Sabendo
que a maioria das pessoas tem equivocada ideia sobre a caatinga, abro esta
postagem esclarecendo que este bioma, exclusivamente brasileiro, no período das chuvas, transforma-se numa
exuberante floresta!! Das clássicas tonalidades de verde à ousada palheta
laranja e vermelha, a vegetação exibe-se feérica. E como se não bastasse, matizes azulados e rosas nos arbustos floridos
reforçam a explosão de cores. Quando as chuvas escasseiam, passa a ser mata
branca denominada pelos tupis-guaranis caatinga. Uma lástima que este último cenário,
o da vegetação seca, franzina, com domínio de cores neutras, tenha sido a
preferência estética adotada pelo cinema novo e ainda insistentemente
perpetuada em certas produções brasileiras da atualidade. Eu tive – aleluia - a
benção de tê-la conhecido justo em sua feição colorida! Bueno, desfeito o
preconceito sobre a caatinga, na sexta-feira, deitamos o cabelo (expressão
nordestina que significa pé na estrada) pra Caracol, porta de entrada do pouco
badalado Parque Nacional da Serra das Confusões, o maior do Piauí. Um horror a
rodovia não porque tenha buracos ou outras deformidades e sim pelas malditas
lombadas que infernizam com raras tréguas os curtos 88 km entre São Raimundo
Nonato e Caracol. São muitos os povoados e cada um tem ½ dúzia desses calombos,
alguns ilegais. Eu e Alu ficamos irritadíssimas porque a viagem que poderia ter
durado nem 1 hora, levou 2!! E nem se fale em movimento porque se passavam
outros veículos nem os notamos. Em Caracol, residem em torno de 10 mil almas. Seguindo
a tradição nordestina, a pequena cidade se encontra toda engalanada pras festas
juninas. Dessa feita, as bandeirolas, em verde-amarelo, são em homenagem à Copa
do Mundo. Gosto de Caracol, ao contrário de São Raimundo, aqui me sinto aconchegada.
No dia anterior, enviara um whats prum guia, recomendado pelo querido
Curiólogo, acertando então a guiada. Marcamos encontro na praça. Só pelo jeito
dele se aproximar do carro, sinto sua boa energia. E Jadiel foi outro que não
me desapontou. Tranquilo, ficou encantado com a perícia de Alussandra no
volante quando ela enfrentou certos trechos marca diabo da estradinha de chão
batido. Ele nos leva até a pousada e restaurante da Edineia, onde vamos
pernoitar. Neide, proprietária do estabelecimento, é bem falante. Conta que se
divorciou do marido - nas palavras dela “um safado mulherengo” - e se tocou da
Bahia pra cá onde montou seu negócio. Depois de deixar as bagagens no quarto,
pegamos a estrada de chão batido que leva ao parque, parando antes numa casa de
farinha onde ocorre o processamento da mandioca em seus principais derivados, farinha e goma. A mandioca juntamente com o caju é
base de subsistência dos habitantes da região. A casa de farinha nada mais é que um espaço aberto coberto por um telheiro com poucas máquinas, todas rudimentares, cumprindo bem suas funções. A transformação do tubérculo em
farinha e goma (os blocos de goma molhada parecem pedaços de argila) é
totalmente artesanal. A primeira etapa consiste nas
mulheres descascando as raízes uma por uma com a rapidez adquirida ao longo de décadas de
prática. A última fase, a da obtenção da farinha, é cansativa e dura mais de 1 dia.
Para tanto, pessoas se revezam enquanto mexem sem parar com uma comprida pá a
goma espalhada sobre larga superfície ladrilhada aquecida na parte inferior por uma fornalha de modo que a goma perca toda umidade e se torne ultra fina.
Iguaria apreciadíssima na mesa de qualquer nordestino pobre ou rico, notadamente,
no café da manhã, os deliciosos beijus e tapiocas são o resultado final do
processamento da mandioca. O Parna das Confusões, cujo bioma dominante é a
caatinga, intercala ainda matas e cerrado. Visto de cima seu relevo arredondado formado pela
Chapada dos Gerais assemelha-se a gigantescas e pétreas ocas. Circundam-no serras e vales cortados por desfiladeiros e
canyons cujas paredes não alcançam alturas expressivas à semelhança do Parque
da Serra da Capivara. Nas planícies, chamadas fundões, a vegetação abunda ao
contrário da existente no topo das chapadas, como igualmente acontece na
Serra da Capivara. Abriga também sítios arqueológicos com pinturas e gravuras
rupestres, além de outros vestígios do cotidiano pré-histórico. Inicialmente, percorremos
a trilha Cores da Caatinga, um bate-volta de 3 km, em meio a um bosque
arbóreo-arbustivo cuja folhagem vermelha e amarela compete em colorido com
dourado capinzal. O forte vento faz as
folhas farfalharem de forma agradável enquanto caminhamos até o mirante Janela
dos Sertões, extensa plataforma rochosa no topo duma chapada donde se avista extensa
linha de serranias de coloração esbranquiçada separadas por capões ainda
verdejantes. Jadiel explica que o nome Confusões se deve à desorientação
provocada pela tonalidade uniforme das pedras. Isso fazia com que os tropeiros,
confusos, se perdessem porque se tornava difícil identificar pontos de
referência na paisagem. Vamos então visitar alguns sítios arqueológico, abrigados
em baixões. No primeiro, as pinturas são “novinhas”, sua idade não passa dos 6
mil anos. O mais impactante de todos os sítios, pra mim, incluídos os da Serra
da Capivara, vem a ser o cemitério na Toca Alto do Capim. Trata-se de pequena gruta,
interior arredondado, distante 3 metros do solo, cujo acesso se dá por uma
escada. No interior, em 4 ou 5 concavidades escavadas no solo, os
pré-históricos depositavam seus mortos. Nas paredes ao redor das urnas
funerárias, há desenhos de coloração avermelhada em formatos geométricos cujo
significado ainda não foi desvendado pelos arqueólogos. Pra terminar a
visitação com fecho de ouro, visitamos a deslumbrante Gruta do Riacho do Boi. Só
a trilha que leva ao lugar já é um desbunde: começa no topo de ondulada e árida
formação rochosa que mais parece um oceano de pedras! Como um passe de mágica,
se desce por uma escada até um sítio super arborizado onde se localiza a
impressionante abertura que na verdade é uma pequena caverna. Larga, com 100
metros de comprimento, a areia do solo é branquinha e fina que nem a de praia;
de frestas no teto, escapam résteas de luz solar. Eu parecia criança pequena soltando ahs e ohs a cada passo que dava pelo
encantador túnel. E me ponho a sonhar com essa gruta vazando luz
em noite de lua cheia. Uma merda termos reservado apenas um dia pra conhecer a
Serra das Confusões. Este parque merece mais tempo de visitação. Com certeza, voltarei, podicre!! Assim, no sábado, me despeço de Caracol porque é tempo de trocar Piauí por Ceará. Simbora, deitar
cabelo de novo, Lulu!!
Um comentário:
Viagem e relato incríveis, minha companheira de aventuras!! Simbora para nosso querido Ceará!;)
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