quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Espanha: Tui

Convido Enrique, o peregrino mexicano, também hospedado no hostal, pra dar um rolê em Tui. Ele aceita prontamente e lá nos tocamos pra margem direita do rio Minho onde se localiza aquela cidade espanhola. Saimos pela porta da Gaviarra, empunhando, prevenidamente, eu, um guarda-chuva, ele, a capa de plástico de peregrino. A travessia entre Valença e Tui pode ser feita pela antiga ponte de ferro onde transitam veículos e pedestres ou pela moderna ponte ferro-rodoviária. Escolhemos a de ferro por ser mais interessante com sua estrutura metálica que lembra uma comprida gaiola. Quando chegamos no início da ponte, começa a chover às ganhas. Ainda tentamos avançar, pero se torna impossível continuar tamanho o volume de água que desaba sobre nós. Damos meia-volta, ambos frustrados, fazer o quê, né? Pois quando estamos nos aproximando da porta da Gaviarra, para de chover e uma réstea de sol  aparece no ceu! Olho pra Enrique e digo "vamos voltar!". Ele fica, assim, meio indeciso porém diante de meu tom enfático, me segue e mais uma vez rumamos em direção à ponte. O rio Minho exibe na margem esquerda, a portuguesa, árvores com folhas de uma tonalidade lindamente amarelada. Da ponte, já dá pra observar o contorno da enorme catedral espanhola pois se ergue sobre uma colina. Ao chegar a Tui, uma placa azul indica Espanha, outra a Comunidade de Galícia e a terceira que esta é a província de Pontevedra. Portanto, já estamos pisando em terras de Espanha...olé!! Seguimos por uma rua paralela ao rio e a imponente e maciça catedral torna-se mais e mais avistável. Fácil de achar o centro histórico, basta seguir rumo às torres do templo católico. Aliás, torres de igrejas são uma bússola pois, geralmente, são edificadas a boa altura pra que o bimbalhar dos sinos se faça ecoar claramente ao redor. A origem de Tui remonta a tempos romanos, demonstrando, assim, o poderio e alcance daquele império. A partir da catedral amuralhada, a cidade cresceu, tornando-se um centro cultural, econômico e militar. Suas ruas, como todas as cidades medievais, seguem traçados sinuosos e estreitos, um dos motivos por que foi declarada conjunto histórico-artístico. Conta, entre seu patrimônio arquitetônico, além da catedral de Santa Maria em estilo românico-gótico, com outras igrejas. Destaco apenas a de San Francisco, porque foi a única onde entrei. O belo templo neoclássico surpreende por lindas estátuas de santos que adornam nichos espalhados pelas naves laterais. Tui, assim, como Valença, conta com uma pequena população em torno de 18 mil habitantes. Como venho a descobrir, estou numa zona que faz parte do traçado do Caminho Português da peregrinação a Santiago de Compostela. E Tui vem a ser um dos pontos de partida desta rota já que a distância até Santiago de Compostela perfaz apenas 120 km, ao contrário se o ponto de partida for Lisboa (600 km) ou Porto (280 km). Ideal pra quem não quer ou não pode demorar muito em chegar à Santiago. Embora o Caminho Português seja a segunda rota mais popular para Santiago de Compostela, continua a ser relativamente pouco concorrido. Pra receber a Compostela, o documento que atesta que você fez a peregrinação, tem de ter andado o mínimo de 100 km. Existem várias rotas para Santiago de Compostela, mas as mais conhecidas e percorridas são o Caminho Francês (o mais famoso e lindo, saindo da França), o Caminho Português, o Caminho do Norte (pela costa norte da Espanha), o Caminho Primitivo (o mais antigo, saindo de Oviedo), o Caminho Inglês, a rota marítimo-fluvial e a Via de la Plata (do sul ao norte da Espanha, é o mais longo). Cada um oferece paisagens e desafios diferentes, mas todos levam ao mesmo destino: a Catedral de Santiago. Depois dessa enxurrada de infos históricas, vamos às minhas impressões pessoais sobre Tui. Pouco me agrada o centro histórico, pesado, em especial, a catedral, construída como uma fortaleza, que intimida e não acolhe como as igrejas em Valença. Batemos um pouco de pernas pelas ruelas atravessando passagens cobertas que desembocam em outras ruazinhas onde se tem, aí, sim, a bela visão do rio Minho. Vamos conferir o restaurante que Ernan indicara ontem à noite. Chegamos casualmente ao Viejo Caballo Furado cujo amplo salão é bem simples. Semelhante a muitos restaurantes europeus, oferece menu do dia que consiste numa entrada, prato principal, sobremesa e bebida. Escolho de entrada "boquerones en vinagre" e de prato principal "merluza la plancha", de sobremesa "tarta de santiago" e um tinto pra acompanhar a refeição. A garçonete demonstra má vontade ao explicar, quando indagada, em que consistem certos pratos, como se eu tivesse a obrigação de saber a sua composição. Só demonstra simpatia ao trazer a conta. Não dou gorjeta pra rapariga! Após o almoço, vamos a cata duma loja China pra eu comprar uma usb pro meu carregador de celular pois esquecera a minha em Aveiro. Acho caro e retomamos a caminhada de retorno a Valença, eu mais Enrique. Pois não é que a chuva retorna com certa intensidade?! Ao passar por uma loja, tipo armarinho, vejo penduradas na porta as tais capas de plástico usadas pelos peregrinos. Entro e compro uma azul, cor do meu Grêmio. Como vou ficar mais alguns dias viajando e o tempo só promete chuva, preferível ter, além de guarda-chuva, uma capa que melhor protege da chuva. Enquanto atravessamos a ponte, retornando a Valença, abaixo, no rio, dois remadores conduzem seus caiaques acompanhados por um barco....devem estar treinando. Adios, Tui!!

