sábado, 2 de julho de 2011

Ao desânimo dou albergue, à desistência, rua!!

Orley, meu profe de escalada, pediu que escrevesse algo de minha viagem à Bolívia. A que fiz neste mês de julho de 2011. Entretanto, a deste ano conduz à do ano passado. Inevitável. Mas que dá um branco contar minha aventura, ah, isso dá! Difícil, assim, de encomenda! Por isso, há 2 dias venho pensando, remoendo, arriscando até algumas reflexões. Tão xinfrins que dou um chega pra lá nelas. Melhor, pensando bem, ser simples, direta. Portanto, mãos a obra! Bueno, viajar à Bolívia em busca de montanhismo significa ir ao encontro de montanhas cujos cumes penduram-se entre os 3.000 e os 6.600 metros acima do nível do mar. O mais frequentado dos gigantescos afloramentos rochosos vem a ser a Cordillera Real. Esse formidável playground de picos gelados é um prato cheio pra quem deseja se iniciar no montanhismo. Soma-se ao apelo vertiginoso das altas cumbres uma condição climática super favorável, em especial aos neófitos nesse esporte. Pra nós brasileiros, tais platitudes constituem um atrativo irresistível, um objeto de desejo que derrubou, não poucas vezes, namoros e casamentos. Porque em solo brasileiro não existe nada semelhante  Vejamos: a maior elevação tupiniquim, Pico da Neblina, não atinge os 3 mil metros (alguns estudiosos, contrariando tal estimativa, afiançam que ele ultrapassa em 80 m os 3 mil). Bueno, sem querer desprezar os cumes pátrios, deixemos de lado as mesquinhas cifras e nos concentremos apenas nas dificuldades da ascensão, na tal exposição, ou, seja lá, o que isso signifique. Até porque altura não é documento, assim como tamanho de pênis não é garantia duma boa trepada. Corroborando tal máxima, muitas de nossas “montanhas” não são nada fáceis de ascender. Pico Paraná, por exemplo, é bem marrento. E como! Em nossas serras, como exemplo, cito as do Mar e da Mantiqueira, os matagais espinhentos, as irritantes florestinhas de bambu e os tortuosos campos crivados de capim-elefante complicam deveras as travessias e chegadas aos cumes. Pero, alta montanha é foda, gente! Não me entendam mal, montanhistas brasileiros! Por favor....sim? Não quero com tal observação desprezar nossas modestas cumbres. Muito pelo contrário. Adoro palmilhar nossas serranias exuberantemente verdes ou não (vide os cerrados). Pero, a altitude, o frio e a ignorância em matéria de equipos adequados complicam bastante a aclimatação da galera brasileira que respira clima úmido em 80% de seu território. Foi bem isso o que se passou comigo nesta segunda estadia em solo boliviano. E olha que moro no sul onde reina um certo friozinho no inverno. Ano passado, tirei de letra a aclimatação na Bolívia. Pode-se até dizer que foi suave, já que senti apenas leves dores de cabeça, abafadas rapidamente com comprimidos analgésicos. Desta feita, não levei a sério o sábio conselho de ingerir, nos primeiros dias de permanência em La Paz, que se encontra a 3.700 m de altitude, comidas leves. Me achando “a tal”, a nega véia do montanhismo, acostumadésima aos altos píncaros (que viagem, meu deus!!), mandei ver num restaurante chinês da calle 20 de Octubre. E com avidez, sem nem mastigar direito, como se estivesse ao nível do mar, devorei rolinhos primavera, salteñas, arroz shop suey e camarão com pimentão. No meio da madrugada, acordei com uma puta dor de cabeça. Doía como se soqueada por uma manada de búfalos, daquelas dores excruciantes que se sentem somente após um tragoléu a la cowboy....ai que horror!! E somente água foi o que bebi durante a janta. O estômago, embrulhado, implorava uma ida ao banheiro. Sacrifício extremo levantar da cama e arrastar meu corpo fragilizado até o vaso sanitário. E nada saía garganta afora! Sem outra alternativa, fui obrigada a “chamar o hugo”. Durante dois intermináveis dias, permaneci sitiada no hotel, obrigada a assistir a horrível programação da net boliviana, numa tevê de tela pequena, com imagens distorcidas por interferências sem qualquer intenção semiótica. Sei lá se por masoquismo – deixo que Freud trate disso – congelei o controle remoto num canal de novelas mexicanas. "Deliciosa e instrutiva" convalescença a minha! No terceiro dia – aleluia!! – já restabelecida, reúno-me a amigos brasileiros e com eles faço um tour na região da cordilheira ocidental onde se espalham sobre o altiplano boliviano, entre outros, três grandes vulcões inativos: Sajama, Parinacota e