Choveu a noite toda. Agora, 6 da manhã, graças a deus, estiou, embora nuvens baixas cubram as montanhas a nossa frente onde se encontram vários picos, como a Pedra do Sino, o Dedo de Deus, Escalavrado, Agulha do Diabo, entre outros. O clima revela boa vontade e o céu apresenta-se de um límpido azul. O trajeto, inicialmente, se faz através dum infindável campo de tiriricas ou capim navalha, cujas cortantes e finas folhas alcançam mais de 1,50m de altura. O capinzal cede lugar a um declive de lajedos que vem a ser uma das encostas do morro do Marco. É uma das raras descidas do dia. Em meio à caminhada, uma recompensa: o Paraíso, um refrescante sítio, situado em meio à luxuriante vegetação da mata atlântica. Fazemos uma parada à beira do riacho da Luva onde aproveitamos pra encher as garrafas com água. Odete reclama de dor num dos pés. Assim, quase toda a tralha que carrega em sua mochila é distribuída entre alguns membros do grupo. Claro está que a moleza dura pouco, pois a nossa frente nos espera a íngreme ascensão do morro da Luva. Continua-se a subir através duma mata cerrada e, novamente, voltamos a caminhar em meio ao capinzal, agora, já na crista do morro da Luva. A trilha apresenta longas depressões no terreno, formando estreitas e fundas valetas por onde se deve pisar com cuidado, senão se corre o risco de torcer um tornozelo. Chegando ao Morro do Balão, desce-se um lajedo que requer certo cuidado, devido ao seu declive acentuado. Resolvo ir por uma via alternativa porque percebo umas agarras bem boazinhas onde encaixar os pés. E por ali vou, não sem antes jogar a mochila numa touceira de capim, 15 metros abaixo. Dali por diante, percorre-se mais uma extensa área de lajedos até um local onde há uma cachoeira, situada um pouco antes do Elevador – conhecida também como via Ferrata -, uma pirambeira duns 60 metros de altura onde foram afixados grampos de ferro, formando degraus, de modo a facilitar a ascensão. Em seu topo, a Pedra do Dinossauro. Lindas flores vermelhas, brotando por entre os rochedos, destacam-se na paisagem, já agora, cinzenta pois nuvens céleres começam a dar as caras. Outra descida sobre os lajedos do morro das Antas que se inclinam, perigosamente, até desembocar no vale das Antas, onde paramos para descansar. Dali dá pra ver o paredão por onde há pouco descera. Quando baixei por aquela encosta, nem me dera conta de quão inclinada era. De longe, impressiona, parece ter 90º.....inacreditável! Cada peça que a distância prega em questão de altura! Retomamos a subida em direção ao morro do Dorso da Baleia de onde dá pra ver bem de perto o pico do Garrafão. Muito tri seu formato que, no meu entender, lembra mais uma rolha de champanhe. A cerração começa a se tornar inconveniente, velando severamente as montanhas ao redor. Apenas um esboço fugaz e pouco nítido de todo aqueles colossos rochosos. Uma pena! A trilha continua por novo lajedo, e, eis que, de repente, surge abruptamente um imponente paredão, considerado a maior big wall do país. Mal se consegue distingui-la, o nevoeiro não dá trégua mesmo. Veio, ao que parece, pra ficar....merda! Caminhamos mais um pouco até um ponto onde há um grotão, chamado Mula. Os guias põem uma corda pra auxiliar na descida. Pra mim, que faço canionismo, é moleza. Daria até pra descer sem. Aqui começam os problemas com o guia Marcos. O cara surta comigo e, zangadíssimo, dá a entender que não sou solidária, reclamando de meu egoísmo (deve ser porque não me ofereci pra carregar algo da mochila de Odete; e por que eu deveria, se ela nunca me dirigiu a palavra?). A explicação mais plausível só pode ser atribuída a uma certa filosofia ortodoxa abraçada por uma classe de montanhistas que pregam o “um por todos e todos por um”. Consideram que se deve salvar, ainda que isso ponha em risco suas vidas, quem já se encontra in extremis. Eu, decididamente, discordo de atitudes tão radicais, não iria salvar a vida de alguém à custa da minha, ainda mais sabendo que isso poderia enviar nossas almas pro além, não o além mar, e, sim, o além túmulo! Não nasci pra tais atos de heroísmo, admito. Se isso é covardia, sou covarde, mesmo, admito! No caso do nosso grupo, eu até faria um certo sacrifício se eu já fosse amiga de alguém, o que não é o caso. Não conheço ninguém, apenas sinto simpatias superficiais. Afora isso, percebo pouquíssimo espírito de entrosamento entre as pessoas. Tento argumentar mas o cara se manda, célere, trilha afora. Poxa, suspiro pros meus botões, como há gente irritadinha nesse mundo, que nem a bela natureza consegue acalmar. Fico chateada porém não permito que o mal humor do guia estrague meu passeio. E reúno forças pra enfrentar o que considero o crux do trekking: o Cavalinho, uma grande pedra atravessada na encosta da Pedra do Sino que se projeta abismo adentro. Precede-o uma tortuosa e estreita canaleta. Passar pelo Cavalinho exige certa habilidade; eu, baixinha, de pernas curtas, preciso duma mãozinha pra me içar até seu topo. Vagner, gentil cavalheiro, me dá aquela força enquanto Sylvio, do outro lado, me incentiva. Sinto um pouco de medo, contudo passo com relativa facilidade. Uma certa desorganização toma conta do grupo. Ademais, já são 17:30 e começa a escurecer. Marcão, irritado, ainda pelo bate boca comigo, se mandou após içar as mochilas, deixando Sylvio solito pra coordenar a passagem do pessoal. Penso que numa parada exigente e com certo risco, como a do Cavalinho, em que o grupo é formado por amadores, o cara devia ter ficado. Só não aconteceu nada grave porque todos se ajudaram e a coisa fluiu com relativa tranqüilidade. Mas que faltou maturidade pro cara, isso faltou! Há guias e guias, não dá pra exigir que todos sejam Kaloca ou Ali, comento, resignada, com meus botões. A canaleta continua após o Cavalinho e a escuridão, agora, é total. Mais um momento de dificuldade pra atravessar o trecho final, uma chaminé, super estreita. Há que se fazer uma pequena escalada, apoiando as costas numa pedra e os pés na parede da montanha. Pra tornar mais difícil a parada, nem todos portam lanternas, tornando mais lenta ainda a caminhada. Sai-se da canaleta, finalmente, subindo por uma escada de ferro, onde um dos rapazes do grupo, em seu topo, nos auxilia. A andança seria fácil se não fosse a noite cerrada. Subitamente, vejo a lua, amarela, grandona, plantada num céu totalmente estrelado. Uma loucura o visual! Chegamos ao Refúgio 4 às 20 horas. Embora tenham sido apenas 8 km, demoramos quase 12 horas....dá pra acreditar? Tão cansados estamos, eu, Vagner e Flavio, que nos limitamos a abrir uma lata de atum que comemos com pão. Desabamos, exaustos, dentro de nossos sacos de dormir, proseando um pouco até que o sono nos empurra pros braços de Morfeu. Que dia, jesus cristinho!!
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