No 1º dia do ano, cedinho,
pegamos um táxi até Pikine onde está localizada a rodoviária de Dakar e
embarcamos numa condução chamada sept
place, que vem a ser um carro adaptado para caber 7 pessoas, afora o motora, acrescentando-se para tanto um banco extra no lugar do bagageiro. O percurso entre
Dakar-Banjul, de 300 km, dura 6 intermináveis horas. Espremida no interior do
desconfortável veículo, sinto na própria carne o que vêm a ser as expressões “calor
senegalesco” e “apertado que nem lata de sardinha”. A rodovia senegalesa tem bom
asfalto e a paisagem corre célere pela janela do carro, revelando paisagem de
savana e seu capim dourado a perder de vista. Árvores com folhagens abundantes
são um contraponto aos baobás cujos galhos despidos de folhas lembram figuras
espectrais. Salinas pontuam de branco a planície senegalesa. Vilarejos, cujas
casas são em sua maioria de adobe com teto de palha, são protegidos por cercas feitas
com galhos tortos. Gente sentada em bancos, sob as copas frondosas das árvores,
conversam na quentura da tarde. Chegamos
a Amdallai e damos saída do Senegal para logo em seguida dar entrada em Gâmbia.
Os trâmites são rápidos, uma beleza, embora haja intenso controle militar com casamatas
e soldados armados. Mal cruzo a fronteira da Gâmbia, um enxame de mulheres e
crianças nos ataca, literalmente, oferecendo câmbio e amendoim. Troco
30 mil francos por dalasi, moeda local e descubro posteriormente que me dei mal
porque a mulher me pagou 1 ninharia pela moeda senegalesa. Que raiva, quem
manda ser afobada, né?! Juntamente com Lagga Jallow, enfermeira gambiana, que conhecemos na fila
da imigração, rachamos um táxi rodando 25 km até o porto donde sai o ferry. A
embarcação cruza o Gâmbia, nos deixando na margem esquerda do rio onde se
localiza Banjul. De lá, sempre com a simpática Lagga, pegamos outro táxi até Serekunda
onde está nosso hotel. De Banjul tenho apenas um rápido vislumbre, já que são
20 horas e a cidade carece de boa iluminação. Percebo, entretanto, que está
rolando uma festa de rua com som de tambores percutindo um ritmo animado que dá
vontade de a gente se sacudir. Gâmbia, um dos menores e mais pobres países da
África Ocidental, não passa duma estreita faixa de terra pantanosa, atravessada
pelo rio Gâmbia de leste a oeste. Cercada pelo Senegal por todos os lados,
exceto na parte oeste onde se limita com o Atlântico, seu clima é tropical. A população
beira 2 milhões de pessoas, sendo que a língua oficial, o inglês, se deve ao
país ter sido uma das colônias do Império Britânico de 1765 a 1965. A economia ampara-se
na agricultura, pecuária, pesca e, principalmente, no turismo. A maioria da
população é muçulmana. Banjul, capital da Gâmbia, conta com uma população de
34.828 habitantes, localizando-se na Ilha de Saint Mary, onde o Rio Gâmbia deságua
no Oceano Atlântico. A cidade, fundada em 1816 pelos britânicos, serviu como um
entreposto comercial e base para o combate ao tráfico de escravos. Já Serekunda,
onde estamos hospedados, vem a ser a maior cidade do país e seu principal
centro financeiro, corporativo e econômico. Nosso hotel é simples mas bem
localizado. A 20 metros, as águas verdes do Atlântico, diante do qual redes,
cadeiras e mesas espalham-se pelo jardim. Ao longo da orla, barracas de comidas
e muitos resorts. Pra quem gosta de surfe rolam boas ondas. Nem sei qual a
temperatura da água já que com forte resfriado trato de me preservar, evitando banhar-me. Ao
entardecer, paira uma leve névoa sobre a praia. A temperatura é bem quente e sem
vento. A parte do país por mim visitada é tão suja quanto os lugares por onde
estive no Senegal e Guiné Bissau. O mesmo problema aqui se repete: ausência de lixeiras
nas ruas, de modo que o lixo é jogado ao léu. Único lugar de toda a África
Ocidental, por mim visitada, onde as pessoas não foram simpáticas, em especial
as mulheres, atendendo com muita má vontade os hóspedes, foi neste resort onde estamos. Afora
que, sem noção alguma, os faxineiros varrem o refeitório durante o café da
manhã! Bueno, dia seguinte ao da chegada, Raul vai a Banjul ao passo que dou
uma banda a pé até o centrinho de Serekunda trocar dinheiro. Resolvo almoçar
comida de rua onde, atrás da delegacia, há bancas de comida. Pergunto às
mulheres se estão servindo almoço considerando já ser ½ dia. Respondem que
nas panelas o que há ainda é breakfast. Como mais parece almoço do que desjejum,
peço à simpática Fatu, a dona duma das bancas, um prato, fartamente,
servido com peixe, arroz e legumes. Sento à mesa do homem que vende chá e compro
uma taça da beberagem. Na delegacia rola um escândalo protagonizado por um
homem que berra e sacode as algemas com que foi atado às grades da janela da
frente do prédio. Fico sabendo que foram os parentes que o denunciaram porque
ele estava “muito louco de drogas”. Na quinta-feira, quem aparece pra ser meu
guia é Mohamed, jovem de 20 anos, que conhecemos no Senegal, em
viagem com sua escola ao país vizinho. Mohamed pretende ser guia nas horas
vagas mas além de não entender bem seu inglês, ele não me parece muito experiente
em tal mister. Inicialmente, quer me levar na vila, à beira mar, onde moram
seus pais. Garante, orgulhoso, que sua mãe irá preparar comida típica gambiana.
