quarta-feira, 21 de julho de 2010

Ascenção ao cerro Áustria, de mãozinha dada!

Duas vezes durante a noite, levanto pra fazer xixi. O que me conforta de ser obrigada a sair de meu saco de dormir quentinho, é ter como companhia um luar magnífico, iluminando nitidamente os nevados que rodeiam a laguna Chiat Khorta. Bem que eu gostaria de ficar mais tempo apreciando todo aquele esplendor prateado, mas o frio impede maiores contemplações da paisagem. Acordo cedo com uma baita preguiça de sair do conforto da minha aquecida caminha, feita com sacos de forragem. Enfim, crio coragem e sento à mesa onde Nemesio já serviu o desjejum. Convido Cristina a se juntar a nós. A gorda índia come sem pressa, sempre sorridente. Embora, geralmente, viaje solita, nunca deixo de contratar um guia em minhas andanças, seja no Brasil, seja no exterior. Mesmo em Praia Grande, lugar que conheço bem demais, raras vezes dispensei a presença de meu guia e amigo Kaloca. Por isso, não me avexa nem um pouco essa estória de andar de “mãozinha dada” com os guias. Aliás, acontece, - não amiúde - de eu precisar não só no sentido figurado como fisicamente da mão forte deles. Vejo só vantagens na contratação desse profissional: é uma forma de repartir minha grana, de receber boas informações sobre a região, sem falar no fato de me sentir protegida em ambientes inóspitos ou selvagens que eu, sinceramente, sozinha, nunquinha conseguiria encarar. Eu sou medrosa, uai! E pra culminar, tenho péssimo senso de orientação. Consigo até me perder em shopping center. A-do-ro ser guiada e sou muito sortuda, já que meus guias – salvo dois “malas” que confirmam a máxima de que toda regra tem sua exceção - foram trilegais, deixando saudades e boas lembranças que guardarei forever. Bueno, às 8 e 25, ainda não de mão dada com Nemesio, começamos nossa caminhada rumo ao cume do cerro Áustria, situado diante dos cerros que formam o Condoriri . O dia está perfeito: céu azul sem um fiapo de nuvem a tingi-lo de branco. Pouquíssimo vento já que a Cordilheira Ocidental, paralela à Cordilheira Real, funciona como um pára-vento, abrandando as correntes eólicas vindas do Pacífico, motivo por que o montanhismo nos Andes bolivianos é bem menos perigoso do que na Argentina, Chile e Peru, favorecendo, assim, a prática do esporte ao montanhista iniciante. Contornamos a laguna Chiat Khorta passando pelo acampamento onde ficam os montanhistas que escalam o Pequeño Alpamayo e Cabeza de Condor. A trilha inicial rasga o terreno coberto de gramíneas, exibindo montículos de neve fresca. Embora não muito íngreme, a subida me cansa. Não muito bem aclimatada, ainda estranho a altitude, maior do que a de La Paz. Paro duas vezes pra descansar, beber água e comer chocolate enquanto admiro à minha frente os nevados Cabeza de Condor e Pequeño Alpamayo agora mais próximos. E então, sim, enfrento novo aclive muito mais áspero que o anterior, despido de qualquer vegetação. Tenho a minha frente, uma ampla rampa coberta por lascas grandotas de pedra que exigem certo cuidado na pisada. Contornamos, então, a face norte do cerro Áustria e alcançamos o topo da ladeira. Mais suave que a face leste, daqui já se vê a face oeste do Áustria, onde uma trilha, bem demarcada, leva até o cume. Mais cerros,do Condoriri mostrando as brancas línguas de gelo, acotovelam-se um ao lado do outro, encobertos que estavam pelo Áustria, e, portanto, imperceptíveis da laguna Chiat Khorta. Outra subida de respeito até atingir os 5.200 m do topo da montanha. Descortina-se aos meus olhos uma visão panorâmica: ao norte, avisto a face oeste do Huayna Potosí, ao sul, o lago Titicaca, e, à oeste, o Sajama, com sua cumbre nevada, é uma imagem esbatida no horizonte. Lá embaixo, a única nota colorida são as águas azuladas das lagunas espalhadas a esmo pelo vale. No cume, encontro o tal casal basco. A mulher até que me saúda com um “hola”, já seu companheiro, entretanto, nem um olhar me lança. Quando se vão, apenas a mulher me dá tchau. Desejo sorte e sucesso sem muita convicção. Bem capaz que vou gastar pólvora com chimango! Durante a descida, passam por nós, a caminho do cume, um casal de argentinos, naturais de Salta. Ambos são guias. Paramos pra conversar e os dois contam que tentaram, ontem, fazer cume no Pequeño Alpamayo, sem êxito, todavia. A moça informa que é bem técnico o ascenso, necessitando conhecimentos de escalada em gelo e o uso de parafusos. Limitaram-se ao Tarija, nevado que exige apenas uma caminhada com grampões. Simpáticos demais los hermanos. Ao contrário da maioria de meus conterrâneos, não tenho queixas desse povo. Não entendo o motivo dessa rivalidade que se criou entre os países.... será pelo futebol? Bueno, desde que o azedume só se restrinja ao terreno das maledicências e piadas, tudo bem, não é mesmo? Quando chegamos ao refúgio já são 14:30. Descanso um pouco antes de alongar enquanto Nemesio faz um almocinho rápido pra nós. E o radinho de pilhas do meu bom guia (ontem, quando vínhamos da laguna Tuni pra cá, ele caminhava com o rádio ligado!!), sintonizado, numa estação aimará, toca músicas típicas bolivianas entremeadas com notícias. Após o almoço, pego o livro de Henning Mankel, Os Cães de Riga, um instigante noir, passado metade numa cidadezinha sueca e outra na capital da Letônia. Mergulho no policial cujo pano de fundo é a luta nacionalista contra o domínio soviético. Cansada de tanta leitura, saio pra dar um passeio, desentorpecer as pernas e fotografar. Embora 18:40, resta, ainda, um vestígio de claridade pras bandas ocidentais. Uma fugaz tonalidade rósea indica que o sol está se deitando no Pacífico. Nemesio prepara a ceia. Vamos ter trutas e arroz com vagens, cenoura e cebola. E o guia dê-lhe a fritar os pescados, deixando o cômodo rescendendo à fritura. A truta, ótima! Apenas uma fina espinha que nem cócega fez na garganta. Depois que o sol se põe baixa um frio severo. Consulto Nemesio sobre a temperatura. Ele responde que o termômetro não passa de zero. Coisa de 2ºC, garante. Hoje Nemesio dorme comigo (ontem dormiu no outro quarto com Cristina) porque as outras peças estão ocupadas por guias e arrieros que chegaram à tardinha. Já deitados (20 horas!!), escuto seu radinho por um bom tempo. E graças a deus, pouco ronca o bom Nemesio!! Acordo na madruga pra fazer o indefectível xixi (só pode ser efeito da altitude, poxa, porque nunca mijei tanto assim), e a noite, lindona, estampando uma lua quase cheia no céu – em tudo igual à de ontem - me consola do incômodo de sair no frio. Olho pra cima e envio uma beijoca pra ela. Inté amanhã à noite, sua linda!!

Um comentário:

Paulo Roberto - Parofes disse...

De mão dada foi ótemo! kkk
Bea, que casal meio birra esses bascos hein? eram narigudos? Eles sempre são narigudos (bascos) ahahahaha
Olha, comparando suas fotos com as minhas notei que alguns glaciares retrocederam mais um pouco...breve esta área será pelada de gelo...triste.