quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Península Ibérica: Espanha

Após nosso retorno a Bissau, permaneço ainda uma semana na cidade com breve escapada a Bubaque no fim de semana pois na terça troco o continente africano pelo europeu. Assim, na quarta de manhã, já em Madri, vejo a sorridente Michele aguardando-me no desembarque do aeroporto de Barajas. O motivo por que resolvi dar um rolê de 5 dias na capital da Espanha foi justamente pra rever a amiga que pra cá se mudou de mala e cuia – literalmente – já que faz parte daquela autêntica galera gaudéria que vive com a cuia na mão. Ainda bem que ela foi me buscar porque pra mim é um mistério qual linha de metrô pegar, qual conexão fazer e por aí afora até se alcançar o destino final. Trocamos o trem subterrâneo pelo ônibus que nos deixa enfim em 4 Vientos, bairro onde ela mora. Embora faça frio, em torno de 9º C, o dia está ensolarado e o céu, azulado, despido de nuvens. Neste 1º dia na capital espanhola, me limito a pôr o papo em dia com Michele enquanto bebemos um chima - claro! - e a descansar porque estou sem dormir praticamente a noite inteira já que parti de Bissau às 23 horas, chegando em Lisboa às 3 da madrugada donde peguei o avião das 7 pra cá! Mas na quinta, pernas pra que te quero, lá vamos nós ao centro da cidade onde ficam diversos pontos turísticos importantes como o Palácio Real com entrada livre entre 16 e 18 horas, poupando-nos assim preciosos euros. De todas as imponentes e luxuosas salas e salões da imensa residência real a que mais me impressionou nem foi a dourada sala do trono mas uma saleta cujas paredes e teto são revestidas com colorida porcelana em alto relevo. Que vida suntuosa a daqueles nobres!! É um sem fim de mármore de Carrara, aparadores gigantescos feitos com madeira de lei, paredes cobertas com suntuosos papeis de parede, candelabros colossais somente possíveis de serem pendurados num salão com pé direito altíssimo, sem deixar de mencionar os enormes espelhos e suas molduras ricamente ornamentadas. Mas o que curto mesmo, exatamente porque mexe com o lado infantil de minha personalidade, é o adorável carrossel diante do Palácio Real. Ahhh e o que são as estátuas vivas cujas ousadas posições dos artistas me deixa boquiaberta?! E aquelas casas com 3, 4 e 5 andares com seus balcões de ferro trabalhado (alguns exibindo a bandeira espanhola) e altas portas envidraçadas, hein?! Na sexta, eu e Michele nos tocamos até o centro outra vez. O objetivo é visitar os 20 hectares dos Jardines del Campo del Moro, cujos destaques são a visão esplêndida das traseiras do Palácio Real, o chalet de la Reina, em estilo tirolês e, dentre os paseos, o De Los Mosquitos (imagino aquela aristocracia espanhola se autoestapeando pra afugentar os famigerados insetos). Damos um rápido rolê pelo sem graça Jardines de Sabatini, outro jardim externo ao Palácio Real. Entramos no museo Cerralbo, repleto de preciosidades, sendo que a que mais me encantou foram os magníficos e coloridos lustres de Murano pendendo de tetos ricamente entalhados. Por outro lado, considero bem insosso o colossal interior da Catedral Santa Maria La Reina de Almudena, embora sua cripta seja arrasadoramente interessante com todos aqueles túmulos em mármore não só alojados em capelas ao longo das naves laterais quanto no piso de pedra clara. Depois desta intensa peregrinação, precisamos repor as energias e o melhor lugar é o mercado de San Miguel, uma espécie de templo gastronômico de tapas, expostos nas vitrines das bancas dispostas uma ao lado da outra. De enlouquecer a variedade de sanduichinhos, cones com frutos do mar e enfiadinhos de azeitona, tiras de pimentão, bocadinhos de queijo e camarões. Mais não enumero porque senão encheria 1/2 página descrevendo-os. Montamos cada uma seu prato e nos sentamos em tamboretes diante duma comprida mesa onde outros turistas além de espanhois lá se encontram num clima de alegre confraternização proporcionada pelo álcool e boa