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Portugal: Valença

Pesquisando roteiros pra continuar minhas andanças pela península ibérica, me interesso pela Galícia, não especificamente pela galega Santiago de Compostela, destino final dos peregrinos, pero pela localização daquela comunidade autônoma espanhola à beira do Atlântico. Deve, por isso, oferecer variedades de pratos à base de frutos do mar que curto à beça. Como Valença fica fronteiriça à Espanha, a poucos kms de Vigo, parto de Aveiro rumo ao norte. Decorridas quase 4 horas de viagem de bus, tendo visto de revesgueio Porto e Viana do Castelo, chego a Valença ou Valença do Minho. A histórica cidade, fincada no norte de Portugal, tem apenas 16 mil habitantes. Saio da estação de camionagem e sigo o google maps que indica estar meu hostal a 2 km de distância. Não tenho a mínima ideia do que irei encontrar, apenas sei que o hostal fica próximo à cidade histórica. Sigo firme e forte seguindo a orientação da bússola digital, atravesso um parque onde numa das várias bolas coloridas dispostas ao longo do caminho, lê-se a inscrição "Pedras no Caminho" (deve ser referência à peregrinação). De repente, eis-me na frente duma muralha que antecede outra muralha onde uma baita porta encimada por um brasão desemboca numa praça cujo chão está f0rrado das folhas caídas das árvores... afinal, estamos em pleno outono. No lado direito, a capela de São Sebastião. Estou boba de tão feliz!! Uma cidade histórica super preservada com uma muralha a guardá-la por inteiro!! Não são só ruínas daquela época medieval!! Mas todo um magnífico conjunto arquitetônico datado de séculos atrás! Continuo caminhando pelo que parece ser a rua principal, com lojas de roupas em ambos os lados das 2 calçadas. Num largo, a igreja de São Teotônio, padroeiro da cidade, rodeada por restaurantes. Meu hostal, um prédio antigo, construído em granito, fica numa viela perpendicular à principal. Pra entrar, o dono envia um código que digito no porteiro eletrônico e a porta se abre com um clique. Muito tri o hostal, parece casa de vó, super aconchegante. No 1° piso, sala e cozinha, tudo novo e bem equipado. No aparador de madeira, produtos para o desjejum estão à mostra, juntamente com louças, talheres, cafeteira e torradeira. Chocolates, vinhos e cervejas estão à venda. Sofá e poltronas num canto da sala além de enfeites nas paredes e sobre prateleiras. Um ambiente colorido e moderno num prédio que deve ter, sei lá, centenas de anos. No piso superior, um quarto com 5 beliches e 2 banheiros. No piso térreo, outro quarto com mais 5 beliches e 2 banheiros. O dono, argentino de Buenos Aires, radicado há muitos anos em Tui, pede que a gente não suba de sapatos pros dormitórios. Homem agradável, falante como um bom hermano que é. Guardo minha mochila no armário que fica no 1° piso e trato de explorar a cidadela. Famosa por suas impressionantes muralhas medievais que protegem um centro antigo rico em história, comércio e arquitetura, Valença situa-se na margem esquerda do Rio Minho, baliza geográfica entre Portugal e Espanha. O acesso pode ser feito a pé à espanhola Tui, bastando cruzar o Rio Minho pela ponte de ferro. Ao longo da rua principal, muitas lojas vendendo roupas de cama, banho e infantis além de artesanatos em palha e cerâmica. A maioria dos prédios antigos foram recuperados, incluido aí o do hostel onde estou hospedada. Só quero conhecer de Valença seu centro histórico e mais não me interessa porque a cidade me pareceu desinteressante durante o trajeto que fiz da estação de camionagem ao centro histórico. Tenho um mundo a explorar, a começar pelas estreitas ruelas assim construídas pra dificultar a passagem dos exércitos inimigos. Naquela época, Portugal e Espanha estavam divididas em reinos que viviam peleando entre si. Daí as cidades serem fortificadas. A maioria foi destruída, contudo esta se manteve intacta...aleluia!! Os seus 5 km de muralhas, que remontam ao século XVII, formam um complexo militar formado por expressiva rede de baluartes e de áreas que se comunicam entre si por meio de fossos, pontes e passagens inferiores, exibindo ainda bastiões e guaritas. Todo o conjunto permitia uma grande área de visibilidade e de fogo, constituindo-se assim uma “obra maior” da história militar portuguesa. A fortaleza divide-se em duas áreas interligadas pela denominada Porta do Meio. A área norte, chamada Magistral, envolve o núcleo medieval da vila e a área sul, menor e mais aberta, com função meramente militar, denomina-se “Coroada”, dá vista para o rio Minho e Tui. Há várias portas como a da Coroada, a do Sol, a da Vila, a da Gaviarra, a da Cadeia. Atravesso algumas delas e me delicio ao passear por seus corredores escuros desembocando em áreas claras como num passe de mágica. Ao ver a famosa concha dos peregrinos insculpida no chão da rua principal, diante da Porta do Meio, cai a ficha que Valença faz parte da rota portuguesa do Caminho de Santiago de Compostela, atraindo centenas de peregrinos. Aliás, conheço dois, um mexicano, pessoa agradável e de fácil trato, o outro, argentino também de Buenos Aires, é um tipinho arrogante que resolve implicar comigo. Por eu ser mulher, por ser brasileira? Ou pelos dois? Volta e meia faz questão de frisar que não entende nada do que eu falo em português. Comenta o boçal que também não entende o falatório da sua mulher, uma portuguesa, daí os 2 se comunicarem em inglês. Se diz professor de inglês mas não sabe o significado de bulwark (nome do hostal) tampouco de trendmill. Pode um profe de inglês ignorar o significado dessas 2 palavras no idioma de Shakespeare? Eu hein? Ronca que nem uma serra a noite toda, tanto que o mexicano na primeira noite me confessa que mal pode dormir por causa dele. Eu, na segunda noite, mesmo curtindo uma série na Netflix com meus fones de ouvidos, custo a pegar no sono por causa do roncador!! Fico 2 dias na cidade, um pouco porque chove e não adianta seguir viagem já que em toda a região o mesmo acontece, outro porque estou adorando a cidade e o hostal. Ah, a única coisa boa que deu pra aproveitar do argentino pelotudo foi que fico sabendo que há mais de 20 caminhos de peregrinação a Santiago de Compostela. Pela primeira vez, me interesso em fazer umas das caminhadas. No primeiro dia na vila, apenas passo pela frente da pequena e atraente capela do Bom Jesus, entretanto entro não só na igreja Matriz de Santo Estevão como na de Santa Maria dos Anjos que remonta ao século XIII. Bem preservado o marco miliário, construído pelos romanos e datado do século I DC, indicava a distância entre cidades. Na rua principal, uma das tantas lojas de roupas chama atenção pela sua fachada adornada com ricos azulejos: é a Casa Azul. Vagueio a esmo e numa das andanças, entro num bar e peço uma taça de vinho, sendo atendida pelo simpático garçon colombiano. Como tem gente deste país aqui em Portugal! Amanhã, se o tempo permitir, vou conhecer Tui e já tenho dica dum restaurante que me foi dado pelo Ernan, dono do hostal. 

