terça-feira, 24 de julho de 2012

Esqueceram de mim!

Embora tenha saído relativamente cedo do pub, durmo pouco, tanto que às 4 da madrugada já estou de olho bem aberto. Sei lá se por causa da altitude ou porque estou sempre ligada nos 220! Aproveito e transfiro as imagens das tarjetas pro netbook, já as nomeando. Dessa forma, menos trabalho quando chegar ao Brasil. Entretida em responder emails e mensagens no facebook, constato que já são 9 da manhã. Como o tempo voa! Cansada de tanto estar sentada, saio pra esticar um pouco as pernas. Compro duas camisetas de times de futebol bolivianos pro meu filho e umas coisinhas pra mim na Tatoo. Retorno ao hotel e continuo o chatésimo trabalho de nomear fotos e organizar as sequências de vídeos. Lá pelas tantas, me dou conta de que estou brocada de fome. Pudera, já passa do meio-dia! E nada do pessoal chegar pra me pegar, conforme combináramos ontem à noite. Dou um desconto porque a farra deve ter sido grossa. Como não aparecem, desisto de esperá-los e trato de sair pra almoçar. Terminado o sofrível prato típico servido no La Casona, escuto, enquanto estou escrevendo, “Bea...Bea”: é Marski que se encontra com o restante do pessoal no mezanino.Fico de cara ao perceber, rapidamente, que, se eles já se encontravam no restaurante quando eu lá chegara, fora porque não tinham ido ao hotel me buscar....caro Watson! Mas que coisa, igual ao filme “Esqueceram de mim”. Marski tenta me enrolar explicando que estivera no hotel cedo mas eu não atendera ao telefone. Tsk tsk....muito babaca a desculpa. Marquitus, mais sincero, admite que, sim, se esqueceram de mim. Os outros, indiferentes, estão nem aí. Confesso que fico chocada com o descaso do grupo. Reclamo, então, pros meus botões: “putz grila, que tipo de parceria fudida é essa? A tal camaradagem, durante os 5 dias de acampamento, virou pó de traque assim que a gente chegou na civilização, é? Ou o ‘esquecimento’ é porque sou uma senhorinha de ½ idade e não uma jovem gostosinha que nem Sabrine?”. Chego à dura conclusão que, fosse eu uma gatinha e não uma gastinha (legal esse jogo de palavras, né?), o macharedo, com certeza, estaria batendo entusiasmadíssimo à minha porta. Embora disfarce (sou metida a durona), tô deveras magoada. E com raiva! Por isso trato de me despedir deles. Necessito ficar sozinha pra digerir o sucedido. Aos poucos, o ressentimento vai sendo distraído pelo burburinho de La Paz. Tão envolvente essa cidade com seu efervescente comércio! Me pego comparando-o com os bazares de Kathmandu. Uma loja atrás da outra vendendo não só todo tipo de bugiganga que se possa imaginar como produtos essenciais ao dia-a-dia. Os trajes típicos, a sujeira, o aparente caos no trânsito, os produtos falsificados, tudo isso lembra um pouco os bazares de algumas cidades asiáticas que conheço. A calle Santa Cruz, por exemplo, é dum ecletismo que desafia qualquer demanda. Começa com tendinhas de artesanato, depois passa para lojas de artigos desportivos que dão espaço a uma ativa mercancia de ferragens. Lojas de tecidos coloridos são sucedidas por lojas de produtos eletrônicos. Já na calle Garzon, confeitarias especializadas na confecção de bolos de noivas estão convenientemente instaladas ao lado de butiques onde são vendidos trajes nupciais pra lá de bregas. Nas ruas apinhadas de gente, o tráfego incessante de veículos, a maioria, velhos e mal cuidados, resulta numa poluição tal que, ao final do dia, teu nariz está igual a uma chaminé: preto de craca. Subir as íngremes ladeiras desta cidade, por si só, já se constitui num treinamento para ascender às montanhas, hehe. Uma hora de caminhada aqui cansa o equivalente a 3 horas de pernada ao nível do mar, ala putcha! Ao anoitecer, as chollas preparam, em bancas dispostas nas calçadas, bifes, batatas e ovos fritos. Ao lado, em copos de vidro transparente, chás onde boiam rodelas de laranja e limão. Suponho que seja para facilitar a digestão. Mais adiante, estão expostas grossas fatias de abacaxi, enquanto, na banca vizinha, sacos de amendoins, de rodelas de bananas fritas, de abas e de castanhas constituem ardilosos chamarizes à gula. O sujeito tem a sua disposição uma refeição completa: do aperitivo à sobremesa! E, assim, com todo esse caleidoscópio de imagens girando na minha cabeça, recolho-me ao hotel para pôr no papel minhas impressões. Meu isolamento é quebrado pelo toque do telefone. É Bruno. Desço e encontro também Marquitus. Veio me chamar pra jantar com o grupo. E tudo acaba em pizza, literalmente, porque vamos a uma pizzaria celebrar nossos últimos momentos juntos. Retorno ao Brasil, no voo que parte de La Paz bem cedinho na quarta-feira,  ao passo que alguns deles ainda permanecem por aqui. Vão tentar novos cumes. Consigo dormir um pouco antes de partir pro aeroporto, já que tenho de estar lá às 5 horas. Enquanto o táxi roda, o que vejo é uma cidade diferente daquela que curtira durante o dia. Estranhamente silenciosa e vazia. As escadarias e o largo da igreja de São Francisco, que há um par de horas se mostravam apinhados de nativos e turistas, se encontram sem viva alma. Assim também a avenida Santa Cruz e a calle Sagarnaga. Sem a algazarra e o bulício diurno, parece uma cidade fantasma. Interessantíssima essa faceta paceña! Quando estou em El Alto, a última imagem que tenho de La Paz é a visão dum fiapo branco de nuvem pairando sobre a cidade. Como um véu de noiva.

3 comentários:

Miriam Chaudon disse...

Que "grupo" vacilão.....esquecer assim uma integrante....
Mas você "tira de letra", não é mesmo Bea?

Ana Belbut disse...

Olá!

O meu nome é Ana, sou estudante de Relações Internacionais e moro em São Paulo desde Fevereiro. Decidi largar tudo e seguir viagem, meia à deriva, sem dinheiro, pelo Brasil. Apenas contando com a boa vontade das pessoas com quem me cruzar, caronas, trocas de serviços, bicos e mendigagem. Como não vim preparada com material de campismo de Portugal, escrevo para pedir qualquer contribuição, desde um pacote de arroz a um conselho, um saco de dormir a uma tenda que estão a ganhar pó e ocupar espaço, de um cobertor a uma canga, uma bússola a um isqueiro, qualquer coisa pode ser útil! Ficarei extremamente grata a quem puder contribuir e retribuirei de alguma forma igualmente útil.

Obrigada!

FB: ana_belbut@hotmail.com

Alessandra disse...

Oi Bea, faz tempo que não apareço por aqui, está lindo o blog como sempre. Como vão as escaladas?