segunda-feira, 21 de maio de 2018

Abraçasso no Brasil 2018: Maranhão - Chapada das Mesas - Carolina e adjacências

Na quinta, bem descansados, eu e Douglas, agora cada um em seus respectivos carros, pegamos a BR 226, rumo a Carolina, no Maranhão. Como Douglas quer voltar pra Venezuela pelo Amapá, precisa ir a Belém pra então embarcar seu carro na balsa que o levará na travessia marítimo-fluvial de 36 horas a Macapá. Em sendo assim, aceita o convite que lhe faço e vai comigo a Carolina pois a cidade fica na rota de Belém. Viagem tranquila, asfalto bom e movimento nada intimidante de caminhões. Em Araguaína deixa-se a BR 226 pra trafegar na TO 222. À medida que vamos nos aproximando do Maranhão, as chapadas vão surgindo, descortinando a beleza de paisagem que o cerrado nos reserva pela frente. Chegamos a Filadélfia, situada na margem esquerda do rio Tocantins, aguardando a balsa que nos conduzirá às terras maranhenses. Do outro lado do rio, o dominante morro do Chapéu já é um aviso do motivo de a região ser chamada Chapada das Mesas! Em 15 minutos arribamos em Carolina, delícia de cidade, situada na margem direita do Tocantins. Douglas propõe que aluguemos uma casa ao invés de acamparmos. Desconfio que ele deseja o conforto que acampamentos não proporcionam. Sendo nós uma parceria, cedo à sua sugestão com certa reticência. Contudo, rapidamente, me dou conta de que é uma boa idéia, pois se acampados em algum local ermo não terei oportunidade de socializar com os carolinenses. Só paisagens lindas não bastam pra alimentar o espírito. Depois de certa procura pelas ruas da cidade, encontramos a casa anunciada no Booking. O senhorio chama-se Bruno, é jovem, 27 anos, alto, magro, de olhos esverdeados e super bem informado. Sua conversa é fluente, discutindo qualquer assunto e não se deixando acanhar pelos 2 escolados coroas. Quando questionado por Douglas sobre a possibilidade de dengue na cidade, responde tranquilão “todo mundo aqui já teve dengue”.... hahahaha. Nos dá dicas de restaurantes e nos orienta sobre locais turísticos que pretendemos visitar. A casa tem um pátio na frente onde se podem estacionar os carros. Com 2 quartos espaçosos e ampla sala, além de banheiro e cozinha, tem o que considero mais importante: wifi uhuuu!! Vamos então eu mais Douglas a pé – chega de carro! - pelas pacatas ruas da cidade jantar no Chega Mais recomendação de Bruno. Diante do rio, é aprazível o lugar exceto o som muito alto dum show protagonizado por uma dupla de sertanejos bregas que passa na tv. Música regional que é bom, nem pensar em exibir tsktsktsk. Pedimos um saboroso tambaqui, servido com os costumeiros acompanhamentos de farofa, arroz e vinagrete. Como vinho bom não existe nestas bandas, peço uma caipirinha que nem chega aos pés da que eu faço e Douglas,  cerveja. Ali ficamos um par de horas, bebendo, comendo e conversando. A vida é boa e tenho uma bicicleta amarela uhuuuu!! Sexta-feira, a boa do dia é conhecer certos badalados atrativos turísticos, presentes em todas as buscas na internete sobre a Chapada das Mesas. Mais tarde descobrimos que a boa nem foi tão boa assim, contudo vou deixar pra explicar no final do passeio. Bueno, o primeiro lugar a ser visitado é Itapecuru, situado na vila de São João das Cachoeiras, distante 33 km de Carolina. A relevância do balneário, com restaurante e banheiros, reside nas 2 cachoeiras que jorram uma ao lado da outra rodeadas por generosa sombra. Um prédio desativado aponta a existência da primeira hidroelétrica do Amazonas, fundada em 1939 no leito do rio Itapecuruzinho. Não esquentamos muito assento, de comum acordo, quase ao mesmo tempo decidimos conhecer o próximo destino, situado no município de Riachão, percorrendo para tanto mais 100 km. Quando lá chegamos levo um susto ao perceber que o lugar se chama pomposamente Complexo Eco Turístico Poço Azul. Cobra ingresso de R$ 50,00, valor este reduzido à metade porque somos de 1/2 idade....menos mal. O tal complexo tá cheio de gente embora não seja ainda nem alta temporada tampouco fim de semana. Vamos