Às 3 em ponto da madrugada de quinta-feira,
Nonato vem na pousada me buscar de quadriciclo. Vamos até o Canto do
Atins onde seu sogro, Antonio, pega a direção do veículo dirigindo por mais 5 km quando nos deixa à beira mar donde tem início a
pernada. A lua cheia brilha e ilumina a praia deserta, tanto que nem precisamos
de lanternas. Após 1 hora e tanto de caminhada, a tonalidade violácea do
amanhecer começa a se insinuar não tardando muito até que a claridade diurna se
instale. Centenas de pássaros voam em direção ao mar, destacando-se as esbeltas
gaivotas que pousam amiúde à beira d’água. Caminhamos um bom trecho ao longo da
praia quando avisto uma palhoça feita de caules e folhas de buritis. É a barraca do Bonzinho onde pescadores da região pernoitam quando
estão pescando. Se alguém estiver de passagem, é convidado pra comer um cozido.
Mais adiante, outra barraca onde um homem se encontra sentado à
porta. Abano de longe e dou bom dia. Nonato pergunta se quero ir até lá. Claro
que sim!! Quando chegamos sou apresentada a seu Codó, pescador
desde menino, como se apresenta o tranquilo homem. Magro e alto, guarda traços ainda atraentes do alto de seus 70 e
muitos anos. Deve ter arrasado alguns corações quando jovem! Gentil, traz 2
pedaços de isopor pra servir de banco pra mim e Nonato. No braseiro, um peixe
chamado pema grelha e seu Codó nos convida para comê-lo, fazendo jus à tradicional
hospitalidade caiçara de compartilhar as refeições. Traz um prato com farinha
amarela, daquela bem granulada. O desjejum dos caiçaras vem a ser essa mistura
das melhores, em termos de proteína e carboidrato: peixe com farinha! O delicioso
pema é de lamber os dedos o que faço porque, sem talheres, uso as mãos. Continuamos a
caminhada se internando continente adentro, deixando pra trás o mar cujo
bramido se escuta durante certo tempo. A pernada é um incessante sobe-desce
dunas, contornando lagunas cristalinas cuja coloração azul esverdeada cintila
entre a brancura da finíssima areia. Via de regra, as lagoas são rasas salvo a
das Caiçaras cuja profundidade na época das chuvas bate nos 6 metros de
profundidade. Numa das lagoas ao invés de evitá-la, mergulhamos até a cintura
em suas límpidas águas porque se assim não o fizéssemos teríamos de dar uma
baita volta. E foi ótimo porque apesar do céu nublado sinto muito calor. Não só
pela caminhada como porque carrego minha mochila. Vá lá não é assim tão pesada
mas pra mim tá sendo ardidão! O bom de fazer a travessia no final do inverno ao
contrário de no verão quando a areia fofa dificulta a andança é encontrar o terreno
compactado pela ação das chuvas, facilitando por demais a caminhada nas dunas. Tanto
que caminho sem qualquer tipo de proteção, de pé descalços. As gaivotas estão
enlouquecidas com nossa presença. Isso tudo porque os ninhos onde os ovinhos
jazem são escavados na areia. Putas da cara circulam rentes às nossas cabeças.
Nem ouso levantar a minha com medo de que alguma delas me bique. Permanecem uns
20 minutos nos seguindo, as danadas enquanto trinam freneticamente!! Nonato chama minha atenção pra 2 pontos
escuros ao longe: são Baixa Grande e Queimada dos Britos, povoados localizados
em oásis ou ilhas como os nativos
denominam esse verdor no meio do areal. Veículos automotores com turistas são
proibidos de transitar sobre as dunas, sendo, contudo, permitido seu tráfego ao
longo da praia onde os carros são deixados, partindo dali os turistas em
caminhada até os oásis. Nonato dá pra eu provar puçá, fruta de cor alaranjada,
pequena e gostosa cuja árvore é uma das que compõem a vegetação existente nos
oásis dos Lençois. Após 18 km de pernada, chegamos a Baixa Grande onde iremos nos
instalar por hoje. Aqui vivem 5 famílias que, a par da pescaria, tem no turismo
outra fonte de subsistência. A propriedade escolhida foi a de Dete e Moacir. A
maioria da filharada do casal mora ou em Santo Amaro ou em Barreirinhas
trabalhando ou estudando. Circundada por árvores e arbustos de murta e murici-mirim,
todas as casas são feitas com folhas e caules de buriti, exceto uma de
alvenaria, reservada pra ser a cozinha e o quarto do casal. A dos hóspedes é
espaçosa com várias redes penduradas lado a lado e toscas prateleiras pra acomodar
mochilas e outros equipos. Divido o recinto com dois grupos cujas integrantes
são todas cariocas. Num há 4 mulheres e noutro 2. Todas jovens, sem terem ainda
avançado nos quarenta. Descolada, a mulherada não é marinheira de primeira
viagem neste tipo de aventura. São rodadas as gurias. Convivem
no amplo pátio cachorros, porcos, galinhas e cabritos, sendo que o galo não
pára de cantar seja dia seja noite. Há 2 banheiros e 2 chuveiros ao ar livre. A
palhoça ao lado do refeitório tem uma mesa de sinuca mas não é isso que me
enternece e sim a existência do gerador, movido a diesel, que fornece
eletricidade a partir das 18 horas, permitindo, assim - aleluia! - que se
carreguem celulares e outros dispositivos eletrônicos. De almoço, tem robalo
fresquinho, pescado por Moacir cedinho na manhã. Mas se o turista quiser Dete
prepara galinha ensopada, morta na hora. Moacir e Dete vem a ser outro casal
que vive de falar mal um do outro. Ele se lamuria do casamento, se indigna
porque ela o faz trabalhar – hahahaha -, ela, por sua vez, se queixa de que ele
só pressionado faz as coisas. E assim eles vão levando a vida há mais de 30
anos, sempre juntos como joanete no osso do dedão do pé. Durmo após o almoço
pesadamente tão cansada estou. Aliás todo mundo arriou nas redes curtindo
aquela soneca. Lá pelas 4 da tarde, saímos pra ver o pôr do sol nas dunas. A
meio do caminho, tomo um refrescante banho numa das muitas lagoas existentes ao
redor do oásis. A água morna e um ventinho gostoso vindo do mar - se encontra tão-somente
a 15 km – fazem com que a lombeira da sesta se dissipe. Escalamos uma alta duna até seu topo donde podemos ver o pôr do sol, um escândalo de lindo. Agora 18 e 30 o bom
odor vindo da cozinha onde Dete prepara a janta aguça meu apetite. Vai ter
peixe novamente, eba! Após a janta, uma fogueira é acesa no pátio e somos, as
gurias turistas, convidadas pra nos sentar ao redor. O que posso desejar mais
da vida do que a fulgurante lua cheia no céu e, na terra, a tremeluzente fogueira?
Sem deixar de lado, é claro, o bom conversê com as colegas de pernada. Realmente,
estou no paraíso e não morri!!
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