas.
segunda-feira, 12 de agosto de 2013
Simbora caminhar!
Às 4 da
manhã passam no hotel e embarco numa van ainda vazia. À medida que recolhe
turistas de diversos países, em outros hotéis de Arequipa, vai ficando lotada.
Adoro quando o guia explica que se sentirmos vontade de ir al baño basta
pedir que o carro parará....na beira da estrada, hahahaha!!! Durmo
bastante e um pouco antes de passarmos pelo ponto mais alto da região, o Passo
PataPampa com seus respeitáveis 4.900 m, acordo. Entretanto, não descemos,
primeiro porque ainda está aquele lusco-fusco que antecede ao amanhecer (daí
não dá pra tirar fotos, né!) e segundo porque está muiiito frio. Adrián
aponta três vulcões que se vêem do lado esquerdo da estrada: são Ampato, Sabancaya
e Hualcahualca bastante procurados por montanhistas mais experientes (não é o
meu caso). Mais adiante, mostra-me o Mismi onde nasce o rio Amazonas. Vulcão aqui é mato! Chegamos
às 7 horas a Chivay, capital de Caylloma, uma das oito províncias do
departamento de Arequipa. Considerando sua altitude - 3.600 metros - e horário tão
matutino, faz frio pra caramba quando descemos pra desaiunar num dos restaurantes da cidade. Nas mesas, caprichosamente postas, cestas com pães frescos, achatadinhos, já que sem fermento. Manteiga,
queijo e geleias, aqui chamadas, marmeladas, deliciosas, em especial a de fresa
(morango). Simples e saboroso. Até então vínhamos trafegando por uma estrada
asfaltada. Alguns quilômetros após Chivay, o piso vira chão batido e os
dois túneis que cortam as montanhas nem revestimento têm. Gosto da sobriedade
desta paisagem, diferentíssima da luxuriante vegetação existente em grande porção do território brasileiro. Picos nevados despontam aqui e ali numa cenário cuja coloração
é dum verde-pálido. Só estranho em meio à grande quantidade de cactus, planta
nativa destes ambientes semi-áridos, a existência de eucaliptos. Árvore exótica
que é, provavelmente, deve ter sido trazida pelos conquistadores espanhóis. Nos
vales, há pequenos povoados habitados ainda por índios descendentes dos huaris,
povo pré-inca. Seguindo a milenar técnica herdada de seus antepassados, os
peruanos, irrigam seus terraços com águas desviadas dos rios para canaletas
caprichosamente construídas ao longo das plantações. Este tipo de cultivo
obedece ao critério climático: nas encostas das montanhas, cereais, nos vales,
hortaliças. No Mirador dos Condores, encontro aquele frenesi tão característico
dos points de alta demanda turística: uma multidão de criaturas falando uma
babel de línguas e disputando um lugar junto a mureta no intuito de fotografar
as imensas aves. Porém os condores não estão hoje para muita exibição, não. Os
que dão as caras são jovens e seu tamanho não se encaixa nas impressionantes
imagens anunciadas pelas agências turísticas. Da família dos abutres, são
chamados, aqui nos Andes, de basureros, ou seja, lixeiros. Graças a
esses queridos, tudo que é bicho morto é por eles devorados. Sem corpo morto,
podicre, não há fedor! Os filhotes, ao contrário dos seres humanos, adquirem
sua independência, aos 3 anos, quando são considerados definitivamente aptos a
voar. Longevos, a média de vida destes pássaros chega fácil aos 50
anos. Fico bem contente quando recomeçamos a viagem, estou na ponta dos cascos pra começar
meu trek. Por mim dispensava visita nesse lugar tão atrolhado de gente. Enfim, eis-me
em Cabanaconde, ponto de partida deste primeiro dia de pernada. Pequeno, o
pueblo, situado a 3.200 m, como é tradição nestas terras, conta com uma Plaza
de Armas em frente a qual há uma igrejinha branca cuja torre do sino não faz
parte do corpo central do edifício. Pausa pruma reflexão. Pensando bem, no
Brasil, também temos em cada cidade, seja grande, média ou pequena, uma praça
(só não recebe a denominação de Armas) com uma igreja em frente. Deve ser coisa
de países imperialistas católicos, como foram Portugal e Espanha à época. Pra
compensar a intensa atividade vulcânica, causadora de sismos, ou seja,
de tremedeira no solo, há, aleluia, muitas nascentes de águas
calientes. Empezamos o trek às 10:30 rumo a Llahuar onde
pernoitaremos. Decorrida 1 hora e 30 minutos, já nas entranhas do canyon,
começo a visualizar perfeitamente os dois paredões. Amo canyons!! Até porque um
dos meus primeiros esportes de aventura foi canyonismo, praticado nas belas gargantas do
sul catarinense. No fundão, distingo o brilho do rio, rio este que deságua
no Pacífico, distante apenas 200 e poucos quilômetros a
oeste. Na sua parte mais profunda, esta colossal garganta de 100 km de extensão
atinge 3.600 m de profundidade. Adrian explica que, nas tunas (cactus), habitat
das cochonilhas, é extraído um corante usado em alimentos, roupas e maquiagem.
