Quinta-feira bem cedinho, o táxi que Raul contratara no dia anterior nos conduz de Bissau até São Domingo, distante 125 km. Se é que se pode chamar de rodovia, a péssima condição da via nem asfalto tem em certos trechos, o que leva o motora a reclamar com justa razão. A paisagem de
savana exibe pântanos aqui e acolá. Faz frio quando chegamos a São Domingo, cidade guinense fronteiriça
ao Senegal. Fazemos os trâmites de imigração em ambas as aduanas e pegamos um
toca-toca pra Ziguinchor onde fica o porto. Embarcamos no navio Aline Sitoé
Diatta, heroína senegalesa morta aos 24 anos, em luta contra os franceses.
Estamos acomodados numa cabine para 4 pessoas: nós 2 mais uma peruana, já coroa,
naturalizada em Benin, e seu jovem e belo marido senegalês de cuja cabeça pendem
pesadas tranças rastafari. O navio tem 3 decks. Inicialmente, navega-se, em
torno de 3 horas, ao longo do Rio Casamanse com uma parada em Karabaque para
embarque e desembarque de passageiros. A partir daí, o barco singra as águas do
Atlântico. Além do restaurante que abre apenas para as refeições, há um bar funcionando
permanentemente no 2° deck. Música africana toca o tempo todo. Há muçulmanos
rezando compenetradamente suas orações à tardinha tanto no lado externo quanto
interno do navio. Chegamos
a Dakar às 7 da manhã de sexta e fico impressionada quão grande e populosa
a capital do Senegal é, com centenas, sei lá, milhares de arranha-céus e rodovias de pistas duplas, embora
nem toda a modernidade tenha - graças a deus! - eliminado os vestígios da velha África com seus
vendedores de comidas nas calçadas e aquela boa bagunça típica de países de 3º
mundo. O clima parece mais
fresco que em Bissau. Pegamos um táxi até cité Djily Mbaye onde alugamos um
quarto numa casa cujos moradores são muçulmano, como aliás o são
85% da população senegalesa. O bairro é moderno com boas residências apesar de as ruas
serem em sua maioria de chão batido. Duma mesquita próxima, escuta-se o pregão do muezin conclamando os fieis à oração matutina. Deixamos as bagagens no nosso amplo quarto
com banheiro e vamos à cidade passear. Leva-se quase uma hora num percurso
de 8 km porque o tráfego, pesadíssimo, com horrores de carros, é tipo arranca e pára,
uma chateação. Em frente ao museu das Civilizações Negras, numa feliz coincidência,
encontramos Antonia!! Infelizmente o museu está fechado e só abrirá após o
feriado de ano novo. Almoçamos os 3 num restaurante frequentado por nativos de
Dakar cujo prato do dia, tipicamente senegalês, chama-se chep (porção grande de
arroz, galinha ensopada, cenoura, aipim, repolho e outros 2 legumes
desconhecidos que não descubro quais são porque no Senegal falam francês). O ambiente,
bem simples, mais parece quintal de casa. A convite de Antonia vamos ao Museu Senghor. Não gosto do tal museu, na verdade a antiga residência
do famoso escritor e político, que tanto ajudou a difundir a cultura africana. Terminada
a chata visitação, pegamos outro táxi (não rola andar a pé porque as distâncias
são longas) e nos tocamos até o monumento ao Renascimento da África,
esse sim, vale a pena conhecer!! São 3 estátuas gigantescas representando uma
família em que a criança pousada no musculoso braço do pai aponta pro norte. É impressionante!
