quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Um oásis dentro do Colca

Acordo às 7 com ruidosas rajadas de vento. Quando saio para ir ao banheiro, um pouco mais tarde, o dia está radiante, sem pinta alguma de vento. Hoje vamos à Sangalle. Normalmente, não procuro saber muito sobre meu roteiro, por isso o pouco que sei sobre essa vila é que, à semelhança de Llahuar, também oferece águas termais. Mas bah gente, levo um susto no desayuno. Nada mais nada menos que um pratão com arroz, ovo frito e 3 rodelas de tomate! Tsk tsk tsk....não rola almoçar na hora do café, hehe. Peço então pão, geleia e chá, no que sou atendida. A filha de doña Nancy se desculpa em não poder servir manteiga. Por causa dos consertos na estrada que liga Cabanaconde ao paredão sudoeste do Colca, bem no trecho em frente a Llahuar, a entrega de víveres resta interrompida, tanto que os moradores de Fure já se ressentem da falta de alguns mantimentos. Às 8 e 30, deixamos a vila. Como estamos agora caminhando no paredão leste do canyon Huaruro dá pra enxergar muito bem o trajeto que percorremos ontem na parede oeste. Passamos pelas vilas de Llatica e Toruña, encravadas no sopé da montanha. Llatica está praticamente ao nível do rio Molloco enquanto Torunã localiza-se mais acima, talvez 200 metros acima do nível do rio. Pernada sem maiores percalços, nada que demande esforço. A trilha é feita praticamente à sombra já que o sol incide somente no paredão fronteiro do Huaruro. Decorridas 2 horas, alcançamos a parede nordeste do Colca onde passamos a trilhar. No fundão do adorável canyon Huaruro, despontam alguns nevados da cordilheira Chila. Por falar em Chila, o Colca é o divisor entre esta cordilheira e a Vulcânica. Na primeira, o vulcão mais representativo é o Mismi, trombeteado pela maioria dos guias como nascedouro do rio Amazonas, quando, na verdade, seu manancial advém do nevado Quehuisha. Já a segunda cordilheira, goza de mais popularidade porque ali se situam dois vulcões muito badalados: Chachani, o maior, com 6.057 m, e Misti que resguarda um perfeito formato cônico em razão de sua “juventude” em relação aos demais. Curto pra caramba o tanto de trilhas abertas no paredão fronteiro do Colca, possíveis devido à inclinação pouco abrupta de suas paredes. Paramos no mirador Apacheta que, com seus 2.400 m, é o local mais alto da região. Adrián conta que os incas chamavam seus pontos mais altos de apachetas, costumando neles depositar folhas de coca mastigadas. Tal gesto significava abandonar ali o cansaço para prosseguir com forças renovadas o restante da jornada. A partir do mirador, a trilha termina e tem início uma estrada de chão batido, larga e plana, cujo início é em Cabanaconde com término em Malata, uma das 14 vilas existentes no canyon. Passados 40 minutos, abandonamos a estrada e enveredamos por uma trilha cujo desnível de 500 metros leva a Sangalle. No trecho inicial, peço um help a meu guia (dame tu mano, Adrián!!) porque a passada exige certo cuidado. Mesmo com medo, eu vou!! Adooooro tudo isso!! Ultrapassada a íngreme descida, desembocamos num platô onde há uma plantação de cactus. Pregados em seus caules, envelopes de papel. Intrigada, pergunto a Adrián o motivo. Fico então sabendo que são cochonilhas fêmeas ali colocadas de modo a infectar os cactus pra produzir o tal corante. Lá embaixo as piscinas esverdeadas de Sangalle convidam ao relax. Chama-me a atenção o que parece ser, à distância, um espantalho. Quando estou quase perto, o que vejo, porém, é uma cruz. Igualzinha à de Fure, também coberta com flores vermelhas. À medida que me aproximo do paredão sudoeste, mais e mais se destaca a ziguezagueante trilha que leva a Cabanaconde. Tremo só de pensar em enfrentá-la amanhã. Vai ser osso subir essa íngreme aclividade! Finalmente, eis-me em Sangalle após 11 km de tranquila caminhada! No fundão do canyon, às margens do rio Colca, o vilarejo é um oásis em meio à aridez da paisagem. Várias pousadas, todas providas com piscinas de águas termais. Contudo, a temperatura é decepcionante. Fria, nem se compara à tepidez das piscinas de Llahuar. Na pousada onde estou, sou a única coroa. Dentre os hóspedes, destacam-se dois grandes grupos de estudantes secundaristas franceses. Observo que a garotada não fala muito alto, o que acho ótimo. Tenho horror a gritaria. A maioria dos turistas, que aqui se encontra, limita-se a descer a trilha de Cabanaconde, permanecendo no balneário por um ou dois dias, com rápidas incursões a Malata e ao Mirador Apacheta. Poucos incluem Llahuar no trajeto. Embora Sangalle e Llahuar estejam a mesma altitude - 2.200 m -, aqui faz frio. À noite, durante a happy hour, conheço Bliss e Fionnuala (se pronuncia Feniula). Com meu rudimentar inglês consigo entabular uma razoável conversa e obtenho informações sobre as duas moças. A primeira, uma californiana simpaticíssima, é terapeuta e trabalha com crianças autistas. Já a segunda, irlandesa, é professora primária e mora em Londres porque não descola um bom emprego em seu país. Católica, a guria frequenta missa aos domingos e morre de saudades da família que permaneceu na Irlanda.  A irlandesinha, após o terceiro pisco sour, fala pelos cotovelos. Sinto certa dificuldade em acompanhar seu conversê, também pudera, já estou igualmente na terceira rodada, hehe.

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