quarta-feira, 6 de julho de 2011

Dando um rolê na Cordilheira Ocidental

E lá vamos nós espremidos numa van. Da galera de Ribeirão são 8! Mais os guias Ramiro Ramirez e Sixto. Como gosto de sentar na frente, ao lado do motorista, defenestro os dois guias pros bancos de trás de foma a obter uma boa visão da paisagem. Ponho então o modo vídeo da nova digital comprada em Santa Cruz pra funcionar e começo a registrar meus filmecos on the road como os chamo. Embora a distância seja de apenas 280 km até o Departamento de Oruro onde se situa o pueblito de Sajama, nosso destino final, o trânsito caótico e congestionado de La Paz e El Alto impedem qualquer arroubo de velocidade. Demora-se mais ou menos uma hora e meia nesse chove não molha até que, finalmente, saímos do perímetro urbano e entramos na rodovia. Com uma pista em bom estado de conservação, a estrada, um retão a perder de vista, segue até o Chile. Nosso motorista, Alejandro, faz uma providencial parada em Patacamaya onde conheço então os mingitórios, banheiros públicos onde além de desafogar certas necessidades primordiais também é possível tomar banho. Em estilo turco, com buracos cavados no solo, os mingitórios deixam Cassandra atônita. Até então a guria desconhecia tal tipo de WC. E, olha, que bem limpinho este banheiro está! Ca não viu nada ainda, hahaha!! A viagem prossegue por mais duas horas percorrendo a monótona e árida paisagem altiplânica. Na vegetação, vamos dizer assim, minimalista, abunda um tipo de gramínea, (paja brava ou stipa ichu) que serve de forragem aos lhamas e vicunhas. Segundo informa Sixto, os animais comem apenas a raiz dessa forragem já que a parte superior espeta pra dedéu. Salvo por um curto trecho onde os campos e as montanhas se apresentam fartamente cobertos por espessa vegetação, o resto da paisagem mantém-se parcamente revestido de cobertura vegetal. O terreno ondulado expõe a tonalidade ocre peculiar de solos sedimentares. À beira da estrada, algumas chullpas (cemitérios) de barro avermelhado dão abrigo àqueles que já deixaram este “vale de lágrimas”. O céu um tanto nublado deixa entrever modestos rasgos de azul. Ao longe, o sol lança mancheias claras e escuras nas encostas das montanhas. Escuto sem prestar atenção o zum zum reconfortante da voz de meus amigos jogando conversa fora. Formações rochosas semelhantes a muros de castelos medievais coroam os topos dos cerros. Mais adiante, isoladas e pontiagudas agulhas rochosas destacam-se no cenário que corre veloz diante meus olhos. Situado a 4.200 m, nas bordas da cordilheira ocidental, o pueblito de Sajama, com sua meia dúzia de calles e algumas dezenas de construções em adobe, aninha-se aos pés da face oeste do Sajama, a maior montanha boliviana com seus impressionantes 6.500 m. Após o almoço no Hostal Paraíso, vamos conhecer os gêiseres distantes 7 km do vilarejo. Zona de intensa atividade vulcânica, cortada por rios de águas calientes como o Surupata, há, além do Sajama, diversos outros vulcões inativos, verdadeiras belas adormecidas há milhares de anos, como o Parinacota e Pomerape. Conhecidos como Paiachatas ou Duas Irmãs, porque se localizam justo um ao lado do outro, todos esses nevados se situam dentro dos limites do Parque Nacional Sajama, fronteiríssimo ao Chile. Tanto que muitos desses cerros possuem uma face na Bolívia e outra no país vizinho. Logo estamos saindo do pueblito e percorrendo uma estradinha em meio a campos de bofedales e paja brava onde pastam rebanhos de lhamas, alpacas e vicunhas. Montanhas como o maciço Condorini e ao norte os pontudos cumes nevados de Anallakche também são um destaque na vastidão