sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Sob um céu de verão

Durmo dum tiro só. Acordo feliz da vida sabendo que estou fora de casa justo pra fazer algo que adoro: caminhar, caminhar e caminhar no meio da natureza, distante, graças a deus, bem longe, graças a deus, dos efeitos mefíticos da poluição que zomba das grandes cidades, em especial, a sonora que me põe quase maluca. Coisa boa, já fiz outra amiga na cidade, além de Moi! Estou assim assim com Josenilda, vulgo Ninha, recepcionista na Pousada Rio de Contas, onde estou hospedada. Prestativa, a imponente morena descolara, ontem à tarde, um técnico em informática pro meu netbook que estava dando pau. E enquanto me encontrava no quarto, num liga-desliga o maldito computador, trouxe a querida um café quentinho e fresco! Justamente é Ninha quem bate à porta de meu quarto pra avisar que Ed já se encontra a minha espera na recepção. Vou ao seu encontro, pronta pra ser guiada no que promete ser uma caminhada leve pela parte da manhã: percorrer os 6 km da Estrada Real que une Rio de Contas a Livramento. Construída no século XVIII, com o objetivo de transportar ouro de Jacobina, cidade baiana, ao porto de Paraty, no Rio de Janeiro, esta via calçada com pedras encontra-se super bem conservada até os dias de hoje. Ed aproveita e revela uma indiscrição histórica sobre Luiz Carlos Prestes e seus 700 seguidores, ocorrida no início do século passado. Ao longo de dois anos de andanças, com o objetivo de angariar apoio popular contra as forças oligárquicas do então presidente Artur Bernardes, os rebeldes decidiram se aquerenciar durante três dias em Rio de Contas. Famintos, exigiram toda sorte de alimentos que a população pudesse lhes fornecer. Saíram de Rio de Contas com as panças cheias, ao passo que aos moradores só restou escutar o ronco de suas barrigas vazias de fome. Por isso, riocontense algum guarda boa recordação da passagem da Coluna Prestes pela cidade. Desviamos um tanto da estrada e embarafustamos por uma trilha que desce à Cachu do Raposo, pequena queda d’água escondida no meio dum verdejante bosque. Cenário devidamente admirado, reencetamos a caminhada ao longo da estrada Real. Ed aponta algumas árvores que só conhecia de nome, como um lindo juazeiro e diversos pés de juremeiras cujas flores brancas, delicadíssimas, lembram pompons. Consigo então desfrutar dois outros ângulos da cachoeira do Brumado - o superior e o lateral - que forma ao longo de seus 100 metros 4 vertiginosos saltos. Uma delícia avistar mais uma vez o pequeno e verdejante vale do Tombadoro confinado entre as encostas da serra de mesmo nome. Livramento, distante tão-somente 12 km de Rio de Contas, jaz aos pés da Serra das Almas, à semelhança duma cidade de brinquedo, esparramada no vale do Brumado. Quando chegamos ao asfalto, pegamos carona com um colega de colégio de meu guia até a pousada onde ele deixara o carro. Passamos rapidamente por Rio de Contas pra eu beber uma água de côco, seguindo então pra Comunidade de Mato Grosso, fundada por portugueses, em 1718, com o objetivo de explorar as jazidas de auríferos existentes na região. Aos negros, a quem cabia tal extração, era proibido que lá pernoitassem. Cansados, depois dum dia de dura labuta, os coitados eram obrigados a baixar pros quilombos da Barra e do Bananal, distantes uma dezena de quilômetros da comunidade. A estrada de chão batido, em alguns trechos, exibe o solo coberto duma areia branquinha que dá gosto de ver. Em Mato Grosso, uma variedade coloridíssima de flores, plantadas diante das modestas residências, enche os olhos de quem passa pela rua principal! As rosas parecem repolhos tão grandes são suas pétalas! Almoço na casa de Dª Gerolinda cujo destaque nos diversos pratos servidos fica por conta dum suculento refogado de abóbora. Tiro até uma soneca deitada no sofá da sala tão à vontade me sinto! O difícil foi levantar e continuar o passeio. Mas enfim, espanto a modorra e entro na velha Rural de Ed pra conhecer o Mirante Bitencourt de onde se tem uma panorâmica da região, avistando-se os Picos do Itobira e do Barbado, a serra do Molhado e também a da Tromba. O forte da Comunidade de Mato Grosso atualmente são as plantações de café. Aliás, o cafezal está branquinho, branquinho porque os pés da apreciada bebida estão lindamente floridos. Na volta, paramos na ponte do Coronel, onde escorre o já familiar rio Brumado. Lugar lindo pra tomar banho, seus amplos lajedos em ambas as margens convidam ao descanso. Diversos poços onde o mergulho é inevitável, além de pequenas corredeiras e suas providenciais jacuzis cuja função massageante, sempre bem-vinda, ajuda a relaxar a musculatura cansada após uma dura caminhada sob o forte sol do verão. Encerrando o dia, visita aos Quilombos da Barra, fundado em 1687, e do Bananal, onde moram remanescentes de antigos escravos que fugiram dum navio negreiro após um levante nas costas de Itacaré. Navegando em canoas improvisadas, subiram o rio de Contas até enveredar num de seus afluentes, o rio de Contas Pequeno, antiga denominação do rio Brumado, aportando enfim, aqui, no sul da Chapada Diamantina. Após o passeio, banho tomado, voo pra cafeteria de Moi que encontro charlando com duas amigas. Na véspera, soubera eu da existência dum tal de bolo de arroz com côco, motivo porque as três me levam até a casa do responsável por fazer esta e outras iguarias, conhecido como Toinho dos Bolos. O simpático negão recusa-se a receber o dinheiro que lhe entrego, de modo que saio de sua casa, não de mãos abanando, mas levando uma generosa fatia do famoso quitute! De volta à cafeteria, enquanto bato um dedo de prosa com Moi, curto as pedras do calçamento se tornarem mais e mais luzidias à medida que a garoa as cobre mansamente. Adorável Rio de Contas!

Um comentário:

Miriam Chaudon disse...

Quantas pernadas em lugares encantadores Bea!!! Quanta fotografia bonita! Levante as mãos para o céu e agradeça por esta vida minha amiga!!!