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Portugal: Aveiro

Nesta época do ano, tem de se consultar a meteorologia no planejamento das viagens. É o que faço. Constato que na segunda haverá bom tempo pra ir a Aveiro. A trip dura 2 horas e do outro lado da estação de camionagem, chama atenção a linda estação de trem com fachada branca, retratando em azulejos cenas da vida marítima. Localizada na região central de Portugal, com cerca de 70 mil habitantes, Aveiro é um importante centro urbano, portuário, ferroviário, universitário e turístico. A caminho do hostal, uma linda casa branca em estilo art nouveau se destaca: é uma pastelaria (confeitaria pra nós brasileiros). Apesar de ser 10 horas, entro e peço 2 ovos moles de aveiro acompanhados por um cafezinho que serve pra rebater o dulçor da iguaria. Este doce foi criado nos conventos femininos de Aveiro. A proximidade do mar inspiraram as freiras a criar uma crosta de massa de hóstia em forma de conchas, búzios, peixes ou amêijoas preenchidos com creme de gema de ovo. É de comer rezando, literalmente, de tão bom. Desde a Idade Média, Aveiro esteve sempre ligada ao comércio do mar, à pesca e à produção de sal porque se situa junto à Ria de Aveiro, braço de mar que penetrou na foz do Rio Vouga, misturando-se assim as águas salgadas do Atlântico às águas doces oriundas de vários rios que desaguam nesse rio. Reservo um dia apenas pra ficar na cidade, então faço um roteiro enxuto e adequados aos meus interesses: passear de moliceiro pelos canais, conhecer a Praia da Barra e a Costa Nova pois, pelo que li, o centro histórico não apresenta grandes destaques.O hostal, super bem localizado, está a uma quadra do canal central. Como falta um par de horas pro check in, deixo a mochila na recepção e vou dar uma banda pelos arredores. A dois passos do hostal, se encontra os Jardins do Rossio onde sobressai gigantesco letreiro AVEIRO feito em pedra imitando azulejos. Fincadas sobre pilares, numa das pontes sobre o canal, 2 estátuas retratam as atividades praticadas pelas salineiras e marnotos, mulheres e homens que trabalharam, em tempos idos, nas salinas. Passo ao largo delas porque, nesta época do ano, os terrenos se encontram alagadas, somente no verão, os montículos esbranquiçados de sal dão o ar da graça. Dezenas de assanhadas gaivotas voam graciosamente sobre o canal Central. Atracados nas docas, os tradicionais e coloridos barcos de madeira, com suas proas e popas alongadas, eram usados antigamente para coletar moliços (algas). Atualmente, os moliceiros são a principal atração turística da cidade, oferecendo passeios pelos canais da Ria de Aveiro, daí a cidade ser considerada a "Veneza portuguesa". Embarco num, defronte ao mercado do Peixe, e percorro durante 45 minutos os 5 canais urbanos da ria. O primeiro a ser percorrido é o Central onde se pode curtir os belos prédios em art nouveau, construídos no passeio diante do canal, sobressaindo o Museu de Arte Nova. O simpático guia vai descrevendo os pontos de interesse turístico e contando estórias sobre a cidade. Na proa, um roliço marinheiro dirige o barco, fazendo soar um apito a cada vez que se dobra num canal de modo a avisar aos outros moliceiros de sua entrada. Quando atravessamos o canal de São Roque, no bairro da Beira-Mar, além das casas usadas como armazéns de sal, muitas delas hoje transformadas em restaurantes, passamos ainda sob 2 pontes, a do Laço e dos Carcavelos, destacando-se contudo a dos Laços de Amizade, no canal do Cojo, onde milhares de fitas coloridas enroladas no gradeamento metálico dão um toque vivaz à ponte. Ao término da navegação pelos canais, vou a uma agência de aluguel de bikes. Embora eu possa alugar gratuitamente uma buga - bicicletas de utilização gratuita disponibilizadas pela Câmara Municipal de Aveiro -, prefiro alugar uma elétrica pra ir à Costa Nova porque será mais rápido pedalar este tipo de bike e já são 13 horas. No início, pedalo meio canhestramente porque é a primeira vez que ando numa bike elétrica mas logo logo já a estou dominando e adorando conduzi-la. Enquanto pedalo, vejo na laguna, patos e garças, ao longe a serra do Caramulo. A primeira parada é na Costa Nova, conhecida por seus palheiros, as casas cujas fachadas são pintadas com listras verticais em amarelo, verde, azul e vermelho com pequenos jardins protegidos por cercas de madeira coloridas diante de cada uma. Eram as antigas casas de pescadores onde eles guardavam as redes e materiais de pesca. Suponho que sua pintura era uma maneira de destacá-las aos olhos de quem vinha do mar. Num das casas, afixado ao muro uma carta assinada por Eça de Queiroz, datada de julho de 1853, destaca que "...E eu considero a Costa Nova um dos mais deliciosos pontos do globo. É verdade que estavamos lá em grande alegria e no excelente palheiro de José Estevão.". Depois do almoço, continuo a pedalada e passo por dunas que antecedem a chegada à Barra onde se encontra o mais alto farol do país. Pintado de listras brancas e vermelhas, ele se encontra no meio da larga faixa de areia da praia, diante de vários edifícios. No verão, a Barra deve ficar apinhada de veranistas. Bom que eu vim no outono onde se avista pouca gente...aleluia!! De volta ao centro da cidade, entrego a bicicleta e ando a esmo chegando à praça da República. Calçada com pedras formando desenhos circulares brancos e azuis, destaca-se o prédio da Câmara Municipal de Aveiro que exibe no topo de seu pórtico uma torre com sino e logo abaixo um gigantesco relógio. Na mesma praça, a igreja da Misericórdia cuja fachada é toda revestida de azulejos. Do outro lado do canal Central, num pequeno largo, a fumacinha cinzenta que sai da chaminé do carrinho vermelho das castanhas, indica que elas estão sendo assadas. E por fim, ainda conheço a Igreja de Nossa Sra. da Apresentação cujo atrativo são 2 enormes paineis em azulejo, representando cenas religiosas, que ladeiam a porta entrada. Antes de retornar ao hostel, passo por uma sorveteria e ali me delicio com o melhor sorvete da viagem. Numa casquinha crocante, 2 generosas bolas, uma de chocolate com amêndoas, a outra de creme ao vinho do porto...uma delícia!!

