Bruno, que tem assuntos a tratar em São Luís, pega carona comigo e lá vamos nós saindo de Carolina às 6, porque quero na passagem conhecer o Portal da Chapada, situado à beira da BR 230. O Portal vem a ser uma big pedra furada localizada no topo duma pequena colina. Dali vejo o sol dando as caras na banda oriental de modo a iluminar com sua cor dourada os chapadões e serras ao redor, destacando-se, como sempre, o onipresente Morro do Chapéu além dos Portais da Chapada, dois monolitos gigantescos que ladeiam ambos os lados da rodovia como se fossem sentinelas avançadas do cerrado. Depois do momento turístico, seguimos pela BR 010 quando na altura de Campestre do Maranhão vejo o primeiro piquete dos caminhoneiros grevistas. E assim foi ao longo de todo o percurso até São Luís com barreiras situadas, estrategicamente, nas entradas das cidades. Em duas delas, pneus queimando, em outras, faixas pedindo a volta dos militares. Contudo, não somos parados, tampouco sofremos qualquer tipo de hostilidade. Percorremos um belo trecho sinuoso uma vez que parte da rodovia foi construída em encosta de serra. Até certo ponto a BR mostra-se boa mas a partir de Santa Inês a pavimentação vai de mal a pior, com o asfalto carcomido por uma buraqueira sem fim. Como a agulha do mostrador de combustível indica apenas ¼ de tanque, paro num posto e completo com etanol já que gasolina está em falta devido à greve dos caminhoneiros. Chego exausta na capital maranhense, por volta das 10 da noite, e depois de deixar Bruno na casa dum primo me mando pro hotel. As filas ao redor dos poucos postos de combustíveis abertos são quilométricas o que me deixa impressionada com a força do movimento paredista. Minha passagem por São Luís é tão vertiginosa quanto os borrões de paisagens revelados através da janela pelo deslocamento dum trem-bala. Essa é minha impressão quando cruzo a ponte sobre o rio Anil e tangencio a cidade histórica mal vislumbrando seus casarios da época colonial. Assim, eis-me no sábado, rumo ao Parque Nacional dos Lençois Maranhenses. O famoso atrativo turístico está inserido no bioma cerrado formado por áreas de restinga, campos de dunas e costa oceânica. Em sua área de 155 mil hectares, 90 mil são constituídos de dunas e lagoas interdunares, abrangendo três municípios maranhenses: Barreirinhas, Santo Amaro e Primeira Cruz. Escolho entrar por Barreirinhas. Ao longo dos 260 km que levam à cidade só encontro combustível no único posto que ainda tem gasolina. Isso depois de rodar 140 km e me deparar com todos os postos ao longo da rodovia fechados por falta de combustível. É....a greve não é de brincadeira, não!! Como não pretendo ficar em Barreirinhas a não ser esta noite, durmo numa pousada furreca por 80 reais cujo dono Assis chama o enteado de menino, ralhando sem parar com o coitado. De feições lombrosianas e magro, o sessentão Assis é bem prestativo, enquanto sua submissa e jovem mulher deixa escapar fugidios sinais de desconforto com o jeito ranzinza dele. Sua pele é tão sedosa que resisto à tentação de tocá-la. Após deixar o carro e a bici na pousada, parto domingo cedinho de Barreirinhas, sem saudades, numa voadeira repleta de turistas navegando ao longo do rio Preguiça. Paramos em Vassouras, depois em Mandacaru e por fim em Caburé onde almoçamos. Tanto Vassouras quanto Caburé se localizam na margem direita do Preguiça e pertencem aos Pequenos Lencóis, já Mandacaru se encontra no outro lado do rio. Provo a excelente caipirinha de Barroso cuja barraquinha feita de folhas de buriti oferece além dos drinques o conforto de redes estendidas sobre as águas do rio. Enfim, chego a Atins (significa gaivota) no meio da tarde onde pretendo ficar nos próximos dias. Acquamarina, minha pousada, exibe o tal estilo rústico charmoso. Três gatos, 2 brancos, adultos, e uma pequena, tigradinha, chamada Lulu mais o dogue de nome Xangô passeiam, dormem e se espreguiçam entre os móveis da sala. O dono, um alemão, não se encontra no Brasil, está em seu país. Quem toma conta é Sulivan, nativo de Atins, cujos olhos de lindíssima coloração azulada são rodeados por fartos cílios escuros. Sua má dicção dificulta entendê-lo facilmente. Carlitos, meu guia, é outro que tem também péssima dicção. Segunda-feira pela manhã, dou um rolê daqueles de se perder pela vila. Assim fico sabendo que Atins e Santo Inacio são lugarejos distintos separados por um dos igarapés do rio Preguiça. Segundo informações dadas por um nativo com quem bato papo, o agito, quando acontece, é nesta vila. Já Atins é puro sossego com 2 igrejas