quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Arredores de Rio de Contas

Obrigada a tirar umas férias em dezembro, fiquei desorientada já que nem bem chegara do Butão tinha de dar trato às bolas, pensando em nova viagem. Influenciada por alguns amigos, cogitei o Equador com seus fumegantes vulcões mas desisti. Muito caro pruma solitária viajante após a dispendiosa viagem à Ásia. Foi aí que lembrei de Rio de Contas e do Pico das Almas, lugares que atraíram minha atenção quando estivera eu conhecendo o norte do Parque Nacional da Chapada Diamantina em junho de 2006. Por esse motivo, estou eu agora aterrissando em Vitória da Conquista, a terceira maior cidade da Bahia, num vôo que durou tanto quanto os transcontinentais. Como o ônibus pra Rio de Contas já partira e o próximo só amanhã, negocio um táxi com o Paulinho, um simpático motora que se prontifica a me levar a Rio de Contas. E lá vamos nós cada um feliz por diferentes motivos. Eu porque vou conhecer mais um pouco de meu país, ele porque está faturando uma graninha legal com a corrida de 210 km. A única coisa que sei da pequena cidade pra onde estou indo é que se situa na Chapada Diamantina, fora já dos limites do parque nacional, porém dentro do Polígono das Secas. E que tem diminuta população, pouco mais de 13 mil habitantes, além duma altitude elevada pros padrões brasileiros, já que situada a 1.100 m acima do nível do mar. Paulinho não mete mais que 100 km/h. Pena, pois a rodovia, um retão asfaltado em bom estado de conservação e com pouco tráfego, convida a afundar o pé no acelerador. Atravessamos Brumado, importante pólo de mineração, adequadamente sustentado com uma estrutura rodo-ferroviária. Plantações de mangas em ambos os lados da estrada perfilam-se corretamente alinhadas por centenas e centenas de hectares. Jogando conversa fora com Paulinho nem sinto os 60 km que levam a Livramento de Nossa Senhora. Perco o fôlego, deslumbrada com a cachoeira do Brumado, espumando sua branca e espumante correnteza pelos paredões verticais da soberba Serra das Almas. Com esse estado de espírito, entro em Rio de Contas. E o que vejo parece saído duma canção do Chico Buarque: pessoas sentadas na soleira das portas curtem o frescor da tarde que está findando. Minha pousada, um casarão antigo outrora pertencente a uma família tradicional da cidade, exibe jarros de sempre vivas espalhados em suas três amplas salas. Gosto de cara do lugar que me servirá de lar durante quatro dias. Entro no quarto apenas pra largar minha bagagem. Ávida, trato de dar uma vista d’olhos no sossego das ruas onde os coloridos casarios antigos são a regra. Esfomeada, entro numa pizzaria onde traço uma pizza pequena que sacia de sobra minha fome. Caminho na praça feericamente iluminada, pronta pra festejar o Natal. Músicas natalinas em arranjos modernos vibram no ar, irradiadas por alto-falantes. Os casarões no entorno da praça exibem portas e janelas enfeitadas com pisca-pisca brancos, vermelhos, verdes e azuis. Ao lado do antigo presídio da cidade, hoje transformado em Fórum, homens jogam damas em mesas de cimentos. Sentadas em bancos dispostos ao redor da praça, pessoas, que se conhecem, provavelmente, desde a infância, conversam com aquela voz lânguida de baiano, imune, aparentemente, à ansiedade. Diante da Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento, alguns velhos sentados diante dos portais deixam o olhar vagar além dos morros que circundam a cidade. Sinto-me em casa! Tão cansada da viagem que adormeço com o livro na barriga e os óculos na ponta do nariz. Acordo assim! Edwilson, meu guia, proprietário da agência Ecotrilhas, especializada em turismo de aventura (http://www.chapadatur.com.br/), vem me buscar prum curto passeio de bate e volta ao balneário onde fica a cachoeira do Fraga. Freqüentada tanto por riocontenses quanto pelo povo de Livramento de Nossa Senhora, situa-se 12 km serra das Almas abaixo. Saímos