Na
quinta, bem descansados, eu e Douglas, agora cada um em seus respectivos carros,
pegamos a BR 226, rumo a Carolina, no Maranhão. Como Douglas quer voltar pra
Venezuela pelo Amapá, precisa ir a Belém pra então embarcar seu carro na
balsa que o levará na travessia marítimo-fluvial de 36 horas a Macapá. Em
sendo assim, aceita o convite que lhe faço e vai comigo a Carolina pois a
cidade fica na rota de Belém. Viagem tranquila, asfalto bom e movimento nada
intimidante de caminhões. Em Araguaína deixa-se a BR 226 pra trafegar na TO
222. À medida que vamos nos aproximando do Maranhão, as chapadas vão surgindo, descortinando
a beleza de paisagem que o cerrado nos reserva pela frente. Chegamos a Filadélfia,
situada na margem esquerda do rio Tocantins, aguardando a balsa que nos conduzirá
às terras maranhenses. Do outro lado do rio, o dominante morro do Chapéu já é
um aviso do motivo de a região ser chamada Chapada das Mesas! Em 15 minutos
arribamos em Carolina, delícia de cidade, situada na margem direita do
Tocantins. Douglas propõe que aluguemos uma casa ao invés de acamparmos.
Desconfio que ele deseja o conforto que acampamentos não proporcionam. Sendo
nós uma parceria, cedo à sua sugestão com certa reticência. Contudo,
rapidamente, me dou conta de que é uma boa idéia, pois se acampados em algum
local ermo não terei oportunidade de socializar com os carolinenses. Só
paisagens lindas não bastam pra alimentar o espírito. Depois de certa procura
pelas ruas da cidade, encontramos a casa anunciada no Booking. O senhorio
chama-se Bruno, é jovem, 27 anos, alto, magro, de olhos esverdeados e super bem
informado. Sua conversa é fluente, discutindo qualquer assunto e não se
deixando acanhar pelos 2 escolados coroas. Quando questionado por Douglas
sobre a possibilidade de dengue na cidade, responde tranquilão “todo mundo aqui
já teve dengue”.... hahahaha. Nos dá dicas de restaurantes e nos orienta sobre
locais turísticos que pretendemos visitar. A casa tem um pátio na frente onde
se podem estacionar os carros. Com 2 quartos espaçosos e ampla sala, além de
banheiro e cozinha, tem o que considero mais importante: wifi uhuuu!! Vamos
então eu mais Douglas a pé – chega de carro! - pelas pacatas ruas da cidade jantar
no Chega Mais recomendação de Bruno. Diante do rio, é aprazível o lugar exceto
o som muito alto dum show protagonizado por uma dupla de sertanejos bregas que
passa na tv. Música regional que é bom, nem pensar em exibir tsktsktsk. Pedimos
um saboroso tambaqui, servido com os costumeiros acompanhamentos de farofa,
arroz e vinagrete. Como vinho bom não existe nestas bandas, peço uma caipirinha
que nem chega aos pés da que eu faço e Douglas, cerveja. Ali ficamos um par
de horas, bebendo, comendo e conversando. A vida é boa e tenho uma bicicleta
amarela uhuuuu!! Sexta-feira, a boa do dia é conhecer certos badalados
atrativos turísticos, presentes em todas as buscas na internete sobre a Chapada
das Mesas. Mais tarde descobrimos que a boa nem foi tão boa assim, contudo vou
deixar pra explicar no final do passeio. Bueno, o primeiro lugar a ser visitado
é Itapecuru, situado na vila de São João das Cachoeiras, distante 33
km de Carolina. A relevância do balneário, com restaurante e banheiros, reside
nas 2 cachoeiras que jorram uma ao lado da outra rodeadas por generosa sombra. Um
prédio desativado aponta a existência da primeira hidroelétrica do Amazonas,
fundada em 1939 no leito do rio Itapecuruzinho. Não esquentamos muito assento,
de comum acordo, quase ao mesmo tempo decidimos conhecer o próximo destino,
situado no município de Riachão, percorrendo para tanto mais 100 km. Quando lá
chegamos levo um susto ao perceber que o lugar se chama pomposamente Complexo
Eco Turístico Poço Azul. Cobra ingresso de R$ 50,00, valor este reduzido à metade porque somos de 1/2 idade....menos mal. O tal complexo tá cheio de gente
embora não seja ainda nem alta temporada tampouco fim de semana. Vamos então
visitar primeiro o canyon do rio Cocalzinho onde nos banhamos em suas águas
tranquilas e límpidas. Depois um vistaço na cachoeira Santa Paula. Subimos nas
interessantes formações rochosas Pedra do Cálice e da Mesa apesar da precariedade das escadas de madeiras (e o caro ingresso pago
está sendo aplicado onde hein? Nas escadas que não!). Por isso, reclamo, é claro,
veementemente na portaria sobre o estado periclitante das escadarias!! De
onde estamos já dá pra ver lá embaixo a bela poça azul que é o atrativo mais
“in” do lugar. Pra lá chegar, tem de se descer escadaria de madeira (em boas
condições, graças a deus) seguida de outra cavada nas rochas. A água é morna
como anunciado nos folhetos e sua cor azulada transparente é massa. Mas
cheio de gente, por óbvio! Douglas destemidamente mergulha de ponta cabeça duma
alta pedra e eu filmo a façanha. Por fim, vamos até a cachoeira Santa Bárbara,
expressiva queda d’água de 70 metros confinada num estreito e escuro brete. Desistimos,
depois daquela muvucagem de criaturas no Poço Azul, de ir até o tal de Encanto Azul um pouco
mais adiante. Definitivamente, tais sítios não me agradam mesmo.
