sábado, 7 de março de 2009

Sábado de sol em Porvenir

Embora sejam 7 da matina, acordo super animada. Afinal, hoje vou conhecer Porvenir, capital da ilha da Terra do Fogo, localizada na região pertencente ao Chile. A outra parte da ilha é argentina. Pego um táxi e me mando pro cais Três Puentes onde deverei pegar o ferry boat. O grande barco é muito confortável. Há televisores de tela plana, mesas, poltronas e um bar onde vendem snacks e sanduíches, além de diversos tipos de café. Partimos às 9 horas. Uma pena que regresse a Punta Arenas às 13 horas. O dia está lindo. Céu azul quase sem nuvens. Temperatura fria, embora suportável, tanto que permaneço durante quase toda a travessia do estreito de Magalhães no tombadilho superior. Minha atenção é atraída por um lindo arco-íris pairando sobre as águas do estreito. Um homem, que lá se encontra, me indica a outra ponta do arco colorido, e assim, começamos a conversar. É vendedor de jóias, tem 49 anos. Depois de alguns insucessos amorosos e profissionais, está se reinventando. Chega à conclusão de que sua vida de caixeiro-viajante lhe proporciona uma liberdade de ação que não desfrutara antes. Não nos desgrudamos mais e quando chegamos a Porvenir, pegamos o microônibus que nos levará à cidade, distante 8 km do cais. O pequeno povoado foi o primeiro assentamento humano na ilha. No final do século XIX e início do XX, houve o surgimento duma febre de ouro. Tal atividade aurífera, infelizmente, não foi expressiva o suficiente de modo a fazer milionários os empreendedores. Dessa forma, retomaram sua antiga vocação de criadores de ovelhas. Descemos do ônibus em frente à praça principal e enquanto decidimos que rumo tomar, avisto a jovem taiwanesa, a quem eu já vira no ferry, parada um pouco mais adiante, consultando um mapa. Convido-a se juntar a nós. E assim entramos os três no Museo Provincial Fernando Cordero Rusque. Não dá pra demorar muito porque só temos uma hora para percorrer a cidade já que o ônibus retorna ao cais às 12:30. Como é um pequeno museu, não há muito a ser visto, a não ser que nos quedássemos conversando com o gentil administrador. Mesmo assim, a uma considerável distância, porque seu poderoso mau hálito é insuportável. O povoado lembra uma cidade fantasma. Um que outro vivente e alguns carros transitam pelas ruas. Os restaurantes todos cerrados, e isso que hoje é sábado. O que será domingo aqui, então?! À medida que nos aproximamos duma outra praça onde há estátuas de tótens e de tribos indígenas, que habitaram a região em tempos longínquos, vislumbram-se as águas azuis do estreito. Gaivotas, grasnando, voam aos bandos enquanto aves aquáticas nadam próximas à praia. O dia continua luminoso demais! Retornamos ao barco e, já íntimos os três, sentamos juntos a uma mesa. Jose, vulgo Pepe, a quem acrescentei o Legal, me faz rir freqüentemente. A taiwanesa, cujo nome não consegui entender, como toda oriental é mais na dela. Fala quando lhe dirigem a palavra. Mesmo assim é uma pessoa agradável. Conta-me que trabalhou de intérprete de mandarim (fala fluentemente o espanhol) numa empresa americana, na cidade do México, durante cinco anos. Agora, desfruta três meses de férias na América do Sul. Parte pra Natales ainda hoje. Chegamos a Punta Arenas às 15:30. Pepe e eu, já amicíssimos, vamos caminhando até a Zona Franca onde percorremos algumas lojas. Pegamos um táxi pra voltar à cidade, cuja passagem custa a bagatela de 350 pesos. Ao contrário dos demais, este recolhe outros passageiros, por isso é muito mais barato. Nada como andar com um nativo pra aprender as barbadas dos lugares, não é mesmo? Estou faminta porque, exceto dois copos de mocaccino e umas batatas fritas, nada mais comera. Os restaurantes encontram-se fechados. Também, pudera, são 18 horas. Entramos numa confeitaria e peço uma promoção: dois choripanes (pão redondo de massinha, recheado com maionese e pasta de choriço) com café. O petisco não é lá grande coisa, porém minha fome não permite caprichos de gourmet. Combinamos, então, Pepe Legal e eu, de jantarmos mais tarde. Deixo-o em seu hostal, e vou ao Terra Sur, tomar banho e ver se Rodrigo aparecera por lá. Às 20:30, sem sinal de Rodrigo, vou buscar Pepe. Escolho o restaurante La Luna. Por incrível que pareça, conheço mais de restaurantes em Punta Arenas que Pepe...pode? Bebemos um pisco sour e escolho de entrada calamares al ajio. De prato principal, centojas al parmesan, uma delícia. E uma garrafa de um bom tinto pra regar tão boa refeição. Terminado o jantar, Pepe convida-me para ir a um pub. Recuso, estou deveras cansada. Ele insiste, junta as mãos, como numa prece, e promete “una sola cerveza”. Irredutível, digo não mais uma vez. Ele, muito cavalheiro, acompanha-me até o hostal. Quando estamos atravessando a Cristobal Cólon, escuto uma buzina. Olho e vejo quem?!! Rodrigo e um amigo, o René. Rodrigo diz que já estivera no hostal duas vezes. É claro que entro no carro. E convido Pepe, por supuesto. O plano é comemorar minha partida, bebendo um vinhozito. Como nada é convencional em se tratando de Rodrigo, pensam que ele nos leva a um bar? Que nada! Compra vinho e cerveja num armazém, e recolhe, pra tanto, dinheiro de nós. Hahahaha, esse Rodrigo!! Muito simpático, René, um publicitário, convida-nos pra ir até sua casa onde mora com a mulher e três filhos (o mais moço com um mês de vida). Percebendo que eu estranho de ver um dos filhos - um garoto de 5 anos - ainda de pé, ativíssimo, embora já passe há muito da meia-noite, explica, com seu jeito tranqüilo, que permite aos filhos ficarem acordados até tarde, porque, segundo ele, assim dormem toda manhã, já que o horário da escola é à tarde. Sua mulher aparece pra conversar. Pergunto se estava dando de mamar pro bebê. “Bien capaz, jamás he amamentado mis hijos”, responde com ar meio aborrecido. Embora o astral legal, estou sentindo um sono invencível. Peço, então, a Rodrigo pra irmos embora. Afinal já são quase duas da manhã. Despedimo-nos da agradável família e embarcamos na estilosa caminhonete Chevrolet 77, ao som dum cd de Silvio Rodriguez, cantante chileno. E assim vamos rodando pelas ruas de Punta Arenas, cuja madrugada exibe uma lua, quase cheia, amarelada, e um céu estrelado. Pepe, no banco traseiro, canta, de olhos fechados as músicas. Rodrigo, subitamente, pára o carro em frente a uma casa, e acompanha com sua harmônica uma canção de Leon Gieco, outro cantor chileno, que agora toca no cd player, a todo volume. Permanece, assim, uns bons cinco minutos. Pergunto-me se não será a casa da ex-mulher. Pode bem estar fazendo uma serenata na tentativa de reconquistá-la, penso cá com meus botões, intrigada. Quando questionado por mim, sua resposta é desconcertante: a música é em homenagem a um cachorro muito estranho que ali mora. E acrescenta: “percibiste que el perro no ladró?” Esse Rodrigo é uma parada!! E assim termina meu último dia neste país do qual tanto gosto, desfrutando a companhia desses dois amigos chilenos tão encantadores!

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