segunda-feira, 7 de maio de 2018

Abraçasso no Brasil 2018: Região Norte - Jalapão - Num Paraíso de Fazenda

Pra variar chego novamente à noite em Palmas dirigindo desde Alto Paraíso de Goiás. Acontece que gosto de parar pra fotografar e filmar, bater papo com os nativos, comer e, claro, fazer xixi. Estou aprendendo a não ter pressa em chegar. Douglas, sessentão, radicado há anos na Venezuela onde tem uma agência de turismo de aventura, me aguarda num restaurante na esquina do hotel onde está hospedado. Conheci o bem humorado britânico (yo soy britanico, como faz questão de frisar), em São Jorge, acampado no mesmo Canto da Coruja onde eu também ficara. Descobrimos conversa vai, conversa vem, que estivéramos tanto no Nepal quanto no Paquistão e aí então a conversa fluiu mais animada ainda. Ele como eu está viajando de carro pela América do Sul tendo já percorrido 35 mil km. Genuinamente aventureiro, foi dono de escola de inglês em Caracas, enchendo o saco de estar preso entre 4 paredes e começou a fazer guiadas a serviço de agências inglesas em especial pra monte Roraima e Auyantepui. Quando lhe proponho que viajemos juntos em sua caminhonete pro Jalapão e dividamos o combustível, topa sem hesitações. Too nice tratar com gente descolada. Combinamos partir na segunda. Gosto de cara de Palmas, cidade construída à semelhança de Brasília e com população de apenas 300 mil almas!! O tráfego de carros é super calmo porque a cidade não está atulhada de gente! À tarde, lá pelas 16 horas, aproveitando que refrescou um pouco, embora eu adore cidades-fornos, tipo Palmas, aproveito o restante do domingão e dou uma pedalada até Luzimangues cruzando a ponte sobre o Tocantins. Num trecho protegido por redes de arame devido à existência de piranhas, tomo banho nas águas mornas do rio, após o pedal porque fiquei com o rosto cheio de teias de aranhas devido ao matagal que cresce na passarela de pedestres ao longo da ponte. Como o pedal não foi suficiente pra minha sede de atividade física, alugo um caiaque remando nas águas calmas e sem vento do rio, com o sol se pondo num entardecer sedosamente avermelhado....lindão demais! As barcas turísticas com seus tombadilhos iluminados por luzinhas coloridas donde ecoam músicas com uma pegada de carimbó, retornam à praia da Graciosa trazendo uma galera super animada depois dos passeios a outra margem do rio. Numa das barcas, com palmeiras no convés, uma banda toca ao vivo fazendo as pessoas dançarem animadíssimas alegres músicas bregas. Jet skis seguem atrás.....tudo muuiiitooo divertido! Dá vontade de seguir no caiaque dançando também hahaha. Saímos de Palmas às 10 rumo ao Jalapão uhuuu há tempos na minha mira!! Escolhemos entrar por Ponte Alta (pode-se entrar também por Mateiros ou São Felix do Tocantins) onde paramos pra comprar mantimentos no armazém da cidadezinha, passando antes por Santa Teresa de Tocantins. Entre essas duas cidades, em um bom trecho da rodovia, o asfalto quase inexistente expõe enormes buracos exigindo que se dirija prudentemente despacito. A agradável descoberta do pequeno canyon do Sussuapara um pouco depois de Ponte Alta já é um prenúncio dos belos cenários que viremos a conhecer no decorrer dos 9 dias que passaremos no Jalapão. Poderíamos ter chegado na fazenda que pertenceu a Pablo Escobar bem antes das 18 mas Douglas teimou em seguir por uma estradinha que deu em lugar algum, embora eu tenha avisado que a estrada era outra. Homens sempre acham que sabem mais que mulheres em questão de navegação, ainda mais esse que se gaba de ser guia (acho que o ascendente dele é leão hahahaha!). Na propriedade do famoso traficante, foram construídas várias casas de alvenaria ainda em bom estado (devem ter sido construídas na década de 80), algumas exibindo requintes como portas francesas e enormes vasos enfeitando seu exterior. O lugar onde