sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Portais do Guariba

Comentam meus companheiros enquanto tomamos café que a chuva se manteve firme e forte durante toda a noite. Andre por exemplo, não pregou olho, observando o nível da água do rio Pati, enquanto Carolita, coitada, se cagou de medo observando os poderosos relâmpagos rasgarem de branco a escuridão noturna. Deve ter sido um espetáculo. E eu não ouvi e nem vi nada....merda!!! Dormi que nem uma pedra. Tri de bom o café da manhã feito por nosso mestre-cuca Dmitri: mingau de aveia, salada de frutas, mel, queijo, bolo, granola, capucino e chá de abacaxi. Ala putcha, vou acabar saindo com uns quilos a mais dessa pernada. Conversando com o caçulo do grupo, Vini, saco, inobstante sua tenra idade – apenas 25 aninhos – uma genuína preocupação com seu crescimento espiritual. Tranqüilo, percebo só agora, conversando com ele, que seus olhos são azuis. Nuvens encobrem o paredão oeste deste que, decididamente, é um canyon – modesto – pero canyon do Pati. O rio, com águas tranqüilas até ontem, hoje se apresenta agitado, escorrendo nervosamente por entre as pedras que recobrem seu leito. Tanto assim que o poço, diante da toca do Paredão, exibe não mais sua habitual coloração escura e sim uma espuma branca, resultado de tanta turbulência. Após uma caminhada pela margem direita do Pati, coisa duma hora e 30 minutos, lutando contra os detestáveis tamboris, arbustos que se embaraçam no cabelo e nas cordinhas das mochilas, fazemos uma parada porque não dá pra resistir a um refrescante tchimbum. E nos jogamos felizes da vida num poço onde jorram as águas duma minicascatinha. Espuma amarelada flutua na superfície d'água à semelhança de merengue caramelado. Dois enormes blocos de rocha caídos dentro do rio represam a água que escorre com força pelo brete rochoso. Calhandras brancas dão um toque alvo entre as pedras escurecidas pelo limo. O dia amanheceu e permanece nublado salvo por alguns claros azulados no céu que, infelizmente, duram pouco. Ao longo das margens, espessa vegetação, característica de mata ciliar. Em certos trechos, os altos paredões do canyon se estreitam de modo a transmitir certa sensação de confinamento. É tudo tão grandioso que meu coração bate acelerado de alegria e gratidão por eu poder apreciar tanta beleza!! Percebo que o largo sorriso de Marcelo, meu carregador, já não é tão radioso. Pergunto se está cansado. Ele assente com uma careta. Coitado, não é fácil carregar mochila cargueira pesando 25 kg nos costados! Sinto pena, mas fazer o quê, né? Alguém tem de fazer o trabalho duro! O Castelo se faz mais perceptível no fundo do vale, conforme subimos mais e mais o Pati. Por questões logísticas, somos obrigados a cruzar pra margem esquerda do Pati, enfrentando, assim, grandes blocos de pedra nesta travessia. Deu certa mão de obra, podem crer, porque eu, cujas pernuchas são curtas, não consigo dar pulos muito ousados quando a distância entre uma pedra e outra é larga! Meus companheiros, todos altos, pularam que nem cabritos, mesmo aqueles que carregavam mochilas pesadas. Ala putcha, até fiquei com inveja de tanta destreza. Durante um bom tempo, andamos dentro da mata de modo a evitar caminhar dentro d’água cuja margem, atravancada por altos rochedos, sem sombra de dúvida, é enrosco certo! De qualquer forma, temos de enfrentar algumas pequenas pirambas que exigem escalaminhadas e desescalaminhadas. O cheiro de terra úmida é uma delícia, melhor que qualquer perfume francês, com certeza!! Adoro tudo isso!! Quando voltamos a caminhar rente à margem do Pati, somos espectadores dum pequeno drama. Uma irara adulta, arrastando seu longo rabo peludo, está no meio do rio, tentando cruzá-lo. A coitada falha ao pular duma pedra pra outra. Recua e pula pra outra – parece jogo de amarelinha, por deus! – onde se queda observando por um tempo os obstáculos, até que, enfim, com um ágil pulo o animal finalmente consegue completar sua travessia. Ufa!! Começa a chover bem miudinho no meio da tarde, o que demanda mais cuidado em pular as pedras porque se tornam bem resvaladiças. Dmitri, ao encontrar uma pequena jararaca toda enrodilhadinha, chama nossa atenção. Nós todos paramos pra observar a serpente que, ao perceber aquele bando falando excitado, se escafede veloz sob um vão de rocha. O casal de escaladores comenta que não imaginava fosse tão dura a travessia. Estão sentindo a pernada porque uma coisa é trepar em pedras e outra caminhar sobre leito de rio e enfrentar vara-mato! Eu que o diga, afinal, durante três anos fiz canionismo em Praia Grande, sul de Santa Catarina, e sei muito bem o que penei naqueles grandiosos canyones! Dmitri quando percebe que o cansaço já está tomando conta do grupo, propõe que se acampe numa prainha. O veredito, apesar do cansaço, é unânime: preferimos dormir na toca do Guariba e fim de papo! Após uma caminhada de uma hora que dá a impressão de durar o dobro, alcançamos, aleluia, o ponto em que as águas do Guariba desembocam nas do Pati. Fico pasma quando me deparo com duas colossais e altas muralhas postadas uma em cada margem do rio. Olha, qualquer coisa de impressionante, grandioso e imponente é este pórtico rochoso que marca a entrada no Guariba! Surreal!! Pra alcançar a toca, temos de realizar duas travessias, uma no Pati e outra no Guariba, travessias estas feitas com um quezinho de tensão já que os dois rios estão bombaduchos. Adoro tal tipo de perrengue, curto sentir frio na barriga. Tô começando a achar que viciei nesta tal de adrenalina, tá ligado? Enfim, já em segurança na toca onde vamos pernoitar, o relógio marca exatas 19 horas. É....foi um longo dia, realmente! A toca, localizada na margem esquerda do Guariba, na beira duma cerrada mata atlântica, pequena e úmida, é muito inferior em conforto à do Paredão. Mas tudo na vida tem suas compensações, ulálá!! Não é que os guris dão com uma garrafa de cachaça? E das boas, hahaha. Nada mais nada menos que a famosa Abaíra. Provavelmente deixada por algum caçador ou garimpeiro que costuma pernoitar em suas andanças pela região. Nos controlamos pra não secar a garrafa e concordamos em deixar um tantinho da pinga pro próximo morador da toca. Vini, Andre e Carolita preferem armar suas barracas, ao passo que eu, Marcelo e Dmitri, bem básicos, estendemos os isolantes e nos enfiamos em nossos sacos de dormir. Graças ao bivaque, posso curtir antes de dormir pirilampos fazendo footing diante de meus olhos e um céu estrelado brilhando por entre a espessa copa das árvores. Vidinha mais ou menos, né? Hahahaha!!!

Um comentário:

Miriam Chaudon disse...

Lindo canyon, lindo rio Paty!
Bea você praticamente não aparece nem nas fotos e nem nos videos...