do perímetro urbano e pegamos uma estradinha de chão batido que conduz à margem esquerda do rio Brumado. Ed, conhecido na cidade como Lé, embarafusta por uma trilha até chegar ao Caldeirão, uma pequena e nervosa queda d'água. Continuamos o passeio percorrendo sempre a margem esquerda do rio onde após uns 40 minutos alcançamos o ponto onde se localiza a cachoeira do Fraga. Assim chamada, a queda d’água deve seu nome graças à desinibição de turistas que tratavam de se pôr tão à vontade quanto Eva antes de dar a fatídica mordida na maldita (?) maçã. Tudo pra deleite dos olhos masculinos que tivessem a sorte de lá se encontrar. Meu olhar, entretanto, mira um morro cuja trilha bem demarcada conduz ao topo. Excitada, pergunto pro Ed se dá pra gente subir até lá. O baiano, um mulato bonachão de 33 anos, nem pisca. Percorrendo uma ponte cambaleante de madeira semi adernada no leito do rio, atravessamos pra margem direita do Brumado, pegando a trilha que leva ao Morro da Torre onde se ergue uma grande antena de telefonia móvel. Demora duas horas o cascudo ascenso. Com o sol na moleira, eu, na metade do caminho, meio que me arrependo da idéia que tive de encarar o tal morrão. Mas não dou o braço a torcer e marcho atrás de Ed, descansando apenas quando paro pra fotografar algumas flores de invulgar beleza. À medida que ascendemos, descortino a larga superfície aquosa da barragem do rio Brumado, o centro histórico de Rio de Contas e de seus bairros Vermelhão e Sossego bem com a serra do Tombadoro onde, confinado entre suas encostas, repousa o verdejante e pequeno vale de mesmo nome. Já no topo do morro, destaca-se ao sul a cidade de Livramento, construída no entorno da belíssima Serra das Almas, onde avultam os dois cumes do Pico das Almas. Ao norte, mal se divisando, a forma pontuda do Pico do Itobira. Desço do Morro da Torre a milhão, feliz da vida, só parando no barzinho do balneário, sedenta por água gelada que entorno de glute glute. Após um mergulho no poço da cachoeira do Fraga, voltamos pra cidade. Almoço no Frango Assado, sentada a uma mesa, abrigada da canícula sob a copa frondosa duma mangueira. Provo um comercial com tantos pratos que alimentariam com folga mais duas pessoas. A caminho da pousada, conheço Mariá, de apelido Moi, dona da Cafeteria Nosso Lar. Segurando um bordado, me aborda enquanto fotografo flores de quaresmeira em frente a sua casa. E sem mais aquela me leva até seu jardim onde se misturam a flores naturais plantas artificiais!! À tardinha, Ed me leva prum city tour. Até uma Lira dos Artistas a cidade tem! O centro histórico, onde estou hospedada, exibe um bem cuidado conjunto arquitetônico colonial datado dos séculos XVII e XVIII, motivo por que foi tombado. Exceto os prédios públicos, feitos com pedra, o resto das construções foi contruída com adobe. À noite, visito a Cafeteria Nosso Lar e lá sou envolvida pela habilíssima comerciante que é Moi. Com seu jeito afável de dona de casa oferecendo quitutes a seus hóspedes, ela vai vendendo seus produtos sem que o sujeito se dê conta. Sutil vendedora esta mulher! É assim que provo uma cachaça assaz boa produzida num dos vários alambiques existentes na região. E Moi enche uma cumbuca com sequilhos salgados feitos em forno a lenha, de nome avoador. Difícil parar de comê-los! Após 4 doses de pinga, me despeço, dando por encerrada a noite. Basta atravessar a rua e logo estou na pousada!

2 comentários:

Larissa disse...

Pô Bea que coincidência...não sabia que tinhas retornado agora tão recente a Chapada...agora que estou vendo seu post que me liguei. Já estas de volta? bjos! Lara

Miriam Chaudon disse...

Bea, como você escreve bem! Envolvente este seu relato.
Fico aqui , nessa fronteira "caliente" que você recém esteve conhecendo, imaginando se um dia eu farei parte de algum relato seu por ter me aventurado em sua companhia em alguma de suas belas e animadas viagens por esse mundão de Deus!!!