Pra variar chego novamente à
noite em Palmas dirigindo desde Alto Paraíso de Goiás. Acontece que
gosto de parar pra fotografar e filmar, bater papo com os nativos, comer e,
claro, fazer xixi. Estou aprendendo a não ter pressa em chegar. Douglas, sessentão,
radicado há anos na Venezuela onde tem uma agência de turismo de aventura, me aguarda
num restaurante na esquina do hotel onde está hospedado. Conheci o bem humorado
britânico (yo soy britanico, como faz questão de frisar), em São Jorge, acampado no mesmo Canto
da Coruja onde eu também ficara. Descobrimos conversa vai, conversa vem, que
estivéramos tanto no Nepal quanto no Paquistão e aí então a conversa fluiu mais
animada ainda. Ele como eu está viajando de carro pela América do Sul tendo já
percorrido 35 mil km. Genuinamente aventureiro, foi dono de escola de inglês em
Caracas, enchendo o saco de estar preso entre 4 paredes e começou a fazer
guiadas a serviço de agências inglesas em especial pra monte Roraima e
Auyantepui. Quando lhe proponho que viajemos juntos em sua caminhonete pro
Jalapão e dividamos o combustível, topa sem hesitações. Too nice tratar com
gente descolada. Combinamos partir na segunda. Gosto de cara de Palmas,
cidade construída à semelhança de Brasília e com população de apenas 300 mil
almas!! O tráfego de carros é super calmo porque a cidade não está atulhada de
gente! À tarde, lá pelas 16 horas, aproveitando que refrescou um pouco, embora eu adore cidades-fornos, tipo Palmas, aproveito o restante
do domingão e dou uma pedalada até Luzimangues cruzando a ponte sobre o
Tocantins. Num trecho protegido por redes de arame devido à existência de
piranhas, tomo banho nas águas mornas do rio, após o pedal porque fiquei com o
rosto cheio de teias de aranhas devido ao matagal que cresce na passarela de
pedestres ao longo da ponte. Como o pedal não foi suficiente pra minha sede de
atividade física, alugo um caiaque remando nas águas calmas e sem vento do rio,
com o sol se pondo num entardecer sedosamente avermelhado....lindão demais! As
barcas turísticas com seus tombadilhos iluminados por luzinhas coloridas donde
ecoam músicas com uma pegada de carimbó, retornam à praia da Graciosa trazendo
uma galera super animada depois dos passeios a outra margem do rio. Numa das
barcas, com palmeiras no convés, uma banda toca ao vivo fazendo as pessoas
dançarem animadíssimas alegres músicas bregas. Jet skis seguem atrás.....tudo
muuiiitooo divertido! Dá vontade de seguir no caiaque dançando também hahaha. Saímos de Palmas às 10 rumo ao Jalapão uhuuu
há tempos na minha mira!! Escolhemos entrar por Ponte Alta (pode-se entrar
também por Mateiros ou São Felix do Tocantins) onde paramos pra comprar mantimentos
no armazém da cidadezinha, passando antes por Santa Teresa de Tocantins. Entre
essas duas cidades, em um bom trecho da rodovia, o asfalto quase inexistente expõe
enormes buracos exigindo que se dirija prudentemente despacito. A agradável descoberta
do pequeno canyon do Sussuapara um pouco depois de Ponte Alta já é um prenúncio
dos belos cenários que viremos a conhecer no decorrer dos 9 dias que passaremos
no Jalapão. Poderíamos ter chegado na fazenda que pertenceu a Pablo Escobar bem
antes das 18 mas Douglas teimou em seguir por uma estradinha que deu em lugar
algum, embora eu tenha avisado que a estrada era outra. Homens sempre acham que sabem
mais que mulheres em questão de navegação, ainda mais esse que se gaba de ser guia (acho que o ascendente dele é leão hahahaha!). Na propriedade
do famoso traficante, foram construídas várias casas de alvenaria ainda em bom
estado (devem ter sido construídas na década de 80), algumas exibindo requintes
como portas francesas e enormes vasos enfeitando seu exterior. O lugar onde
armamos nossas redes, uma grande varanda com balcões e pias conduz a um
corredor com vários quartos em ambos os lados, todos com banheiro e espera de
ar condicionado. O céu sem nuvens, estreladíssimo, um colírio pros olhos quando
acordo às 2:30 pra fazer xixi. Embora já minguante a lua ilumina perfeitamente
o terreiro em frente à construção onde estamos instalados. Na terça, pedalo da
fazenda até à cachoeira da Velha enquanto Douglas segue em sua caminhonete. Recém
terminada a época das chuvas, que se iniciou em outubro, rios e cachus estão
bombando como a esfuziante cachoeira da Velha. A cachu, espetacular, apresenta
2 saltos e dali pode se fazer raft que nesta época do ano é nível 4 neste
trecho do rio Novo. Guilherme, Sara e Rafael que se encontram lá trabalham com
turismo no Jalapão e dão boas dicas pra nós. Da Velha se vê a serra do
Jalapinha, uma pequena extensão de planalto com o topo achatado que lembra os tepuis venezuelanos. Até hoje
salvo os quilombolas, ninguém se arriscou a subir até o cume porque o acesso é
difícil devido às veredas de buriti. Há outras serras com formatos similares à
do Jalapinha sobressaindo na paisagem do Jalapão onde savanas, matas ciliares e cerrado se alternam.