domingo, 2 de novembro de 2025

Portugal: Passadiços do Mondego

Tem chovido a semana toda, temperada ainda com vento e neblina. Há que se ter paciência pra fazer os Passadiços do Mondego, pernada que tomo ciência através de meu compadre Jean. Aproveitando uma trégua no mau tempo do outono, domingo, me mando pra lá. Os Passadiços (integrados ao Parque Natural da Serra da Estrela e ao Estrela Geopark Mundial da UNESCO) são um percurso pedestre na Serra da Estrela com cerca de 12 km, que acompanha o leito do Rio Mondego, entre a Barragem do Caldeirão e a aldeia de Videmonte, no concelho da Guarda. O trajeto pode ser feito nos dois sentidos: Barragem do Caldeirão para Videmonte ou vice-versa. Se for feito na totalidade, demora entre 3 a 5 horas, consoante o ritmo e o número de paragens porque há miradouros e vilas ao longo do percurso. O grau de dificuldade "moderado", se deve à elevada quantidade de escadas. Como alternativa, é possível fazer parte do percurso através de um ponto de entrada/saída que existe em Vila Soeiro, tornando a pernada bem mais curta. Escolho pra começar a caminhada a Barragem do Caldeirão. Como inexiste condução pública, contrato um táxi que cobra 30 euros ida e volta (dá em torno de R$ 200,00). Considerando que o acompanhamento de guias é dispensável, tô no lucro. A barragem situa-se na ribeira do Caldeirão pra onde foram desviadas as águas do rio Mondego, visando a construção o abastecimento de água e produção de energia elétrica para a região da Guarda. Na entrada, num stand de madeira, uma senhora confere no meu celular o ticket que havia sido previamente comprado no site dos Passadiços a 2 euros (em torno de R$ 13,00). Já de cara fico embasbacada com as bem construídas escadarias em madeira numa estupenda obra de engenharia. O trajeto acompanha o rio Mondego e com desnível acumulado em torno de 600 m, tem 7 km de escadas e pontes suspensas intercalado por 5 km de trilhas já existentes, atravessando bosques de pinheiros, azevinhos, azinheiras, freixos e castanheiros, exibindo ainda açudes, cascatas, moinhos, engenhos e usinas hidroelétricas. A maior cascata dos Passadiços, conhecida como cascata Rosa, com 50 metros de altura e um grande poço que convida a um mergulho no verão, pode ser vista do mirante da Ribeira do Caldeirão. Nesta época do ano, vê-se o chão coalhado de castanhas, motivo por que é comum ver as pessoas portando cesto e sacos pra colher as frutas nas aldeias da região. Geralmente assadas na brasa, e, se acompanhadas, por um tinto sabem melhores ainda! Os passadiços passam pelas aldeias de serra de Pêro Soares, Mizarela, Soeiro, Trinta e Videmonte. Escolho conhecer Soeiro e Trinta mas nesta última fui dissuadida de entrar por causa dum cachorrão que latia e me lançava olhares furiosos. Como estou sozinha, prefiro não arriscar, vá que o animal se solte e avance em mim...hein!! Numa curva da estradinha, a pequena capela de Nosso Senhor da Piedade, próxima à ponte da Mizarela. Feita em granito com arcos arredondados de sustentação, a ponte conduz à margem direita do Mondego. Um pouco antes de chegar no entroncamento que precede à entrada em Pero Soares, algumas casas exibem, em seus quintais, pés de macieiras verdes e vermelhas enquanto em outros há parreirais carregadinhos de uvas pretas. Opto por não entrar em Pero Soares até porque a placa indica que a vila está a 800 metros. Assim, continuo a trilhar os passadiços curtindo o contorno suave das serras. Após 2 km de pernada, vejo a placa indicando Soeiro a 500 metros e encontro uma aldeia mimosa com casas de xisto e granito e estreitas ruas em S. As oliveiras carregadinhas de azeitonas abundam no caminho que conduz à vila. Retorno à trilha principal avistando, infelizmente, ruínas de antigos lanifícios - aqui conhecidos como engenhos, como o da Fábrica Nova, construído em 1935, que ainda exibe a enorme roda de ferro que movia os teares, a Fábrica Velha, o Engenho da Canada, Engenho Grande e do Pateiro, onde se fabricavam os afamados cobertores de papa. Aproveitando as águas do Mondego, em suas margens foram construídas usinas hidroelétricas, destacando-se a do Pateiro, a terceira do país a fornecer eletricidade à cidade da Guarda, no final do século XIX. Agora o barulhinho bom do Mondego faz coro ao ruído de minhas pisadas acrescido do chilrear do passaredo. Volto mais uma vez a pisar nas passarelas. Ao redor, as serranias arredondadas da serra da Estrela exibem ora a rocha exposta ora recoberta por uma película de cobertura vegetal. O ceu agora azul quase sem nuvens. Quando iniciei a pernada, ainda havia pequenos focos de cerração pairando sobre os vales. Ao longo do percurso há banheiros públicos (com papel higiênico, eba!) e pontos de wifi. Aliás, só compra cartão de internet na Europa quem trabalha ou é adicto como eu, porque até em pontos de ônibus rola wifi. Poucas pessoas cruzam por mim, o que me agrada, porque embora seja, aparentemente, sociável, sou um tantinho misantropa...contradições de personalidade...fazer o quê, né? Pontes de arame sobre o rio Mondego levam o caminhante a trocar da margem esquerda pra direita e vice-versa. Que eu lembre, passo por 3 pontes de arame bem firmes sobre o Mondego. Por atravessar relevo acidentado, exibe o rio curso d'água ora tranquilo ora agitado devido a quedas d'água em seu leito. Fixadas nos corrimãos, placas amarelas metálicas indicam a quilometragem percorrida pelo caminhante. Ao atravessar um bosque de castanheiros, avisto uma tabuleta pendurada numa árvore indicando a venda de mel. Desço até a vendinha e bato um papo com o dono das colmeias, o apicultor Rui. Compro mel pra Bibi, que gosta de comê-lo até puro, e pólen, que vou levar pro Brasil. A parte final da pernada, que conduz à aldeia de Videmonte, é bem dura porque os degraus são a perder de vista, não acabam nunca....eita! Um pouco antes de eu começar a árdua subida, encontro uma senhorinha muito simpática que está a vender marmelada. Muito contente quando sabe que tenho a mesma idade dela, 72 anos. Conta orgulhosa que já fez 2 vezes os passadiços! Acabo comprando um potinho deste