dos campos tingidos pelo amarelo-pálido das gramíneas que o revestem. Uma dezena de pequenos gêiseres soltam fumarolas discretas e seus peidinhos sulfurentos não se comparam às explosões magníficas daqueles existentes em Tatio, no Chile. Inobstante o tempo nublado, e assim permaneceu durante todo o dia, deu pra se ter uma idéia dos magníficos nevados que circundam a região. Mas pra fotos foi péssimo. Tanto assim que o coitado do André suplicava a São Pedro que levasse pra longe o espesso nuvaredo que teimava em rodear a cumbre do Sajama. Os paulistas, desacostumados com o o frio, embestam, em especial André e Gera, que está fazendo -10ºC. Leandro e eu, gaúchos, rebatemos na hora tal previsão. Saco minha bússola-termômetro e ela aponta 2ºC. Ainda assim, os teimosos não acreditam. Eita povinho de pouca fé!! As acomodações do hostal não são ruins, não, embora o colchão da cama seja farto em calombos. Como só vamos dormir uma noite aqui, dá pra relevar. Um céu estrelado onde o fino crescente da lua dá pinta anuncia bom tempo pra amanhã!! Ebaaa!!! Mas não é isso o que se vê na fria manhã de quarta. Por breves dez minutos o sol escapuliu entre as nuvens e iluminou a paisagem. André e eu enlouquecidos pegamos as máquinas e saímos céleres aproveitando a boa iluminação matinal pra fotografar. Fixei-me no largo onde, cercada por um muro baixo, se ergue a branca igrejinha feita de pedras e coberta com telhado de paja brava. Seu campanário, uma torre duns 10 m, não faz parte da estrutura do edifício. De lá desfrutei um panorama privilegiado das cercanias. Quando terminamos o café e estamos nos preparando pra caminhada até o rio de águas calientes, começa a cair uma aquanieve que altera nossos planos. Assim, somos obrigados a ir de van até lá em vez de caminharmos. Merrrdaaa!! No entorno das águas termais, organizou-se a pequena comunidade de Llaucas, que explora o lugar cobrando ingresso. Resolvo encarar o rio de águas calientes e pago os 30 bolivianos que dá direito ao uso duma felpuda e branca toalha. O pessoal acovardado pelo frio permanece ao redor da piscina natural formada pelo rio, enquanto eu e os dois guias nos regalamos, mergulhados nas tépidas águas escuras. E que cenário, gente!! Luxuoso demais. De dentro d’água avisto os flancos e brancos cumes do Sajama e do Anallakche. Ao sair da piscina, avisto uma cholla esquartejando uma lhama pra fazer charque. Chego de mansinho e obtenho a cara custo permissão pra fotografá-la. O tempo mantém-se indeciso entre o nublado e o solarengo embora a temperatura seja super agradável. E, graças a deus, não há vento, o que é uma benção porque a região é varrida por inclementes ventanias. Abundantes bosques de queñuas crescem nas encostas do Sajama, o que motiva comentários orgulhos da parte de Sixto. Uma breve parada no lago Huaña Cota onde se avista mais de perto o Anallakche refletido em seu espelho d’água. Outra paradinha no pueblito de Tumarapi com igreja de estilo semelhante à do pueblo de Sajama. A mesma meia dúzia de calles e idênticas casinhas de adobe. Dou-me conta de que o passeio deu uma volta ao redor do Sajama, de modo a avistar suas faces leste, oeste e norte. Uma pena que o extingo vulcão, num dia de extremo recato, se furtou aos olhares vorazes de nossas lentes fotográficas. E o tempo mais uma vez mostra suas garras caprichosas enquanto almoçamos ao ar livre às margens do rio Tumarapi: uma chuva de granizo obriga-nos a buscar refúgio no interior da van onde terminamos de almoçar devidamente espremidos porém contentes com nossa incursão ao mundo vulcânico do Sajama!

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