então visitar primeiro o canyon do rio Cocalzinho onde nos banhamos em suas águas tranquilas e límpidas. Depois um vistaço na cachoeira Santa Paula. Subimos nas interessantes formações rochosas Pedra do Cálice e da Mesa apesar da precariedade das escadas de madeiras (e o caro ingresso pago está sendo aplicado onde hein? Nas escadas que não!). Por isso, reclamo, é claro, veementemente na portaria sobre o estado periclitante das escadarias!! De onde estamos já dá pra ver lá embaixo a bela poça azul que é o atrativo mais “in” do lugar. Pra lá chegar, tem de se descer escadaria de madeira (em boas condições, graças a deus) seguida de outra cavada nas rochas. A água é morna como anunciado nos folhetos e sua cor azulada transparente é massa. Mas cheio de gente, por óbvio! Douglas destemidamente mergulha de ponta cabeça duma alta pedra e eu filmo a façanha. Por fim, vamos até a cachoeira Santa Bárbara, expressiva queda d’água de 70 metros confinada num estreito e escuro brete. Desistimos, depois daquela muvucagem de criaturas no Poço Azul, de ir até o tal de Encanto Azul um pouco mais adiante. Definitivamente, tais sítios não me agradam mesmo. Tô um pouco decepcionado com a Chapada das Mesas... será só isso? Balneários abarrotados de pessoas, tudo assim muito civilizado?!! Quero a selvageria da mata virgem do cerrado e não só mata de galeria sombreando balneários bonitinhos! Dia seguinte, o calor já mostra suas garras mesmo de manhã cedo. Aproveito que ainda não está escaldante pra dar uma banda de bici pela cidade. Carolina tem ruas com canteiros no meio onde foram plantadas árvores fornecendo abençoada sombra. Na pequena pedalada, descubro a avenida Getulio Vargas com largo canteiro central onde ao redor há casarões antigos que dão o belo ar de sua graça colonial. Ao fundo da avenida, pintada de amarelo vibrante a Catedral de São Pedro de Alcântara, padroeiro de cidade. Quando vejo um grupo de pessoas, sentadas à sombra das árvores no passadiço central que também faz de praça, paro e pergunto onde fica a Torre da Lua, agência turística que aluga caiaques. Tô pensando em dar uma remada no Tocantins. Um senhor, aparentemente o revoltado da cidade, começa a praguejar contra seu torrão natal. Quando sabe que sou do sul, de Porto Alegre, dispara “aquilo sim é terra civilizada, aqui é uma merda, gente peçonhenta que só quer falar mal uns dos outros”. As mulheres que o acompanham nem se abalam com tal diatribe. Bruno, posteriormente, ao ser inteirado por mim do acontecido, identifica o sujeito como Ribamar, se deliciando com a estória. Volto pra casa e passo o resto da tarde lá. Douglas completamente acovardado pelo calor tropical nem botou o nariz pra fora de casa. À tardinha, um pouco mais fresco, numa tentativa de subir o morro do Chapéu, vamos até as suas imediações mas desistimos porque já se faz tarde e não vale a pena o risco de caminhar no escuro ainda mais que nem lanternas levamos, os previdentes aventureiros. Pra chegar ao sopé do morro, tem de se dirigir nuns arenales horríveis (estamos em meu carro) mas Douglas me incentiva dizendo “não pares” energicamente. Faceira porque venci as balofas areias, alerto meus botões que já posso dirigir até no Jalapão sem precisar apelar pra caronas alheias hehe. Aí sim no domingão, conseguimos ascender ao cume do morro do Chapéu situado a 500 metros acima do nível do mar. Douglas dispensa a contratação de guia porque quem melhor que ele, guia há 30 anos, pra nos levar lá em cima, né? Nem tento dissuadi-lo gastando meu blábláblá. Seria inutil argumentar que podemos nos perder porque o homem é deveras confiante. Oxalá não entremos em nenhuma roubada. Nem tão cedo começamos a pernada porque já são 10 e 30! Mas enfim, é melhor que a tentativa de ontem iniciada às 17 horas! O desnível a ser vencido é de apenas 300 metros, entretanto, a forte aclividade com muita pedra solta e o calor cada vez mais intenso torna a subida ardida. Conforme subimos, vão se descortinando lá embaixo outros chapadões, Carolina e o rio Tocantins. Não sei se o pior foi a