Acordo
no meio da noite e penso: droga, está chovendo, sem me dar conta de que o ruído
de água que escuto é o do rio em seu interminável desfile rumo ao Pacífico.
Quando subo a íngreme e longa escadaria de pedra até o restaurante sinto que a
descida do dia anterior está cobrando seu preço. A dor nas panturrilhas e nas
coxas se faz sentir. E como! Adrián explica
que o nome dos bambuzinhos com que
são construídas as casas é carrizo. Nas cozinhas sua utilidade é providencial:
permite que a fumaça escape dentre suas frestas. Enquanto espero o desaiuno,
Saraí, a gerente da pousada, aponta o rio: que transformação!! Nem sinal da
límpida e verde correnteza de ontem. Hoje o que vejo é a feia coloração
amarronzada proveniente da explosão de rochas. Trata-se de consertos efetuados
num trecho da estrada situada no paredão em frente. Nuvens de poeira pairam no
ar. Simpática e bonita, Saraí faz questão de me pespegar uma beijoca quando
estou de partida. Observo que também procede assim com os franceses ali
hospedados. Saímos às 8 e 40 e abandonamos o Colca, começando a percorrer
as entranhas do Huaruro. Com 10 km de extensão, é uma miniatura de canyon se
comparado ao Colca. Seu rio, Molloco ou Huaruro, serpenteia veloz
entre os
paredões cobertos de verde vegetação. Percorremos uma das tantas trilhas
abertas na parede oeste. Sem qualquer nível de exigência, o único lance
perrenguento vem a ser um trecho – graças a deus, curtíssimo - obstruído por um
desmoronamento de terra. Fico com medo porque, à direita, uma baita rampa
conduz ao rio situado 200 metros abaixo. Um escorregão e adiós, señorita
Beatriz. Adrián então estende sua mão no crux da via (pra mim é claro) de modo
a que eu possa atravessá-lo em segurança. Fazer o quê, se sou cagona, né! Ele observa
que tais deslizamentos de areia e pedras têm sido causados pelo Sabancaya,
vulcão que, ultimamente, vem se mostrando deveras indócil. Um pouco antes de
chegarmos a Toruña, passa por nós um velhinho super afável, acompanhado de seu
filho. Curioso, o senhorzinho pergunta donde venho e se vou visitar a cascata
de Huaruro. Ontem
não havia viva alma na trilha, hoje, no entanto, há um certo
movimento. O que me agrada e muito. Curto demais bater papo com nativos. Ainda
há pouco, cruzamos com alguns moradores de Llatica. Buenos dias, dizem eles
amávies. Adrián comenta que estão indo pruma trilha, situada mais abaixo da
nossa, a fim de repará-la. Tudo por causa dos maledetos deslizamentos de terra
provocados pelo Sabancaya. Um pouco mais adiante, um arriero conduzindo duas
mulas, dirige-se à pousada em Llahuar. Provavelmente, pra vender produtos
agrícolas de seu sítio. Um trecho da canaleta que puxa água do rio corta a
trilha, logo desaparecendo no meio da mata onde com certeza irá irrigar as
plantações dos moradores do canyon. Um pessegueiro, à margem da estreita
estradinha, exibe um solitário cacho de flores rosadas. Lindas. Fotografo, é
claro! Embora só subida até Toruña, um ajuntamento de apenas 10 casas, o
caminho continua facinho demais. Que dia glorioso! Temperatura de 25º C e céu
imaculadamente azul. Vento? Nem sei o que é isso. Chegamos a
Llatica, essa sim,
uma vilazinha, contando inclusive com igreja e largo onde são realizadas festas
em homenagem a virgem padroeira do lugarejo. E eletricidade! Evidenciada nos
postes dispostos ao longo da rua principal. Uma rápida parada para comprar água
numa venda. Entretanto, a casa está cerrada. Adrián observa que a dona deve ter
ido para a lavoura. Pego então água da torneira que, inicialmente, se mostra
dum branco opaco, possivelmente, devido a resíduos de calcário. Pouca demora,
adquire a tão famosa transparência. Adrián conta que, quando do boom nos
preços do corante obtido dos parasitas nos cactus, a maioria dos adultos jovens
foi viver nas cidades. Nessa época, valia 100 dólares o quilo, agora não passa
de 30 dólares. Devido à grande quantidade de arbustos e árvores, esta pequena e
adorável garganta oferece bem-vindas zonas de sombra. Até Llatica, sem gozação,
é escada rolante a trilha. O enrosco começa após atravessar a ponte de cimento
que leva ao paredão leste onde há a trilha que conduz a Fure. E nas 2 horas de
pernada até esta vila, a moleza definitivamente acabou. Ainda bem que alguns
muros de taipa, delimitando as propriedades, lembram as regiões serranas do meu
Rio Grande do Sul, despertando lembranças agradáveis que me distraem da dureza
que tenho pela frente. Num trecho bem íngreme, enfrento quase uma
escalaminhada. Adoro tudo isso, hehehe. Duzentos metros antes de Fure, onde
chegamos às 13 horas, outra travessia de ponte, dessa feita, sobre um rio
praticamente seco. Dum paredão, medindo cerca de 100 m, despenca uma cascata de
águas minguadas. Fure conta também com eletricidade. Gerada, é óbvio, pela
energia fluvial. Ficamos numa pousada construída com adobe. Tudo de ruim essa
coloração acinzentada de cimento. Nem me apetece sonhar de olhos abertos neste
quarto. Num beco da vila, distante algumas dezenas de metros dos dormitórios,
está o “restaurante do albergue”. Nada mais que uma mesa com dois longos bancos
debaixo dum
alpendre, no quintal dos fundos da casa de Doña Nancy, proprietária
do estabelecimento. Caprichosa, ela veste a mesa com uma toalha amarela. Em 40
minutos, serve uma sopa de sêmola com ovos, seguida de papalisa ou olluco
(espécie de batata) misturada com palillo (semente que moída resulta num
tempero tipo colorau) mais uma porção de arroz com bucho de cordeiro. Pra
compensar as acomodações sem vestígio algum de charme, a comida é, em
disparada, bem mais saborosa que a servida em Llahuar. Após o almoço, vamos até
a cascata de Huaruro. A caminhada é basicamente subida mas nada que se compare
à que fizemos pela manhã até Fure. Localizada no fundão do canyon, explode,
duma fenda estreita cavada na rocha, a impressionante massa líquida ao longo de
170 metros do paredão oeste. À tardinha, quando retornamos ao vilarejo, sinto
frio. O desnível de 600 metros em relação à Llahuar - estamos a 2.800 metros -
ocasiona uma mudança significativa na temperatura durante a noite. Há ovelhas e
uns mandinhos brincando na rua principal.
Atendendo a meu pedido, uma
guriazinha com a boca pintada de vermelho, posa pruma foto, agarrando uma das
peludas. Adrián explica que os jovens quando terminam o primário se mandam pra
Cabanaconde, Chivay ou Arequipa, afim de terminar seus estudos. No povoado, só
ficam crianças, adultos e velhos. Hoje foi uma caminhada de respeito. De
Llahuar a Fure, o Garmim registrou 7 km em 4 horas e 10 minutos; de Fure à
cascata (ida e volta), 7 km e 400 m em 3 horas e 15 minutos. Deu pra cansar tanto
que dormi tão logo pousei a cabeça no duro travesseiro, logo após a janta. Nem
bem 21 horas e eu já aconchegada nos braços de Morfeu.....hehehe.







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Lindo!
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