Acordo
às 7 com ruidosas rajadas de vento. Quando saio para ir ao banheiro, um pouco
mais tarde, o dia está radiante, sem pinta alguma de vento. Hoje vamos à Sangalle. Normalmente, não
procuro saber muito sobre meu roteiro, por isso o pouco que sei sobre essa vila é que, à
semelhança de Llahuar, também oferece águas termais. Mas bah gente, levo um susto no desayuno.
Nada mais nada menos que
um pratão com arroz, ovo frito e 3 rodelas de tomate! Tsk tsk tsk....não rola almoçar na hora do café, hehe. Peço então pão, geleia e chá, no que sou
atendida. A filha de doña Nancy se desculpa em não poder servir manteiga. Por causa
dos consertos na estrada que liga Cabanaconde ao paredão sudoeste do Colca, bem
no trecho em frente a Llahuar, a entrega de víveres resta interrompida, tanto
que os moradores de Fure já se ressentem da falta de alguns mantimentos. Às 8 e 30, deixamos a vila. Como
estamos agora caminhando no paredão leste do canyon Huaruro dá pra enxergar muito
bem o trajeto que percorremos ontem na parede oeste. Passamos pelas vilas de
Llatica e Toruña, encravadas no sopé da montanha. Llatica está praticamente ao
nível do rio Molloco enquanto Torunã localiza-se mais acima, talvez 200 metros
acima do nível do rio. Pernada sem maiores percalços, nada que demande esforço. A trilha é feita praticamente à sombra já que o sol incide somente no paredão
fronteiro do Huaruro. Decorridas 2 horas, alcançamos a parede
nordeste do Colca onde passamos a trilhar. No fundão do adorável canyon Huaruro, despontam alguns
nevados da cordilheira Chila. Por falar em Chila, o Colca é o divisor entre esta
cordilheira e a Vulcânica. Na primeira, o vulcão mais representativo é o Mismi, trombeteado pela maioria dos guias como nascedouro do rio Amazonas, quando, na
verdade, seu manancial advém do nevado Quehuisha. Já a segunda cordilheira, goza de mais
popularidade porque ali se situam dois vulcões muito badalados: Chachani, o
maior, com 6.057 m, e Misti que resguarda um perfeito formato cônico em razão
de sua “juventude” em relação aos demais. Curto pra caramba o tanto de trilhas abertas no paredão fronteiro do Colca, possíveis
devido à inclinação pouco abrupta de suas paredes. Paramos no mirador Apacheta
que, com seus 2.400 m, é o local mais alto da região. Adrián conta que os incas
chamavam seus pontos mais altos de apachetas, costumando neles depositar folhas
de coca mastigadas. Tal gesto significava
abandonar ali o cansaço para prosseguir com
forças renovadas o restante da jornada. A partir do mirador, a trilha termina e
tem início uma estrada de chão batido, larga e plana, cujo início é
em Cabanaconde com término em Malata, uma das 14 vilas existentes no canyon. Passados
40 minutos, abandonamos a estrada e enveredamos por uma trilha cujo desnível de
500 metros leva a Sangalle. No trecho inicial, peço um help a meu guia (dame tu
mano, Adrián!!) porque a passada exige certo cuidado. Mesmo com medo, eu vou!!
Adooooro tudo isso!! Ultrapassada a íngreme descida, desembocamos num platô onde há uma
plantação de cactus. Pregados em seus caules, envelopes de papel. Intrigada, pergunto a
Adrián o motivo. Fico então sabendo que são cochonilhas fêmeas ali colocadas de
modo a infectar os cactus pra produzir o tal corante. Lá embaixo as piscinas
esverdeadas de Sangalle convidam ao relax. Chama-me a atenção o que
parece ser, à distância, um espantalho. Quando estou quase perto, o que vejo, porém, é uma cruz. Igualzinha
à de Fure, também coberta com flores vermelhas. À medida que me aproximo do paredão
sudoeste, mais e mais se destaca a ziguezagueante trilha que leva a Cabanaconde. Tremo só de pensar em enfrentá-la amanhã. Vai ser osso subir essa íngreme aclividade! Finalmente, eis-me em Sangalle após 11 km de tranquila caminhada! No fundão
do canyon, às margens do rio Colca, o vilarejo é um oásis em meio à aridez da paisagem. Várias
pousadas, todas providas com piscinas de águas termais. Contudo, a temperatura é decepcionante. Fria, nem se compara à tepidez das piscinas de Llahuar. Na pousada onde estou, sou a única coroa. Dentre
os hóspedes, destacam-se dois grandes grupos de estudantes secundaristas franceses. Observo que a garotada não fala muito alto, o que acho ótimo. Tenho horror a gritaria. A
maioria dos
turistas, que aqui se encontra, limita-se a descer a trilha de
Cabanaconde, permanecendo no balneário por um ou dois dias, com rápidas incursões a
Malata e ao Mirador Apacheta. Poucos incluem Llahuar no trajeto. Embora Sangalle
e Llahuar estejam a mesma altitude - 2.200 m -, aqui faz frio. À noite, durante
a happy hour, conheço Bliss e Fionnuala (se pronuncia Feniula). Com meu
rudimentar inglês consigo entabular uma razoável conversa e obtenho informações sobre as duas moças. A primeira,
uma californiana simpaticíssima, é terapeuta e trabalha com crianças autistas. Já
a segunda, irlandesa, é professora primária e mora em Londres porque não
descola um bom emprego em seu país. Católica, a guria frequenta missa aos
domingos e morre de saudades da família que permaneceu na Irlanda. A irlandesinha, após o terceiro pisco sour, fala pelos cotovelos. Sinto certa dificuldade em acompanhar
seu conversê, também pudera, já estou igualmente na terceira rodada, hehe.





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