doce, convencida por sua lábia de boa e persistente vendedora. Restam vestígios super antigos duma calçada romana e duma ponte medieval entre Pêro Soares e Mizarela. Na reta final da caminhada, construídos na margem direita dum afluente do Mondego, o Ribeiro dos Moinhos (lindas suas quedas d'água), vêem-se vestígios de moinhos que serviam pra moer os cereais utilizados na feitura do pão. Aliás, em Videmonte, anualmente, realiza-se no início de agosto, o Festival Pão Nosso, que celebra as tradições rurais e o centeio, recriando o ciclo completo da produção do pão, desde o corte do cereal até à cozedura, com degustação de pão de centeio, bola de carne, música, danças e atividades que envolvem os visitantes, homenageando os antepassados e a identidade agrícola da região. Ao término da caminhada, tenho de andar mais um pouco até Videmonte onde combinei de o táxi me buscar. Ao longo da rua principal, curto as casas feitas de xisto, a tradicional fonte e sua bica mais a igreja matriz em estilo barroco. Como é domingo, só resta aberto o restaurante da Associação Cultural e Social da cidade. Peço uma bifana (vem a ser sanduíche de bife de carne suína servido no pão), acompanhada dum copito de vinho tinto. Sentada no terraço, a temperatura de final de tarde está amena, curto ao longe os passadiços. Aos poucos, os clientes vão aparecendo pra beber um vinhote, jogar damas ou conversa fora. Estou em paz...fecho de ouro prum dia tão especial!

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Portugal: Viseu

Eu sou apaixonada pela Idade Média e onde há cidades históricas com arquitetura remanescente dessa época, quero conhecê-las, motivo por que compro uma passagem no app da rede Expressos, que sai bem mais em conta se for adquirida nas estações de camionagens (as rodoviárias portuguesas), e vou conhecer Viseu, distante da Guarda 50 minutos. Ao longo da excelente autopista, aparecem ao longe vilas como Figueiró da Granja, Mangualde e o contorno das serranias, relevo predominante na região. Com 103 mil habitantes, é bem maior que a Guarda, situando-se também na região do centro de Portugal. Envolvida por um sistema montanhoso, destaca-se a serra do Caramulo. Em seu centro histórico, bem preservado, avultam, no Largo da Sé, o museu nacional Grão Vasco,  a Igreja da Misericórdia, em estilo barroco, datada do século XVIII, com seu lindo órgão de tubos, e a Catedral da Sé que começou a tomar forma no século XII, inicialmente, em estilo românico. Ao longo dos séculos ganhou o acréscimo de acentos gótico e barroco, percebidos estes nas ricas obras de talha e pintura no retábulo-mor e nos azulejos do claustro. Ao lado da Igreja da Misericórdia, a linda fonte das 3 Bicas, em estilo rococó, foi ponto de encontro das pessoas que ali acorriam pra saciar a sede ou trocar um dedo de prosa. Descendo a rua lateral, que corre ao lado da Misericórdia, encontra-se a linda capela N. Sra dos Remédios, em cujo pórtico de entrada foi lavrada a seguinte inscrição: "Esta capella he do povo que se fez a custa das esmolas dos devotos Anno de 1742". Na frente da capela, outra fonte mais modesta com uma bica apenas. Mais adiante, a porta do Soar, remanescência da antiga muralha que servia de proteção à cidade. Caminhando a esmo pelas ruas sinuosas, encontro outra capela, a de São Sebastião. E conversando com meus botões, manifesto cansaço daquele entra e sai de igrejas e de tanto fazer os 3 pedidos, tradição esta católica, a cada visita a uma igreja nova. Resta esgotado meu repertório de quereres! Ao chegar a Viseu o tempo, se mostra nublado, caindo uma garoa que molha as ruas, o que me leva a comprar um guarda-chuva numa das centenas de lojas chinesas espalhadas não só por Portugal como pela Espanha, o que pude constatar quando lá estive. Uma delícia percorrer as sinuosas ruas e se deparar com casas de três pisos, aos meus olhos, encantadoras com seus balcões enfeitados com vasos floridos. No centro da cidade, o Rossio exibe um grande painel de azulejo com cenas da vida campestre no muro de suporte da rua superior. No largo, onde está instalada a Câmara Municipal, uma quantidade expressiva de plátanos e tílias serve de proteção natural não só ao sol veranil como às chuvas que já estão dando as caras. Do outro lado da rua, na praça  que circunda vários edifícios antigos, destaca-se o da Santa Casa de Misericórdia e os bem cuidados canteiros floridos embora já se esteja no outono. Aliás, o tanto de floreiras espalhadas pelas cidades portuguesas e espanholas constitui-se numa explosão de cores nas ruas. Na parte nova da cidade, predominam confortáveis residências com jardins bem cuidados e pomares exibindo as frutas da estação: maçãs, marmelos e caqui, aqui chamados dióspiro. Ao contrário da manhã, o azul começa a romper o predomínio cinzento no ceu. Como eu já comprara a passagem de volta pra Guarda e o bus parte às 16, trato de procurar um restaurante pra almoçar. Encontro um chamado Casa da Vó, e escolho polvo grelhado; pra beber Alvarinho, casta de vinho branco, típica da península ibérica. O polvo, infelizmente, um tantinho duro, as batatas e os legumes, entretanto, saborosos. Pra minha alegria, descubro que um dos garçons é nepalês - saudades deste país e seu sorridente e amável povo! - e o que me serve, um simpático colombiano com quem troco ideias sobre seu país. A caminho da estação de camionagem, paro numa confeitaria, compro, além de doces, que como no balcão acompanhados por um cafezinho, uma bandeja com mais guloseimas pra Bibi e Jean (Mariatu não é muito fã de doces, tampouco de vinho e de queijo....essa comadre é enjoada pra comer, eita). A caminho da Guarda, já sentada no confortável busão que tem apoio pros pés (todos têm wifi e entrada de usb pra carregar os celulares), curto a paisagem que se desenrola diante de meus olhos. Tô muito contente com o bate-e-volta a Viseu, embora tenha sido breve. Minha curiosidade sobre a cidade, que já tinha chamado minha atenção quando por ali passei vinda do Porto, foi satisfeita. E ainda chego a tempo de pegar Bibi no colégio.....uuuhuuu!! Tô chegando querida!!