Tô um pouco decepcionado com a Chapada das Mesas... será só isso? Balneários abarrotados
de pessoas, tudo assim muito civilizado?!! Quero a selvageria da mata virgem do
cerrado e não só mata de galeria sombreando balneários bonitinhos! Dia
seguinte, o calor já mostra suas garras mesmo de manhã cedo. Aproveito que
ainda não está escaldante pra dar uma banda de bici pela cidade. Carolina tem
ruas com canteiros no meio onde foram plantadas árvores fornecendo abençoada
sombra. Na pequena pedalada, descubro a avenida Getulio Vargas com largo
canteiro central onde ao redor há casarões antigos que dão o belo ar de sua
graça colonial. Ao fundo da avenida, pintada de amarelo vibrante a Catedral de
São Pedro de Alcântara, padroeiro de cidade. Quando vejo um grupo de pessoas,
sentadas à sombra das árvores no passadiço central que também faz de praça, paro
e pergunto onde fica a Torre da Lua, agência turística que aluga caiaques.
Tô pensando em dar uma remada no Tocantins. Um senhor, aparentemente o
revoltado da cidade, começa a praguejar contra seu torrão natal. Quando sabe
que sou do sul, de Porto Alegre, dispara “aquilo sim é terra civilizada, aqui é
uma merda, gente peçonhenta que só quer falar mal uns dos outros”. As mulheres
que o acompanham nem se abalam com tal diatribe. Bruno, posteriormente, ao ser
inteirado por mim do acontecido, identifica o sujeito como Ribamar, se deliciando
com a estória. Volto pra casa e passo o resto da tarde lá. Douglas
completamente acovardado pelo calor tropical nem botou o nariz pra
fora de casa. À tardinha, um pouco mais fresco, numa tentativa de subir o morro
do Chapéu, vamos até as suas imediações mas desistimos porque já se faz tarde e
não vale a pena o risco de caminhar no escuro ainda mais que nem lanternas
levamos, os previdentes aventureiros. Pra chegar ao sopé do morro, tem de se dirigir
nuns arenales horríveis (estamos em meu carro) mas Douglas me incentiva dizendo
“não pares” energicamente. Faceira porque venci as balofas areias, alerto meus
botões que já posso dirigir até no Jalapão sem precisar apelar pra caronas
alheias hehe. Aí sim no domingão, conseguimos ascender ao cume do morro do
Chapéu situado a 500 metros acima do nível do mar. Douglas dispensa a contratação de
guia porque quem melhor que ele, guia há 30 anos, pra nos levar lá em cima, né? Nem
tento dissuadi-lo gastando meu blábláblá. Seria inutil argumentar que podemos nos perder porque o homem é deveras confiante. Oxalá não entremos em nenhuma roubada. Nem
tão cedo começamos a pernada porque já são 10 e 30! Mas enfim, é melhor que a
tentativa de ontem iniciada às 17 horas! O desnível a ser vencido é de apenas 300
metros, entretanto, a forte aclividade com muita pedra solta
e o calor cada vez mais intenso torna a subida ardida. Conforme subimos, vão se
descortinando lá embaixo outros chapadões, Carolina e o rio Tocantins. Não sei
se o pior foi a subida ou se está sendo a descida. Pensando bem, debaixo dum sol a pino de
fritar miolos - o relógio marca 13 horas - descer é mais punk. E a sofrência não pára! Depois do baita
esforço de se descer a inclinadíssima e escorregadia ladeira, a pernada, embora no plano, continua agora sobre terreno de areia fofésima durando 20 intermináveis minutos. Irritada, passo a xingar deus e o mundo durante o resto do caminho até alcançar o carro. Já são 14 horas e pra nosso azar as garrafas d’água deixadas dentro do carro
esquentaram de tal forma que pouco aliviam nossa insaciável sede. Estou sem forças