O céu é coalhado por gordas e brancas nuvens que vez por outra lançam sombras
aliviando um tantinho o forte calor tropical da região. As estradas de chão
batido são verdadeiros testes pros motoristas e carros, que têm de ser 4x4,
traçados como são chamados aqui tais veículos. Quando não são esburacadas com
enormes valas mostram-se verdadeiros arenales. Imagina só elas na época das
chuvas, o lamaçal que não devem ser, atolando carro a 3 por 4! Sorte minha que
vim no carro de Douglas porque no meu talvez não tivesse dado conta. Minha habilidade
na direção é limitada nesse tipo de terreno. Da Velha vamos até a Prainha onde
tomamos um refrescante banho no rio Novo. O calor é maravilhooosoooo.....bafão
demais, coisa boa!! Quando saímos dali, Douglas começa a passar mal. Obrigado a
parar o carro amiúde pra vomitar, o coitado ainda pede desculpas pelo
transtorno! Estou um pouco aflita, proponho inclusive voltarmos pra Palmas mas ele
se recusa embora seja evidente que está passando mal. Pra nossa sorte, vemos na
estrada uma tabuleta de madeira indicando um camping a 9 km. Embarafustamos na
arenosa trilha e assim chegamos no lugar, um verdadeiro paraíso. Os donos não
se encontram o que não nos impede de armamos nossas redes. O homem cai que nem
um saco de batatas, esgotado de tanto vomitar. Antes de jantar, tomo um banho
no rio Novo. Aos 2 dogues que aqui se encontram, mansos e super sociais, dou os
ossos da galinha que usei no preparo da canja pro pobre enfermo. Não dá outra,
os 2 não me largam mais, dormindo ao lado da rede, como autênticos
guarda-costas! Já deitada, escuto um barulho metálico e levanto assustada. Pra
minha surpresa, é um dos cachorros tentando furtar da panela a canja! Durmo
embalada pelo delicioso rumorejar das pequenas corredeiras do rio Novo que
corre a 20 metros donde estou deitada. Aliás é um rio de forte correnteza e não dá
pra se arriscar muito além de sua margem. À noite faz uma friaca respeitável
tanto que apelo pro meu saco de dormir porque só com a canga que faço de lençol
não deu pra aguentar. Na quarta achamos melhor aqui permanecer porque Douglas continua
ruinzinho; me conta acabrunhado que vomitara durante a noite. Do
outro lado do rio Novo, já terras pertencentes ao Parque Estadual do Jalapão, brilham ao sol as areias douradas de pequenas praias. O trinar dos pássaros é
constante. Agora mesmo um beija-flor veio me visitar, me olha enquanto bate
suas asas naquele ritmo frenético e depois se vai. Uma preguiça gostosa toma
conta de meu corpo. Quando não estou na rede lendo, estou no rio me refrescando
e assim o dia vai findando sem eu sentir. À tardinha, chega o casal
proprietário da terra, Antonio e Milma. Lá pelas tantas depois das
apresentações ele pergunta pro Douglas “já parou com a vomitação?”. O casal é
goiano, ela do signo de touro, ele, de aquário. Convidam apenas eu pra jantar. Douglas foi obrigado por Milma a comer mingau de fubá por ela preparado, que o coitado
detestou. Escondido, deu pros cachorros a paçoca devorada em 10 segundos
hahahaha. Assim, na sala-cozinha-copa- despensa, nós 3 de pratos nas mãos comemos uma delícia
de comida caseira, feita por ele já que Milma tem problema no braço em
decorrência duma fratura no ombro. Durante a refeição cada um se auto-elogia e
tasca a falar mal um do outro. Enquanto ele tece loas às qualidades de seu
signo, ela faz sinais para mim denunciando que o marido é dinheirista embora
ele alegue que não, tanto que só lê livros sagrados. Indago se é
a bíblia, ele diz que são os espíritas, hahahaha. Milma me ensina a ser esperta
com os homens. Assegura que traz o seu no cabresto, inclusive com tornozeleira.