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Portugal: Guarda

Super saudosa de Mariatu e Bibi, minha afilhada, decido ir a Portugal pra comemorar o niver de 6 anos da pequena. Como Mariatu mora na Guarda, compro o voo Brasília-Porto, já que a distância entre as cidades é de apenas 220 km. Com conexão em Lisboa, os trâmites de entrada na União Europeia são ali feitos. Decorrida quase uma hora na fila e já aflita pois a hora de embarque do voo ao Porto é iminente, resolvo falar com um funcionário da TAP pra que ele me dê preferência na fila de obtenção do visto. Qual não foi minha surpresa quando a funcionária pergunta se tenho uma carta-convite da minha amiga para visitá-la. Depois de algum conversê, tento argumentar que não tenho e nem pretendo morar no país. E ela, sem dó algum, lasca "muita gente da sua idade vem cá tentar a morar". Quando vou mostrar a passagem de volta, ela resolve carimbar o passaporte e deixar eu passar....filha duma égua!! Suando frio com medo de perder o voo, corro pelos corredores do aeroporto - por sinal bem mal sinalizado - e chego a tempo no portão de embarque graças ao atraso da aeronave....dessa feita, bendito atraso!! Orientada por Mariatu, quando chego no Porto, pego um autobus que demora 3 horas e meia até a Guarda. Vou curtindo a paisagem e as diversas cidades que se localizam ao longo das ótimas rodovias. Solange, amiga de Mariatu, também guinense, me espera na estação de camionagem (rodoviária) e carrega, gentilmente, minha malinha minion. Atualmente, viajo na tarifa básica que inclui a tal mala de 10 kg mais uma mochila de 2 kg. Bom demais encontrar minha comadre que carrega, no colo, Gaudencio, seu bebezinho de 2 meses e meio. Fez pra me esperar bacalhau à Gomes de Sá e pergunta se quero vinho branco ou tinto, sabedora de como gosto desta bebida. Pensou em tudo a querida comadre. Bibi está no colégio e lá vamos nós buscá-la. Ela fica radiante quando me vê, abraços e beijos são trocados com ardor. Todo o tempo que passei na Guarda, busco Bibi no colégio à tardinha (o ensino no país é em tempo integral) e sempre ela me presenteia com desenhos que faz durante a aula. No dia do niver de Bibi (o nome dela é Beatriz, em minha homenagem, mas eu a chamo de Bibi porque me soa estranho chamá-la por meu nome), vamos ao cinema ver um desenho animado, regado a pipocas e refri no shopping La Vie, o único da cidade. Ela faz 6 anos!! Santo deus, como o tempo passa rápido! Lembro bem do dia em que ela nasceu: seu gritero poderoso ao ser retirada do útero materno ecoava pelo corredor da maternidade do Hospital Femina. Agora está uma menina alta, magra, falante, esperta, alegre e agitada. Carinhosa me acorda com beijinhos e me chama de Dinda Bibi. A festa, entretanto, é comemorado no sábado, e seu pai, Jean, vem comprando bebidas e comida já faz alguns dias para oferecer aos convidados. Na sexta, quando ele chega do serviço, fica na cozinha preparando as carnes com ajuda de Solange e Mariatu. Ele gosta de cozinhar e faz ranguinhos saborosos. Minha ajuda se limita a encher minha taça e o copo de Jean de vinho. Ambos gostamos dum vinhote, pois pois. Vamos deitar passada 1/2 noite e durante a manhã de sábado até a hora da festa, marcada pras 16 horas, o movimento na cozinha é intenso, com Jean assando carnes e galinhas. Guinenses sabem fazer uma festa!! O niver é um sucesso com a presença de amigos do casal, todos da comunidade guinense. Bibi vestida de princesa brincou com os amiguinhos e ganhou muiitooos presentes, abertos na manhã de domingo. Durante a primeira semana na Guarda, houve uma reunião muito agradável com 3 amigas de Mariatu: Laída, a + velha, 42 anos, Solange, estudante, e Sonia, dona de salão de beleza cuja especialidade é fazer tranças com cabelo artificial ou humano, estilo preferido das africanas. O gritero explode qdo começamos a falar sobre sexo. Há uma pequena catarse, especialmente, com Laída, presa aos dogmas sombrios do catolicismo. Bom extravasar sensações reprimidas hein!! Lá pelas tantas desandam a falar criolo, uma mistura de português e idiomas africanos. Intuo que conversam, principalmente, a respeito de seus homens, aconselhando-se umas as outras, em segundo lugar, o papo é sobre filhos. Bueno, a Guarda, fundada em 1199, fica na encosta da serra da Estrela, fincada a 1.056 m de altitude, daí ser a cidade mais alta de