comida. Michele e eu brindamos com um tinto encorpado (espanhol, por supuesto) o reencontro! Dia seguinte, junta-se a nós, Dani, outra brasileira que vive em Madri, amiga de Mi. A pedida do sábado é visitar os resquícios arquitetônicos núbio-egípcios, chamado Templo de Debod. O prédio principal está fechado à visitação motivo por que acho meio sem graça os tais monumentos vistos apenas de fora. Como o teleférico fica bem pertinho, nos tocamos pra lá, embora esteja chuviscando. Esta viagem aérea proporciona um dos melhores vistaços que se pode ter não só de Madri como do Palácio Real, Catedral de La Almudena e do rio Manzanares que corta a cidade. O passeio termina na Casa de Campo, o maior parque da capital madrilenha. À noite, vamos à La Latina, bairro repleto de bons restaurantes e bares. Escolhemos um de tapas, com cara de bar de velho (hahaha), porque a maioria, cheio de jovens barulhentos, nos impediria de conversar tranquilas. Pra acompanhar os petiscos, não menos que 2 garrafas de tinto (novamente espanhol, por supuesto)! Exceto o dia de minha chegada e o da partida, o tempo se mostrou cinzento, com ocasionais chuviscos, mantendo-se a temperatura sempre ao redor dos 9ºC. Até que o inverno espanhol não está sendo tão severo. Assim, domingo, o céu permanece nublado enquanto atravessamos os jardines del Buen Retiro, conhecido simplesmente como El Retiro. Numa ponta do lago, destaca-se o grandioso monumento Glorieta de Afonso XII. Provo o autêntico churros que vem a ser finos e compridos canudos de massa doce frita pero sem recheio. Pra acompanhar saboroso e espesso chocolate quente onde se mergulha a guloseima! Achei Madri atraente e fiquei impressionada com a boa vontade, gentileza e educação dos madrilenhos, contrariando entendimento anterior que até então nutrira pelos espanhóis nas minhas andanças por este mundão. Arriscado generalizar que francês é assim, russo assado e por aí afora, não é mesmo? A língua muitas vezes é chicote do rabo....olé!
Segunda, zarpo de Madrid no trem que parte da estação Atocha, passando pela última vez diante das gigantescas esculturas dos rostos de 2 bebês que, na concepção do autor Antonio López Garcia, representa a passagem do tempo: o de olhos abertos, significa o dia, já o de olhos cerrados, a noite. Apesar de mais caro que avião, escolho ir de trem, porque assim posso curtir um pouco a paisagem até Barcelona, distante 500 km. A curta viagem de 2 horas sofre, a partir de Zaragoza, brusca mudança na paisagem: o até então árido cenário vai se transformando em verdes campos à medida que Barcelona se aproxima, influência dos ares úmidos do Mediterrâneo já que a cidade está à beira mar. Como estou realizando a proeza de viajar com uma mala de 10 kg de modo a não precisar despachá-la, pego o metrô (espertamente, escrevera email ao hotel solicitando orientação), descendo em plena rambla! Com auxílio do Google Maps acho o hotel sem estresse algum, situado no coração do barrio Gotic que é um arraso: suas estreitas e escuras ruelas desembocam em arcadas que por sua vez dão passagem a mais ruelas escuras e estreitas. E as casas são feitas de pedra como os castelos de antigamente! Estou em-can-ta-da de poder desfrutar ambiente tão medieval. Assim como em Madrid, os mendigos se abrigam em arcadas somente à noite, durante o dia tu nem vês sinal deles. E nas janelas não mais a bandeira espanhola e sim a da Catalunha. O centro de Barcelona nasceu no barrio Gotic por um motivo muito óbvio: perto do porto onde tudo acontecia naquele tempo dantanho. Lugares como Gràcia eram vilarejos que posteriormente foram incorporados à cidade. Isso tudo me foi contado por um atendente de bar enquanto eu tomava o último cálice de vinho da noite. Evidentíssimo o orgulho que os catalães têm de seu passado e de sua terra. Depois de largar as bagagens no hotel (são apenas 18 horas!), me mando pra desbravar os “sinistros” becos chegando após 3 minutos de caminhada na plaça Sant Jaume onde tá rolando