quarta-feira, 6 de abril de 2005

La turista desdichada

Eu transferira minha excursão ao Colca para quarta-feira. Entretanto, quando volto da visita ao convento Santa Catalina percebo que as dores retornaram. Tão incomodada me sinto que nem consigo sair pra jantar. Peço a Dom Carlos então que me faça um sanduíche. O bom homem faz dois, enormes. Mal dou conta dum pois a dor não dá quase trégua. Durmo mal nessa noite e de manhã, cedinho, vou me arrastando pra recepção do hotel; aguilhões incessantes de dor percorrem a perna esquerda além dum formigamento que torna a coxa dormente. Entro em pânico. Gemo sem pudor algum. Dom Carlos, apavorado, corre atarantado de um lado para outro. Enfim, chega o táxi e lá me vou mais Dom Carlos para a Clínica San Juan de Dios. Ao sair do táxi, carregada nos braços do motorista, urro de dor. Realmente, meus gritos são - como se diz nos romances - lancinantes. Posta numa maca, logo acodem vários enfermeiros, provocando sem querer um pequeno rebuliço no hospital. Sem demora, Dr. Zeballos surge atraído pela gritaria. Aplica-me uma infiltração com analgésico e antiinflamatório que alivia um pouco a dor. Ronald, gerente do hotel, chega logo após, comunicando que está à minha disposição uma ambulância do corpo de bombeiros pra me remover ao hotel já que eu não consigo sentar. Caso tente, aí mesmo as dores me fazem ver estrelinhas. E lá me vou eu de ambulância rodeada por quatro muchachos bombeiros, muy guapos, oh, oh, oh (a má sina, graças ao deus sol, não é assim tão completa), mais Ronald segurando minha mochila como um precioso tesouro (ele sabe que ali estam os meus documentos e dinheiro). É um dia de dores hor-ro-ro-sas, hor-ri-pi-lan-tes, te-ne-bro-sas, apunhalando a coxa sem um minutinho de trégua sequer (quando de volta ao Brasil, o diagnóstico do meu ortopedista foi certeiro: síndrome do piriforme, que vem a ser uma inflamação do nervo ciático). Não quero saber de comida; à noite, Ronald convence-me a ingerir algo argumentando que os remédios e injeções que estou a tomar são muito fortes, e, caso eu não me alimente, meu estômago sofrerá as conseqüências. Mal e mal engulo um purê de batata mais uns naquinhos de galinha. Ronald, sem desanimar, insiste paciente, más una cucharada, Beatriz (o querido Ronald até me dá comida na boca!). Cada ida ao banheiro é um suplício, sentar é extremamente torturante (os advérbios aqui têm de ser usados no aumentativo e mesmo assim não expressam toda a verdade). Quase nem durmo de 4ª para 5ª. Então, aciono o seguro de viagem, a Cia Aliança, sendo assim autorizada a realizar todos procedimentos médicos que se façam necessários ao meu pronto restabelecimento. Na quinta-feira, percebo que minhas férias foram pro beleléu. Lá vou eu novamente de ambulância - graças ao querido Ronald - fazer uma tomografia. Tão eficientes quanto simpáticos, os bombeiros trasladam-me com o maior cuidado da cama para a maca, de modo a evitar que eu sinta qualquer desconforto. Claro que é tarefa impossível, independe de qualquer habilidade, a dor existe, está lá, aguilhoando minha perna esquerda de forma tão cruel como nunca na vida eu sentira (poxa, nem o parto de meu filho foi assim tão doloroso). Terminado o exame, sou outra vez removida para a ambulância já com o resultado do exame pronto. Tomamos o rumo da Clínica Juan de Dios pois lá já me aguarda um neurocirurgião, acionado pra me examinar afim de descartar ou não qualquer doença que requeira seus cuidados. Insatisfeito com o resultado da tomo, exige seja feito um raio-x da região pélvica para se certificar de que eu não tenho nenhuma hérnia de disco. Sexta-feira, volto a mesma clínica onde havia feito a tomo e tiro um raio-x. Retorno à Clínica Juan de Dios. Dr. Gutierrez, o neurocirurgião, (mesmo na minha aflição, consigo observar que ele é um homem deveras atraente) examina as chapas e me diz que, de fato, hérnia de disco está descartada. Crê tratar-se de um traumatismo na região sacro-ilíaca. Dr. Zeballos examina-me novamente e concorda com o diagnóstico do colega, com certa relutância. Solicita, então, para maior acuidade no diagnóstico, a realização de uma ressonância magnética, feita neste mesmo dia. Outra infiltração (as duas infiltrações foram aplicadas na espinha - região lombar - demandando certos cuidados porque se mal aplicadas, meu deus, pode até paralisar o sujeito, no caso, euzinha). Ainda na clínica, pergunto ao bom doutor se posso tomar banho (desde 2ª feira não me lavava). Concorda e brincando comigo (é um senhor de seus 60 anos) acrescenta que se eu precisar de ajuda para tal, ele está a minha disposição, pode? Respondo: "sem problema, doutor, desde que o auxiliem esses queridíssimos muchachos bombeiros" (eles ficam durante o tempo em que dura o exame ao lado da cama onde eu estou deitada). Demos risadas e o ambiente se descontrai. Volto ao hotel, passo a tarde vendo tevê (programas de culinária, meus favoritos), e à noite Dr. Zeballos me visita, comunicando que a seguradora telefonou-lhe duas vezes discutindo meu retorno ao Brasil. Como eu estava em Arequipa seria necessário ir a Lima pra de lá então pegar o avião que me traria ao Brasil. Numa maca, dentro do avião, impossível, anuncia Dr. Zeballos, a não ser, pondera o amável doutor, que eu fosse até Lima de ambulância (não consigo, ainda, me sentar de jeito algum), hipótese essa descartada, de plano, por mim (apavoro-me com tal perspectiva porque a distância entre as duas cidades é mais ou menos 1.000 km). Dr. Zeballos sugere que eu vá de 1ª classe pois as poltronas reclináveis num ângulo maior do que as da classe econômica permitirão que eu não sofra muito desconforto durante a viagem. Assim é feito (meu primeiro soutien não foi tão emocionante quanto voar naquela cabine cheia de confortos e privilégios). Em todo esta via crucis, Ronald sempre tem me acompanhado, deixando de lado seu trabalho no hotel (lógico que autorizado por Dom Carlos). O rapaz é tão incansável, amável e querido que ocupará sempre um lugar em meu coração. Minha tia Janina, quando hoje me telefonou (sábado), comentou que conhecer pessoas boas vale mais que apreciar belas paisagens. Concordo em parte com a minha boa tia, prefiro, entretanto, conhecer ambas, hehe.

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