Portugal. Cheia de altos e baixos exige muito das pernas ao caminhar e as dos ciclistas ao pedalar. Num de meus passeios, venho a conhecer o Parque da Saúde, complexo hospitalar rodeado por um jardim imenso onde abundam árvores como cipestres, pinheiros, castanheiras e sequoias. Construído no início do século passado, o antigo sanatório Souza Martins visava o tratamento da tuberculose porque, à época, acreditava-se que a altitude ajudava a curar tal doença. Restam, uma pena, apenas ruínas de alguns pavilhões. Abriga ainda o parque a sede da primeira rádio portuguesa, a rádio Altitude. Na entrada, à direita um magnífico fontanário em estilo barroco. Atualmente, houve o acréscimo de esculturas modernas espalhadas entre as árvores. A Guarda, como toda cidade da Idade Média, era murada visando assim se proteger do ataque dos inimigos. Para entrar na cidadela havia 5 portas, restando nos dias de hoje apenas 3: a do Sol, del Rei e da Erva. Bem cuidada, a Guarda tem um centro histórico com prédios bem conservados, destacando-se a Catedral da Sé, as Torres de Menagem e dos Ferreiros, além das estreitas ruelas sinuosas onde o sol mal penetra, exibindo casas feitas com granito, material abundante na região. Trato de conhecer a catedral da Sé, em estilo gótico, e "escalo" a tortuosa e íngreme escada que conduz aos seus terraços donde se pode admirar os campos ao redor da cidade. A seguir dou um pulinho até a Torre de Menagem, prédio quadradão que se destaca não pelo estilo arquitetônico mas por estar encarapitado no alto duma colina. Por acaso, descubro um atalho onde são cultivadas hortas comunitárias com suas reluzentes hortaliças. Sentar ao final da caminhada no modesto Café Tasca, na praça Luís de Camões, defronte à Sé, pra tomar um café ou uma taça de vinho, curtindo a fachada em tromp l'oeil duma casa abandonada ou observando as variações de cenário que o ceu exibe, ora espessamente nublado, ora com rasgos dum azul anil preenchido por fofas nuvens brancas...que espetáculo! A cada dia conheço outros lugares na cidade velha ou histórica da Guarda: porta Del Rei e judiaria, bairro onde os judeus se instalaram, fugindo da perseguição que sofreram no reino de Castela, na Idade Média. Apesar do intermitente chuvisco temperado com friaca, percorro as ruelas estreitas e sinuosas que revelam detalhes deliciosos a cada dobra de esquina: as casas construídas em granito, o bimbalhar dos sinos das igrejas da Misericórdia, esta em lindo estilo barroco, e de São Vicente, o muro coberto de hera ou a maçaneta em formato de mão, além do salão de sinuca invarialvelmente fechado. Não canso de bater perna pela Guarda! A cada dia um novo detalhe encanta meus olhos: o canteiro florido e a macieira carregada de frutas na praça, o pátio interno da diocese, a fachada em azulejos da mercearia, um ângulo diferente da torre de Menagem e as várias faces da catedral da Sé! Desde que cheguei, dia 9 de outubro, o clima tem estado super ameno prum outono europeu já que o país está a viver o chamado "verão de São Martinho". No domingo, 20 de outubro, o tempo muda, a temperatura desce, chuvas temperadas com vento e espesso nevoeiro inauguram vigorosamente a entrada do outono. Adios, veranico...q peninha, estava tão gostoso o calorzinho!! Ao redor da cidade, usinas de torres eólicas giram conforme a força do vento e, à noite, as luzes vermelhas denunciam sua colorida existência. No domingo passado, houve eleições municipais, e nos cartazes espalhados pelas ruas e avenidas, a presença feminina era minguadíssima. Aqui, como no Brasil, a eterna luta entre a esquerda e a direita, sendo que esta tem como bandeira o enrijecimento das leis migratórias, onda que vem se alastrando pela Europa. A população da cidade está em torno de 40 mil habitantes, destacando-se a presença de africanos, especialmente, os pertencentes às antigas colônias portuguesas, daí a presença de tantos guinenses da Guiné Bissau. Como diz Mariatu, os portugueses se dão o direito de migrarem pra outros países da comunidade europeia, como Suiça e Alemanha, em busca de melhores salários que os pagos em Portugal. Juntam uma boa grana e retornam ao país investindo em imóveis, garantindo, assim, uma velhice confortável. Contudo, se aborrecem que nós, africanos, venhamos pra cá, visando o mesmo, comenta ela. Pois é....2 pesos e 2 medidas para situações semelhante!