subida ou se está sendo a descida. Pensando bem, debaixo dum sol a pino de fritar miolos - o relógio marca 13 horas - descer é mais punk. E a sofrência não pára! Depois do baita esforço de se descer a inclinadíssima e escorregadia ladeira, a pernada, embora no plano, continua agora sobre terreno de areia fofésima durando 20 intermináveis minutos. Irritada, passo a xingar deus e o mundo durante o resto do caminho até alcançar o carro. Já são 14 horas e pra nosso azar as garrafas d’água deixadas dentro do carro esquentaram de tal forma que pouco aliviam nossa insaciável sede. Estou sem forças e só consigo ligar o carro após um imperativo descanso de 15 minutos. Douglas aparenta estar um pouco melhor provando que é homem bem forte fisicamente. Na volta, paro numa casa onde uma mulher e sua filha sentam-se à sombra das árvores no quintal. Peço água fresca. A moça prontamente arruma 2 cadeiras de macarrão, uma pra mim, outra pra Douglas, e pede à guria que traga a garrafa de água. Verte o líquido geladinho numa caneca metálica brilhando de tão areada e a estende pra mim. Num gole único bebo a água tamanha a sede que estou. Trato de beber mais 2 canecas porque tô que nem radiador de carro antigo, fervendo de tão seca. A doçura da mulher bem como a de sua filha me deixa enternecida, vontade de beijar e abraçá-las um milhão de vezes, de fazer juras de amor. Estou derretida de tanto carinho por esse povo! Já em casa, estamos Douglas e eu sossegadamente bebericando caipirinhas quando chega Bruno e 2 amigos: Orlando e Felipe. Numa verdadeira operação arrastão, os três nos levam pro churras de aniversário da vó de Orlando. Já no caminho a coisa dá mostra de que será profissional porque os rapazes param num armazém pra se abastecer de dezenas de litros de cerveja. Eu e Douglas, os únicos coroas da turma, dale a provar cachaça feita de marijuana como bons pinguços que somos. Na casa, encontra-se uma galera muito gente fina. Entre os que me recordo, destaco Aline, namorada do Orlando e irmã do Bruno, Claudia, Noemia e mais 2 gurias adolescentes. Mas quem brilha na festinha é o elétrico Felipe que volta e meia dispara seu malicioso bordão “fogo na bomba”. “Diz aí Felipe o que é fogo na bomba”, pergunto, já bem tontinha, não sacando o óbvio ululante. “Fogo na bomba, Bea,” explica ele com ar didático, "é quando a gente vai botar uma pressão na figurinha...entendeu? Se não entendeu não tem mais como explicar”, finaliza ele sem mais esclarecimentos. E não é que os maranhenses sabem assar uma carne? Uma farofa deliciosa e o excelente molho de pimenta feito por Orlando são os acompanhamentos da churrascada. E mesmo bêbada consigo ainda filmar um pouco da esbórnia dominical. Tragoleu de entortar o pau da bandeira, tanto que nem lembro direito como fui parar em casa, deus que me perdoe, chegando contudo sã e salva. Tenho mais sorte que juízo, of course, pois quem têm amigos não morre pagã. Douglas, no dia seguinte, conta que além de eu trocar pernas e enrolar a língua...ai que horror, fui ao seu quarto, acendi a luz às 2 da manhã...ai que horror! pra lhe perguntar onde eu estava....ai que horror! Ala putcha, deus que me perdoe mas será assim até o final dos dias? Claro está que acordo na segunda-feira com aquela ressaca e até o início da tarde fico de repouso...ai que desperdício, recuperando as forças. Douglas, aparentemente, mostra-se bem disposto....que inveja! Na terça-feira de manhã, Douglas parte pra Belém. Tudo de bom tê-lo conhecido e desfrutado de sua agradável companhia durante essas 2 semanas. Um cara fácil de lidar o gringo. Mais uma vez encaro então o desafio de pegar a estrada e prosseguir a viagem solita. Será mesmo tão desafiante viajar só?! Não me ponho mais à prova viajando com outras pessoas já que tenho de ceder aqui, acolá em prol da tal de convivência?! E me ver confrontada diante de pontos de vista diferentes do meu não será também um desafio daqueles?! Ah, sei lá, o que sei é que tudo vale a pena quando a alma não é pequena!

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