armamos nossas redes, uma grande varanda com balcões e pias conduz a um corredor com vários quartos em ambos os lados, todos com banheiro e espera de ar condicionado. O céu sem nuvens, estreladíssimo, um colírio pros olhos quando acordo às 2:30 pra fazer xixi. Embora já minguante a lua ilumina perfeitamente o terreiro em frente à construção onde estamos instalados. Na terça, pedalo da fazenda até à cachoeira da Velha enquanto Douglas segue em sua caminhonete. Recém terminada a época das chuvas, que se iniciou em outubro, rios e cachus estão bombando como a esfuziante cachoeira da Velha. A cachu, espetacular, apresenta 2 saltos e dali pode se fazer raft que nesta época do ano é nível 4 neste trecho do rio Novo. Guilherme, Sara e Rafael que se encontram lá trabalham com turismo no Jalapão e dão boas dicas pra nós. Da Velha se vê a serra do Jalapinha, uma pequena extensão de planalto com o topo achatado que lembra os tepuis venezuelanos. Até hoje salvo os quilombolas, ninguém se arriscou a subir até o cume porque o acesso é difícil devido às veredas de buriti. Há outras serras com formatos similares à do Jalapinha sobressaindo na paisagem do Jalapão onde savanas, matas ciliares e cerrado se alternam. O céu é coalhado por gordas e brancas nuvens que vez por outra lançam sombras aliviando um tantinho o forte calor tropical da região. As estradas de chão batido são verdadeiros testes pros motoristas e carros, que têm de ser 4x4, traçados como são chamados aqui tais veículos. Quando não são esburacadas com enormes valas mostram-se verdadeiros arenales. Imagina só elas na época das chuvas, o lamaçal que não devem ser, atolando carro a 3 por 4! Sorte minha que vim no carro de Douglas porque no meu talvez não tivesse dado conta. Minha habilidade na direção é limitada nesse tipo de terreno. Da Velha vamos até a Prainha onde tomamos um refrescante banho no rio Novo. O calor é maravilhooosoooo.....bafão demais, coisa boa!! Quando saímos dali, Douglas começa a passar mal. Obrigado a parar o carro amiúde pra vomitar, o coitado ainda pede desculpas pelo transtorno! Estou um pouco aflita, proponho inclusive voltarmos pra Palmas mas ele se recusa embora seja evidente que está passando mal. Pra nossa sorte, vemos na estrada uma tabuleta de madeira indicando um camping a 9 km. Embarafustamos na arenosa trilha e assim chegamos no lugar, um verdadeiro paraíso. Os donos não se encontram o que não nos impede de armamos nossas redes. O homem cai que nem um saco de batatas, esgotado de tanto vomitar. Antes de jantar, tomo um banho no rio Novo. Aos 2 dogues que aqui se encontram, mansos e super sociais, dou os ossos da galinha que usei no preparo da canja pro pobre enfermo. Não dá outra, os 2 não me largam mais, dormindo ao lado da rede, como autênticos guarda-costas! Já deitada, escuto um barulho metálico e levanto assustada. Pra minha surpresa, é um dos cachorros tentando furtar da panela a canja! Durmo embalada pelo delicioso rumorejar das pequenas corredeiras do rio Novo que corre a 20 metros donde estou deitada. Aliás é um rio de forte correnteza e não dá pra se arriscar muito além de sua margem. À noite faz uma friaca respeitável tanto que apelo pro meu saco de dormir porque só com a canga que faço de lençol não deu pra aguentar. Na quarta achamos melhor aqui permanecer porque Douglas continua ruinzinho; me conta acabrunhado que vomitara durante a noite. Do outro lado do rio Novo, já terras pertencentes ao Parque Estadual do Jalapão, brilham ao sol as areias douradas de pequenas praias. O trinar dos pássaros é constante. Agora mesmo um beija-flor veio me visitar, me olha enquanto bate suas asas naquele ritmo frenético e depois se vai. Uma preguiça gostosa toma conta de meu corpo. Quando não estou na rede lendo, estou no rio me refrescando e assim o dia vai findando sem eu sentir. À tardinha, chega o casal proprietário da terra, Antonio e Milma. Lá pelas tantas depois das apresentações ele pergunta pro Douglas “já parou com a vomitação?”