Sábado, vamos de táxi ao centro
onde mulheres sentadas às calçadas oferecem deliciosos petiscos regionais, além
da famosa manteiga de karité, vendida a preço de banana. Agora a pé, passamos
pelo Palácio Presidencial, onde 1 soldado belamente fardado monta guarda diante
dos portões da enorme residência pintada de branco. Sempre caminhando, entramos no interessantíssimo museu de Artes
Africanas (IFAN), onde estão expostas diversas manifestações artísticas da África
Ocidental, como a maravilhosa coleção de máscaras funerárias além do tam-tam ou
bombolong, o instrumento musical usado para comunicação entre as tribos. Dali continuamos numa longa pernada pela Corniche até Almadie, entrando no mercado onde há
dezenas de bancas vendendo artesanato senegalês. Tudo lindo e colorido. Não resisto a tanta belezura e compro um leque arredondado. O
trânsito à noite é tão pesado quanto durante o dia, tanto que levamos quase 1
hora pra vencer meros 6 km do restaurante Bazoff ao nosso hotel. No domingo, vamos
a Goreé, distante 2,5 km da costa, embarcados numa chalupa cuja navegação não
dura mais que 20 minutos. Percebo conforme nos aproximamos da ilha que sua ponta
leste é plana enquanto a ocidental exibe um penhasco projetado sobre o mar. Paga-se
1 taxa de cessão de serviços municipais de 500 francos para visitá-la. Rodeada
pelo mar cristalinamente azul-esverdeado, a pequena vila, ora com casarios em estilo provençal, ora em estilo ibérico com balcões
de madeira, exibe profusão de azaleas e buganvílias colorindo as ruas de variadas cores. As torres de
telefonia móvel, pra passarem despercebidas, são disfarçadas de
palmeiras! Lembra-me de certa maneira a uruguaia Colônia del Sacramento. No
mercado de artesanato Le Castel, a oferta de roupas coloridíssimas e peças em
madeira e palha é um colírio pros olhos. Tem de regatear porque senão as vendedoras põem
os preços nas alturas. Muito pitoresco o modo como as mulheres limpam os
dentes: ao invés de fio dental usam uns pedaços finos de pau que ficam
esfregando sobre e entre os dentes. A partir de uma feitoria fundada pelos portugueses em Goreé, a ilha foi, entre os séculos XV e XIX, um
dos maiores entrepostos de comércio de escravos, levados do continente africano aos 4
cantos das Américas. Como não
podia deixar de ser, entramos na Casa dos Escravos que abrigou 20 milhões de
escravos durante 350 anos, oriundos em geral da Nigéria e Benin. Na casa, que comportava em média de 100 a 200 africanos, homens, mulheres, crianças e
adolescentes eram amontoados em celas coletivas, divididos conforme gênero e
idade. Nos homens eram colocados grilhões e bolas de ferro. Era permitido ir 1
vez por dia ao banheiro, excetuadas as adolescentes já que em suas celas 1 buraco servia
a tal fim. Na cela dos recalcitrantes, pequeno e estreito cubículo, eram jogados os rebeldes.
Nelson Mandela quando lá esteve saiu em lágrimas do lugar. Dia 31, pela
manhã, caminhamos na praia, onde donos de cavalos e cabras levam seus animais para serem banhados nas águas do Atlântico. À tarde, almoçamos no Caesar’s, restaurante cujo cardápio
atraente oferece gostosa comida senegalesa, com preços razoáveis. Sua internet é
boa e da varanda onde estamos acomodados vemos o movimento no boulevard La
Republique. Terminado
o almoço, dou umas bandas pelos arredores enquanto Raul tatua no atelier dum francês um baobá na panturrilha da
perna direita. Paro diante da banca dum vendedor de bebidas e compro ataya, chá
amargoso e doce. Ainda prefiro o tuba, o
maravilhoso café com especiarias, que vem a ser mutatis mutandis 1 chay que usa café ao invés de chá. Resolvemos então encarar a tarefa de ir à rodoviária pra saber como se vai pra Gâmbia. Tranquilizados já que
não é necessário comprar passagens com antecedência, basta apenas chegar e
escolher o veículo disponível no momento, voltamos pra casa, antes passando no super onde compramos comida pra fazer à noite. Afinal, hoje é véspera de ano
novo!! Preparo na espaçosa cozinha, onde um casal da Mauritânia também prepara
sua ceia, um fricassê pra mim e Raul. Brindamos com bordeaux rosé o novel 2019 que se aproxima,
enquanto lá fora espoucam centenas de brilhantes e coloridos fogos de artifício!! Jere jef, Dakar!!
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