evangélicas. Um encanto as 2 vilas que, ainda não conspurcadas pelo turismo massivo, guardam – graças a deus – características marcantes de povoados de pescadores. Suas ruas sem exceção são todas de areia branquinha com abundante vegetação, predominando coqueiros carregadinhos de frutos. Muitas vielas alagadas parecem aos desavisados pequenos lagos já que no litoral nordestino mal se está saindo do inverno cujos chuvarais se estendem de dezembro a maio, via de regra. Almoço no restaurante Céu Aberto o carnudo croaçu, ensopado com batatas, cebola e leite de côco. Nada demais a refeição. O peixe grelhado do Rico ontem à noite estava bem melhor. À tardinha, atravesso o rio Preguiças na canoa de Carlitos e vamos até uma ilha onde do alto das dunas avistamos Caburé e Mandacaru. Tudo pra ver o voo dos guarás. Os maruins, mosquitos semelhantes às pulgas, cuja gana de sangue bate ao cair da tarde, estão picando pra valer tanto que voltamos rapidinho pra canoa. Aos poucos, bandos de guarás riscam o céu retornando aos galhos das árvores onde pernoitam. De longe, os pássaros assemelham-se a flores vermelhas! A lua cheia está a mil no céu e o calor tropical, úmido e quente, pra mim é uma benção!! Na terça-feira, guiada por Carlitos faço um bate e volta de 15 km até o Canto do Atins onde tem início o paraíso de dunas entremeadas de lagoas formadas pelas águas das chuvas. A caminhada inicialmente se dá à margem esquerda do rio Preguiça e depois sobre altas dunas. A uns 2 km do centro da vila, no encontro do Preguiça com o mar, em se prestando atenção, dá pra perceber a diferente coloração das águas doce e salgada coexistindo na foz do rio. Atravessam-se pequenas dunas, cobertas por capões verdejantes, paralelas ao rio até se alcançar uma pradaria formada por vegetação de restinga que se estende até o sopé das dunas. No terreno, brilham pequenas lagoas de águas rasas cor de caramelo enquanto as das dunas são ora verdes ora azuladas, sempre transparentes. Escutam-se amiúde os pios agudos dos mendanhas, pássaros lindíssimos de formato aerodinâmico, além do trinar característico dos quero-queros super ciosos de seus ninhos feitos na areia fofa e branca do chão. Nosso destino, o restaurante do Sr. Antonio (assim anuncia a placa na entrada do estabelecimento) fica num pequeno oásis. Tem redário pra se descansar após as refeições e quartos pra quem quiser lá pousar. O camarão grelhado, regado com molho cuja receita é guardada a sete chaves, é dos deuses. À noite, curto o espetáculo da lua cheia, um escândalo rosa-alaranjado do alto das dunas onde se encontra o bar e restaurante Zero Stress, cujos proprietários Lu e Paulo adotaram como bichos de estimação um casal de cabras. Se perfeição existe, seu nome é Atins! Dia seguinte, vamos eu e Fernando, outro hóspede que chegou na pousada ontem, até Caburé no barco de Carlitos. O objetivo é provar as deliciosas batidas preparadas por Domingos, o que não rola - uma pena - porque ele lá não se encontra. Pouca demora, navegamos até Mandacaru onde almoçamos, não sem antes subir os 165 degraus até o topo do Farol Preguiças donde se tem uma vista privilegiada do rio e mais além do mar. Em Mandacaru, não tem como não provar as batidas feitas por outro bruxo dos drinques, bem como os deliciosos sorvetes e picolés de frutas do cerrado vendidos na sorveteria Lençois Maranheses. O sempre risonho e solícito Carlitos cujo mantra quando se pede algo é “na hora”, hoje se mantém pouco falante depois do sermão que ontem lhe pespeguei sugerindo que maneirasse no falatório. No retorno a Atins, passamos pela vila Bar da Hora, assim chamada porque alguns anos atrás quando o turismo ainda não chegara à região, o proprietário, Chico da Fia, atendia os pescadores que lá atracavam a qualquer hora do dia ou da noite, pouco importando se fossem 2 da tarde ou da manhã! À tardinha, tomo um belo banho no rio Preguiças cujas águas cálidas são tudo de bom! Retorno à pousada onde peço uma caipira pra Sulivan por mim apelidado Suli. Falando alto, meio injuriada com seu computador, chega Lindinha amiga de Suli com 2 cevas. Assim tem início a happy, reforçada pela chegada de Fernando, Carol e seu namorado. Ela é DJ em Sampa, se apresentando também no exterior. Vamos jantar os 4 no Filhos do Vento. Terminada a refeição, os 3 tomam o rumo do Zero Stress. Já eu regresso à pousada pois tenho de acordar às 2:30 já que Nonato, meu guia, vai me pegar às 3 pra começarmos a travessia de 3 dias entre as dunas do parque que finda em Santo Amaro...uhuuuu!!
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