“Mas ele não sabe disso, né?” pergunto eu. “Nem sonha, sou muito esperta,
inteligente, observadora, os olhos bem abertos. Tem de se tratá-los assim com
rigor, eles são muito sem-vergonhas. Esse come na minha mão”, revela Milma. Na
quinta, Antonio me leva até a palhoça-restaurante com a desculpa de
me oferecer uma prova de cachaça com murici. Na verdade, quer me contar que tivera
uma namorada antes de casar, a melhor mulher com quem já transara (isso depois
de ter sabido que eu como ela sou de escorpião, signo - pobre signo!! - que
carrega um estigma de sexualidade insaciável....eu hein!!). Acrescenta, pra ver
se eu me enterneço (hahahaha, engraçadinho demais esse senhor!), que Milma não é
carinhosa, quando quer sexo se faz de bruta, sem finesse alguma, aponta pra ele
e diz na lata, “quero transar”. Mas ele – tsk tsk tsk - não! é sujeito muito carinhoso,
sabe fazer dengos numa mulher (tô me contendo pra não cair na gargalhada diante
da cantada do velhote que apesar de seus 77 anos se mantém em boa forma). As
feministas que me perdoem mas não consigo ficar indignada. Aceito na boa a canhestra
cantada de Antonio, que de certa forma me deixa envaidecida....bom se sentir
desejada, não é mesmo? Fico sabendo por Milma depois de ter dormido na rede distante
200 metros da de Douglas (além de estar doente como o homem poderia me acudir se tão
longe de mim, né?) que as onças não fazem barulho algum, nem quando andam sobre
folhas secas....putz, bem melhor ter passado sem essa...santa protetora é a ignorância!
Como é imperioso ter cachorros nessa região porque dão aviso quando se
aproximam predadores, Antonio trouxe mais um dogue. O baita animal, de pé, tem meu tamanho:
1.53 m, ao contrário dos outros dois, uns nanicos. Esse sim ombreia com uma
onça, sô! Dorme à noite embaixo da minha rede não sem antes fazer aquela folia
com os nanicos. É novinho, bruto e afetuoso. Hoje, quinta-feira permanecemos
aqui embora Douglas já esteja recuperado de sua intoxicação alimentar. Dou uma
banda até a belíssima praia da Carioca também pertencente a Antonio e vejo na
areia fofa e branquinha diversas marcas de patas de animais, podendo inclusive que
alguma seja de onça. Bah! como gostaria de ver uma onça pintada, estes belíssimos gatões selvagens. Na sexta, quando estamos indo embora, Milma muda o discurso
e declara que o marido é o esteio de sua vida, que teme que ele morra antes
dela porque sabe que os filhos não vão cuidá-la. Ele, que está escutando, manifesta
a mesma preocupação em relação à mulher. O curioso é que na hora do pega pra
capar eles se protegem....que dupla!
Um comentário:
Oi amiga, ri muito aqui com a cantada do Antonio! Me lembrou aquela cantada lá no restaurante Iaiá em POA! Minha amiga atrai olhares e os homens ficam encantados com sua vitalidade e beleza!
Adorei tudo!
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