Além de ter de se pegar sei lá quantas conduções até o vilarejo, não me sinto nada
bem por causa do resfriado. Declino assim do convite e proponho irmos a Tendaba
Camp onde há uma reserva e um parque nacionais. Chacoalhando num ônibus, tipo
àqueles existentes no Brasil na década de 50 do século passado, dura 4 horas o
trajeto de 140 km até Kwinella, vila localizada à beira da rodovia, porque as paradas são frequentes! Diversos
pontos de controle militar com casamatas e soldados armados ao longo da South
Bank Road que, ao contrário dos ônibus, exibe asfalto impecável. Como Tendaba
Camp dista 5 km do vilarejo, alugo um táxi com a incumbência de nos trazer de
volta. Decido que não vou dormir no acampamento já que estou cada vez me
sentindo mais indisposta. Vejo algumas mulheres de peito desnudo carregando às
ilhargas seus filhinhos enquanto assistem à discussão entre outras duas. Num
frágil equilíbrio que quase descamba pras vias de fato, o caloroso bate-boca só
termina quando um homem intervém conseguindo enfim apaziguar os exaltados ânimos
entre as jovens. A tal viagem de barco que quero fazer no rio Gâmbia nem
rola quando percebo a inexistência de toldo no barco. Sem condições de
permanecer 2 horas sem proteção no solaço das 13 horas. Retorno ao hotel lá
pelas 5 da tarde me sentindo um trapo, tanto que me jogo na cama e só acordo dia
seguinte. Já me sentindo melhor após automedicada com antibióticos comprados numa
farmácia dos arredores, na sexta, vou junto com a simpática família espanhola,
também hospedada no resort, passear nos manguezais do rio Gâmbia. Aboletados
num táxi, rodamos uns 10 km até o local donde partem as embarcações. E lá vamos
nós, sentados em bancos no barquinho com toldo, melhor equipado que o do dia anterior.
Por não durar mais de 2 horas, sendo a maior parte do tempo dentro do barco,
salvo uma curta caminhada no lodo do mangue até alcançar terra seca, pra conhecer uma
árvore com um enorme buraco em seu tronco, o passeio não é lá essas coisas. O tipo
de turismo superficial que muito pouco acrescenta, ainda mais quando já se
conhece incríveis manguezais, meu caso. No sábado, Mohamed vem ao hotel em
sua bici para darmos um rolê pelos arredores. Para tanto, alugo uma bicicleta em
Fajara. Pedalamos pouco mais que 9 km porque ainda não estou 100% cento boa de
meu resfriado ou seja lá o que está me deixando tão amolada. Durante o pedal conheço
o National Botanic Garden, pequeno, bem acanhado, sem placas que indiquem os
nomes de arbustos e árvores. De flor, só uma, bem bonita, de cor alaranjada. Os
serviços básicos na Gâmbia como eletricidade e água, são bem precários, embora
aqui as ruas sejam um pouco menos sujas. No domingo, bem cedinho, nos tocamos
pra rodoviária. É hora de retornar a Bissau já que Raul começa a dar aulas dia
seguinte, segunda-feira. Ao lado do ônibus, muçulmanos estendem o tapete no
chão de pedra e se põem a rezar a primeira oração matutina. A viagem marcada
pra começar às 7, só tem início uma hora depois porque a quantidade de
tralharedo a ser posta no bagageiro do veículo localizado na parte superior é
algo!! Cestas, embrulhos e baús enormes,
bicicletas, cadeiras e outras traquitandas são suspensas por cordas numa
complicada engenharia necessitando tanto de homens no chão quanto em cima do carro.
A viagem dura 12 horas num percurso de 298 km embora as estradas na Gâmbia e
Senegal sejam boas. O q atrasa são os check points na Guiné Bissau com o
objetivo de cobrar taxas de quem está trazendo compras feitas no exterior:
foram 8 em 120 km!! De tirar do sério até o mais santo ser humano!
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