Há 20 anos atrás, esse parasita enriqueceu dezenas de famílias que viviam na
região; atualmente, com a descoberta de corantes sintéticos, perdeu,
entretanto, muito de seu valor econômico. Aprendo ainda que a catuba, um
arbusto de pequeno porte, produz, pra se defender dos insetos predadores, uma
resina altamente corrosiva. Se inadvertidamente tocada, causa sérias
queimaduras. Mais adiante, meu guia aponta uma árvore esguia de galhos finos e desfolhados, de nome pichan, cujo fruto semelha-se à banana. As encostas
dos paredões são cheias de trilhas mostrando a intensa atividade entre os
vilarejos. Há lugares que não passam dum ajuntamento de 5 ou 6 casas enquanto
outros contam com 40 ou 50 residências, mais escola primária e pousadas. Tudo
duma simplicidade franciscana, é claro. Batidíssima, pois é rota frequente
entre Cabanaconde e vários vilarejos situados no interior do canyon, a trilha
não é nada dura, inobstante o desnível atinja a marca de 1.100 m.
Contudo, o aparentemente árduo descenso é facilitado, em alguns trechos,
por providenciais zigue-zagues. Basta, apenas, certo cuidado com os pedregulhos
de modo a evitar escorregões. Só está sendo mais “difícil" por causa do
calor excessivo. Também estou preocupada com o baita torrão nos meus braços...herança
do pedal de ontem em Arequipa. Tanto que fui obrigada a passar o protetor
facial na ausência do corporal, este, invariavelmente, por mim esquecido em
viagens. Atravessamos uma ponte de cimento sobre o rio Colca que liga o paredão
sudoeste ao nordeste da garganta, caminhando agora por uma estrada. Continuamos cozinhando debaixo do sol
esturricante, ingressando, graças a deus, na única zona sombreada do percurso.
Pena tenha sido no final do trek porque, pouca demora, chegamos em Llahuar.
Meu relógio Garmim, registrou 11 km feitos em 4 horas e 30. Llahuar nem pode
ser considerada uma vila, pois não passa duma pousada, pertencente a uma
família que há 12 anos resolveu investir no turismo. Com vários chalés e um
amplo refeitório construído no topo duma escarpa, as habitações são bem
rústicas mesmo: a parte inferior, construída com pedras à semelhança de nossos
muros de taipa, enquanto, na superior, utilizaram taquarinhas cujas frestas
permitem que, à noite, a luz da lua brilhe no interior dos quartos. Tudo
de bom!! De mobília, um colchão de casal disposto num leitode pedras. Como não
faz frio à noite, é total a despreocupação com a vedação das casas. Lá embaixo,
junto ao rio, três piscinas de águas calientes esperam os turistas e seus
fatigados músculos!! Um luxo este lugar!! Sua localização é estratégica, já que
se encontra justamente na confluência dos canyones Huaruro e Colca. Sendo o
canyon Huaruro, neste ponto, dotado de abundante vegetação, a pousada tem não
só uma quantidade abundante de gerâneos avermelhados como outros tipos de
plantas que lhe confere um diferencial em relação à seca paisagem no seu
entorno. Descubro, então, que o segundo rio que atravessamos se chama
Molloco ou Huaruro desaguando no Colca, bem na frente da pousada. Depois da
imersão em uma das piscinas de águas cálidas, subo a íngreme escadaria até o
restaurante. Quero escrever um pouco sobre meu dia. Vasos de garrafa pet cheio
de flores nos banheiros e sobre a grande mesa do refeitório são detalhes
requintadamente simples. Ecologicamente correta, a pousada oferece eletricidade
oriunda de painéis de energia solar. No bar, uma lousa, iluminada com luzinhas
coloridas, anuncia os preços camaradas da happy hour. Não me faço de rogada e
peço um pisco sour. Bem feitinho, considerando a falta de gelo. Isso porque a
energia elétrica gerada basta somente para lâmpadas, carregadores de máquinas
digitais e TV’s, excluindo, porém, o uso de geladeiras. À noite dá uma
refrescada. Nada contudo que um casaquinho de tecido leve não resolva. O amplo
refeitório, praticamente sem janelas, debruça-se sobre o rio Colca e o
murmúrio de suas águas é música aos meus ouvidos. Quando me retiro pro quarto, no céu,
completamente limpo, as milhares de estrelas prenunciam o belo dia que será
amanhã....podicre!
Um comentário:
Que legal essas piscinas bem ao lado do rio!
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