Pomerape. E rios de águas calientes. E gêiseres!! Pequenos, por supuesto, emanando, todavia, discretas fumarolas que encantam nossos olhos virgens de tais fenômenos geológicos. E muitas lhamas e vicunhas que fogem ariscas quando se tenta fotografá-las de perto. Retorno a La Paz de modo a ultimar os preparativos de minha ida ao maciço Condoriri. Onde se elevam dezenas e dezenas de 5 mil. Meu objetivo da vez? O Pequeño Alpamayo com seu adorável formato piramidal. Ano passado, a meta foi o Huayna Potosí. Pra aclimatar, realizei antes uma caminhada de quatro dias cujo ponto de partida foi a laguna Tuni, seguido por um pernoite na laguna Chiartkhota tendo como pano de fundo a hipnotizante visão dos nevados do Condoriri. Tudo sob uma lua crescentemente gorda num céu fartamente estrelado. No segundo dia, subida ao cerro Áustria, um 5 mil pra treinar as pernuchas pro grande dia! Nos demais dias, contornei não só a famosa e temível face oeste do Huayna como ainda sua bem menos conhecida e inacessível face sudeste. Finalizei a pernada, no refúgio Huayna Potosi, ponto de partida de ascensão à famosa face leste do Huayna. No meu caso, fi-la pela via normal. Rota dos Franceses é pra galo cinza. Sou ainda uma humilde galinha garnizé, hehe. Equilibrando-me desajeitadamente em botas duplas de plástico, embutidas em crampons de metal, palmilhei, ao longo de 800 metros, durante 6 horas, “suaves” rampas cobertas de gelo e neve, cuja inclinação média de 20º, alcança em certos pontos 40º. Não foi nada fácil aquela pernada! Porém bom demais foi ver euzinha empoleirada na mais alta escada de minha vida: 6.088 m de degraus!!! Hahahaha!! Dizem que a altitude provoca euforia. Será? Hahahaha!! Falando sério, o Huayna Potosí é uma boa escolha pra quem deseja se aventurar no montanhismo de altitude. “Facinho”, esse seis mil, é feito geralmente debaixo de alto bom tempo, sem vento algum embaraçando a pernada. Este ano, entretanto, acredite se quiser, não consegui fazer o Pequeño Alpamayo. E, vejam, soma apenas 5.370 m! Tive de me contentar com o anticlímax dos 5.320 m do Tarija. E a verdade deve ser dita, doa a quem doer!! O Tarija, tecnicamente, não deixa de ser um platô que antecede ao Pequeño Alpamayo. Um prêmio de consolação pra quem não alcança o verdadeiro cume. Embora a diferença em altitude seja de 50 metros, não confundamos alhos com bugalhos. Há que se considerar que a distância entre os dois cumes perfaz longos e extenuantes 150 m de sobe e desce. Cobertas de neve desde sua base, estas montanhas são separadas por duas estreitas cristas, chamadas pelos bolivianos de “palas”, onde mal e mal pisam dois pés. De ambos os lados, descortinam-se altos despenhadeiros. É necessário galgar a primeira crista, uma íngreme ladeira, com aproximados 50º de inclinação, descer outra lomba de graduação semelhante, pra então ascender a segunda empenada, cuja inclinação, bate, um pouco antes do topo, nos 60º. Quando olhei pra aquele sobe-desce-sobe entre uma crista e outra, percebi, num átimo, que teria de palmilhar duas vezes tal trajeto. Afinal, toda ida pressupõe uma volta, ora bolas! Senti frio, preguiça e medo. Não só minha velha fobia de altura, domada a caro custo, deu pinta, como pensei no sacrifício que seria manejar o piolet durante a ascensão às cristas com os dedos das mãos em chagas devido a um virulento ataque de psoríase. Ganhou a parada a decisão de encerrar a escalada por ali mesmo, justo no topo do Tarija. Conformada, murmurei pros meus botões um “tá bom, Bea, se conseguiste chegar até aqui, foi de bom tamanho, portanto, meia-volta volver”. Só faltou o tapinha nas costas. De volta a Porto nem tão Alegre assim, pois fustigada há cinco dias por teimosa garoa, vejo aquele cume e penso: por quê, por quê, hein, não o encaraste? Extraio uma rápida conclusão: embora mais alto, o Huayna Potosí, na sua rota normal, apresenta-se despido de desafios técnicos, exigindo apenas preparo físico, enquanto o Pequeno Alpamayo exige um plus: controle emocional e habilidade técnica na escalada. A mim faltaram os dois requisitos, infelizmente. Entre suspiros de desalento, dou de ombros, levanto a cabeça e decido: enquanto viva for, sempre haverá amanhã. Pra tentar novamente! Afinal, julho de 2012 nem tão longe assim está!! Por supuesto, ao Condoriri voltarei, rente que nem pão quente! De modo a derreter outras geleiras dessa feita!!

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