. O casal é goiano, ela do signo de touro, ele, de aquário. Convidam apenas eu pra jantar. Douglas foi obrigado por Milma a comer mingau de fubá por ela preparado, que o coitado detestou. Escondido, deu pros cachorros a paçoca devorada em 10 segundos hahahaha. Assim, na sala-cozinha-copa- despensa, nós 3 de pratos nas mãos comemos uma delícia de comida caseira, feita por ele já que Milma tem problema no braço em decorrência duma fratura no ombro. Durante a refeição cada um se auto-elogia e tasca a falar mal um do outro. Enquanto ele tece loas às qualidades de seu signo, ela faz sinais para mim denunciando que o marido é dinheirista embora ele alegue que não, tanto que só lê livros sagrados. Indago se é a bíblia, ele diz que são os espíritas, hahahaha. Milma me ensina a ser esperta com os homens. Assegura que traz o seu no cabresto, inclusive com tornozeleira. “Mas ele não sabe disso, né?” pergunto eu. “Nem sonha, sou muito esperta, inteligente, observadora, os olhos bem abertos. Tem de se tratá-los assim com rigor, eles são muito sem-vergonhas. Esse come na minha mão”, revela Milma. Na quinta, Antonio me leva até a palhoça-restaurante com a desculpa de me oferecer uma prova de cachaça com murici. Na verdade, quer me contar que tivera uma namorada antes de casar, a melhor mulher com quem já transara (isso depois de ter sabido que eu como ela sou de escorpião, signo - pobre signo!! - que carrega um estigma de sexualidade insaciável....eu hein!!). Acrescenta, pra ver se eu me enterneço (hahahaha, engraçadinho demais esse senhor!), que Milma não é carinhosa, quando quer sexo se faz de bruta, sem finesse alguma, aponta pra ele e diz na lata, “quero transar”. Mas ele – tsk tsk tsk -  não! é sujeito muito carinhoso, sabe fazer dengos numa mulher (tô me contendo pra não cair na gargalhada diante da cantada do velhote que apesar de seus 77 anos se mantém em boa forma). As feministas que me perdoem mas não consigo ficar indignada. Aceito na boa a canhestra cantada de Antonio, que de certa forma me deixa envaidecida....bom se sentir desejada, não é mesmo? Fico sabendo por Milma depois de ter dormido na rede distante 200 metros da de Douglas (além de estar doente como o homem poderia me acudir se tão longe de mim, né?) que as onças não fazem barulho algum, nem quando andam sobre folhas secas....putz, bem melhor ter passado sem essa...santa protetora é a ignorância! Como é imperioso ter cachorros nessa região porque dão aviso quando se aproximam predadores, Antonio trouxe mais um dogue. O baita animal, de pé, tem meu tamanho: 1.53 m, ao contrário dos outros dois, uns nanicos. Esse sim ombreia com uma onça, sô! Dorme à noite embaixo da minha rede não sem antes fazer aquela folia com os nanicos. É novinho, bruto e afetuoso. Hoje, quinta-feira permanecemos aqui embora Douglas já esteja recuperado de sua intoxicação alimentar. Dou uma banda até a belíssima praia da Carioca também pertencente a Antonio e vejo na areia fofa e branquinha diversas marcas de patas de animais, podendo inclusive que alguma seja de onça. Bah! como gostaria de ver uma onça pintada, estes belíssimos gatões selvagens. Na sexta, quando estamos indo embora, Milma muda o discurso e declara que o marido é o esteio de sua vida, que teme que ele morra antes dela porque sabe que os filhos não vão cuidá-la. Ele, que está escutando, manifesta a mesma preocupação em relação à mulher. O curioso é que na hora do pega pra capar eles se protegem....que dupla!

Um comentário:

MimiChaudon.blogspot disse...

Oi amiga, ri muito aqui com a cantada do Antonio! Me lembrou aquela cantada lá no restaurante Iaiá em POA! Minha amiga atrai olhares e os homens ficam encantados com sua vitalidade e beleza!
Adorei tudo!