e só consigo ligar o carro após um imperativo descanso de 15 minutos. Douglas
aparenta estar um pouco melhor provando que é homem bem forte fisicamente. Na
volta, paro numa casa onde uma mulher e sua filha sentam-se à sombra das árvores
no quintal. Peço água fresca. A moça prontamente arruma 2 cadeiras de macarrão,
uma pra mim, outra pra Douglas, e pede à guria que traga a garrafa de água. Verte
o líquido geladinho numa caneca metálica brilhando de tão areada e a estende pra
mim. Num gole único bebo a água tamanha a sede que estou. Trato de beber mais 2 canecas porque tô que nem radiador
de carro antigo, fervendo de tão seca. A doçura da mulher bem como a de sua filha me deixa
enternecida, vontade de beijar e abraçá-las um milhão de vezes, de fazer juras
de amor. Estou derretida de tanto carinho por esse povo! Já em casa, estamos
Douglas e eu sossegadamente bebericando caipirinhas quando chega Bruno e 2 amigos: Orlando e Felipe. Numa
verdadeira operação arrastão, os três nos levam pro churras de
aniversário da vó de Orlando. Já no caminho a coisa dá mostra de que será
profissional porque os rapazes param num armazém pra se abastecer de dezenas de
litros de cerveja. Eu e Douglas, os únicos coroas da turma, dale a provar
cachaça feita de marijuana como bons pinguços que somos. Na casa, encontra-se
uma galera muito gente fina. Entre os que me recordo, destaco Aline, namorada do
Orlando e irmã do Bruno, Claudia, Noemia e mais 2 gurias adolescentes. Mas quem
brilha na festinha é o elétrico Felipe que volta e meia dispara seu malicioso bordão
“fogo na bomba”. “Diz aí Felipe o que é fogo na bomba”, pergunto, já bem tontinha,
não sacando o óbvio ululante. “Fogo na bomba, Bea,” explica ele com ar
didático, "é quando a gente vai botar uma pressão na figurinha...entendeu? Se
não entendeu não tem mais como explicar”, finaliza ele sem mais esclarecimentos.
E não é que os maranhenses sabem assar
uma carne? Uma farofa deliciosa e o excelente molho de pimenta feito por
Orlando são os acompanhamentos da churrascada. E mesmo bêbada consigo ainda filmar um pouco da
esbórnia dominical. Tragoleu de entortar o pau da bandeira, tanto que nem lembro direito como fui parar em
casa, deus que me perdoe, chegando contudo sã e salva. Tenho mais sorte que juízo, of course, pois quem têm amigos não morre pagã. Douglas,
no dia seguinte, conta que além de eu trocar pernas e enrolar a língua...ai que
horror, fui ao seu quarto, acendi a luz às 2 da manhã...ai que horror! pra lhe perguntar onde eu
estava....ai que horror! Ala putcha, deus que me perdoe mas será assim até o
final dos dias? Claro está que acordo na segunda-feira com aquela ressaca e até
o início da tarde fico de repouso...ai que desperdício, recuperando as forças. Douglas, aparentemente,
mostra-se bem disposto....que inveja! Na terça-feira de manhã, Douglas parte
pra Belém. Tudo de bom tê-lo conhecido e desfrutado de sua agradável companhia durante essas 2
semanas. Um cara fácil de lidar o gringo. Mais uma vez encaro então o desafio de pegar a estrada e prosseguir a
viagem solita. Será mesmo tão desafiante viajar só?! Não me ponho mais à prova viajando com outras pessoas já
que tenho de ceder aqui, acolá em prol da tal de convivência?! E me ver confrontada diante de pontos de vista diferentes do meu não será também um desafio daqueles?! Ah, sei lá, o que sei é que tudo vale a pena quando a alma não é pequena!
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