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Palmas, um pomar a ceu aberto

Como vim parar nesta cidade tão distante de onde nasci e vivi? Foi a gana de conhecer lugares e sotaques bem diferentes dos do sul maravilha onde passei 68 anos de minha vida, pois embora idosa o espírito aventureiro ainda vive neste corpitcho. Mas não foi só isso, não, juntamente com meu filho, construímos o BeeCool, pousada e restobar, tornando-me, portanto, empresária, o que não deixa de ser uma baita aventura, em se tratando deste Brasil com seus entraves burocráticos e tributos mis. Situada no Tocantins, norte do país, Palmas se espalha entre a margem direita do lago Tocantins - o que lhe dá leve semelhança com Porto Alegre e seu Guaíba - e a serra do Lageado que, ao cair da tarde, exibe trechos avermelhados de seus paredões areníticos avivados pela luz do sol poente. Vim aqui terminar meus dias e não digo isso em tom lamentoso mas com uma baita certeza de que a vida obedece ao princípio da impermanência, portanto... c’est la mort après la vie...fazer o quê, né? Inexiste recurso contra essa fatalidade biológica. Basta de filosofices, voltemos à cidade. Seu clima tropical tem duas estações bem definidas: a seca e a chuvosa pero sempre caliente. Na época da seca ou verão, o céu é invariavelmente azul, salvo quando flocos de nuvens brancas aqui e acolá o salpicam de branco. As árvores já floridas anunciam o nascimento das frutas típicas do cerrado como pequis, cajus, mangas, atas e outras mais que crescem a la vonté pelas ruas. Eu me delicio e as colho nas pedaladas pela cidade. Flamboyants e favas de bolota pontilham com suas flores vermelhas os galhos das árvores. Esta última, árvore símbolo do Tocantins, lembra uma gigantesca árvore de natal. Contudo, as queimadas grassam no final desta estação deixando um rastro de fuligem no ar, embaçando e poluindo a atmosfera com suas colunas de fumaça acinzentadas. Na época da chuva, o céu inconstante, ora se mostra candidamente azulado, ora toldado por nuvens escuras, escutando-se ao longe o rimbombar dos trovões prenunciado as intensas chuvas de monções que alagam a cidade. Entretanto, são breves. Florzinhas amarelas e rosas nascem nos canteiros gramados das rotatórias, diversas delas caprichosamente decoradas como a do relógio e a do terço. Suas amplas avenidas, divididas por canteiros, têm 2 pistas, cada uma com 3 faixas. As rotatórias substituem os cruzamentos com semáforos, salvo a Joaquim Teotônio Segurado que conta com tais dispositivos. As ruas são apelidadas de quadras seguidas dum numeral com a direção norte ou sul, por exemplo, 104 norte, alameda X, lote y (indicativo do número da casa) já que a cidade é dividida em região norte e sul tendo como divisor a praça dos Girassóis onde fica o centro geodésico do país. A cidade, conforme plano urbanístico municipal, preserva capões de cerrado o que lhe confere um quê de “selvagem”. Muito jovem, 33 aninhos, algumas de suas ruas ainda são de chão batido. A maioria das edificações são casas, geralmente de um pavimento, e os edifícios concentram-se na orla do rio e no centro da cidade. A feijoada, curtida tradicionalmente nos sábados, chambari e buchada são constantes nos cardápios dos restaurantes populares, geralmente instalados em quiosques, mesas ao ar livre, dispostas sob frondosas mangueiras. A cena musical da cidade é bem eclética: passa pelo pagode e chorinho, engrenando no sertanejo e resvalando no rock and roll e música eletrônica. Dois são os parques principais, o Cesamar e o dos Povos Indígenas. O primeiro possui, além, dum grande lago rodeado de pista asfaltada pra caminhadas, trilhas de chão batido que rasgam a densa mata de cerrado. A chance de se deparar com animais silvestres é grande. Eu mesma já vi tatu bola, macaco prego, veados, tartarugas e dezenas de aves ruidosas. Há restaurante, parquinho infantil, pista de skate e muro de escalada. À tardinha, armam-se barraquinhas, vendendo quitutes. O segundo é menor porém muito agradável. No Natal, a avenida Joaquim Teotônio Segurado é enfeitada com luzes coloridas e o espaço do Centro Cultural exibe diversas esculturas natalinas feericamente iluminadas. Um espetáculo que encanta tanto adultos quanto crianças. Poucas pessoas são vistas transitando pelas calçadas pois as temperaturas elevadas desanimam qualquer tentativa nesse sentido. Como diz o palmense: um sol pra cada cidadão! Em compensação, pedalar é uma beleza porque há calçadas largas com faixas tanto pros ciclistas quanto pros pedestres. Há 2 feiras, uma na 304 sul, outra na 307 norte. A primeira ocupa um espaço bem amplo, com bancas ao ar livre e cobertas. Super sortida, vende desde o clássico pastel a comidas paraenses como os tradicionais maniçoba e tacacá, funcionando desde manhã cedo até tarde da noite. Já a segunda, mais modesta, termina no fim da tarde. Mas há outras feiras como a do Bosque, aos domingos, com expositores de artesanato e venda de comidas típicas. Na beira das calçadas, destaque para os milhos assados em toneis metálicos, vendidos à tardinha. O pessoal se vira pra ganhar a vida! Palmas conta com 5 praias à beira do lago Tocantins: Graciosa, Prata, Caju, Buritis e das Arnos. Como há piranhas perto da margem, redes de proteção foram instaladas pra proteção dos banhistas. Nos restaurantes, você pode comer um prato de tucunaré acompanhado de batatas fritas, arroz, farofa, vinagrete e pirão. Prefiro a praia de Luzimangues, do outro lado rio onde se chega percorrendo os 8 km da ponte FHC. Lá não há registro de piranhas. No entorno da cidade, na encosta da serra do Lajeado, há boas trilhas tanto pra quem gosta de caminhar quanto pros bikers e pra galera barulhenta do motocross. Conheço a do mirante do Limpão (ali perto recomendo o quiosque do Baiano cuja comida podrão vale a pena experimentar) e a da Tartaruga, ambos trajetos em torno de 7 km ida e volta, donde se tem uma visão tanto da serra do Carmo quanto do lago Tocantins. Os pores do sol nesses sítios, em especial no verão, são espetaculares. Outra boa opção de passeio é subir até Taquaraçu, distrito de Palmas, distante 30 km onde há diversas cachoeiras boas pra se banhar. De quebra, Taquaruçu vale a visita com seus restaurantes e casinhas coloridas e uma praça onde nas datas oficiais há comemorações como um consagrado festival gastronômico em cujos pratos típicos são utilizados como ingredientes frutos do cerrado. Riscando o ceu em pares, as araras são aves onipresentes no cotidiano da cidade encontrando abrigo ora nos galhos das árvores ora nos troncos ocos das palmeiras. Já as corujas merecem cuidados especiais, sendo-lhes reservadas, nas rotatórias, pequenas casinhas de madeira visando sua proteção. A população de Palmas, acolhedora, usa expressões peculiares como “simbora banhar mais eu”, “a bicha é dura”, "mal triscou" ou “vou dar uma pisa nele”. Palmas dos ventos intensos, do sol estridente que agonia os viventes, das secas prolongadas e das violentas chuvas de monção é 8 ou 80. Não tem meio termo, revelando o rosto dum Brasil mestiço onde os caras pálidas são exceção!