uma manifestação de taxistas contra motoristas de Uber, haja vista que estes pagam menos impostos que aqueles. Acabo na Barceloneta, como é chamado o porto, caminhando tranquila apesar do adiantado da hora: quase 22 horas. Dia seguinte, continuo a desbravar o barrio Gotic e chego na Plaça Real onde caturritas voam de palmeira em palmeira matraqueando sem parar. Aliás, super comum esse tipo de árvore enfeitando as avenidas da cidade. Ato contínuo, retorno à plaça Jaume e embarafusto pela pitoresca (tudo é pitoresco no barrio Gotic!) Carrer del Bisbe, rua cortada pela exótica ponte gótica, construída no topo entre 2 edifícios permitindo assim a passagem aérea entre eles. Mais adiante, a imponente fachada gótica da Catedral, também conhecida como La Seu, remontando ao século XIV. Em seu luxuoso interior, distribuem-se ao longo das 2 naves laterais ricas capelas em cujos altares jazem imagens de santos. Na frente do templo, uma banda com piano de madeira toca alegre blues de New Orleans ao passo que na rua lateral à Catedral uma moça entoa trecho da ópera Carmem, Habanera. Apesar do frio, o sol brilha no céu azulado, não dá pra querer melhor, afinal estamos em pleno início do inverno europeu. Alugo então uma bici que se revela uma boa bosta. Consigo apenas dar uma banda até o parque de la Ciutadella onde se localiza o parlamento da Catalunha, descobrindo que o pneu traseiro está murcho. Procuro um lugar pra enchê-lo mas além de furado seu ventil está completamente podre! Desisto da bike e volto a usar minhas pernas indo até o Palau Guell, contentando-me em curtir apenas sua fachada. Na verdade, não sou bem uma fã das obras de Gaudi apesar de reconhecer a sua baita originalidade numa época em que a estética clássica predominava no continente europeu. Agora, escrevendo esta postagem, fui dar um vistaço na internete pra procurar o nome certo do museu e ao ver as fotos, em especial as do terraço, confesso que me sinto arrependida. Fica pra outra vez. O mesmo ocorre em relação à Casa Batlló: limito-me a curtir apenas seu incrível exterior com balcões que, segundo o catalão ao meu lado, representam máscaras usadas nos bailes de carnaval. Em relação a esta casa, contudo, não me sinto mal porque algumas salas estão sendo reformadas com andaimes atrapalhando a visitação. Na verdade, estou mais a fim de passear pelo barrio Gotic, me perder em suas ruelas tortas, algumas onde o sol nunca dá as caras e desembocar, inesperadamente, em pequenas ou grandes praças, provar na terra dos tapas e dos pinchos todos os petiscos que meu estômago aguentar, assim como sentir água na boca ao ler os menus afixados na frente dos restaurantes querendo comer tudo o que vejo descrito. Percorrer os corredores da Boqueria, mercado em cujas bancas vendem-se desde peixes e frutos do mar fresquinhos, acomodados sobre grosso colchão de gelo, às delicatesses como nozes, figos, frutas desidratadas e in natura, chocolates, doces de marzipã com formatos pra todos os gostos, queijos e os famosos presuntos serrano e pata negra. Ahhh, capítulo à parte, as vinaterias onde são privilegiados os vinhos produzidos na Catalunha, por supuesto. Pra não dizer que descurei do lado cultural, entro no bizarro Museu de Cera curtindo demais a bela casa antiga e seu ambiente sombrio, me divertindo com a representação canhestra de alguns personagens, quase irreconhecíveis, caso das estátuas do Príncipe Charles e sua mulher, Camilla Parker Bowles. Dou uma baita pernada ao longo do Passeig de Gràcia onde os belos prédios antigos enfeitam ambos os lados da rua. Dobro na Avigunda Diagonal onde as antiquadas residências são substituídas por altos e modernos edifícios. A greve dos taxistas continua firme e forte, ocupando os grevistas dessa feita a plaça de Catalanuya. No meu último dia em Barcelona, o dia amanhece frio, com céu absolutamente encoberto e uma garoa marota molhando as ruas da cidade. Na metade da tarde, surpresa, o céu se abre e o sol volta a brilhar firme e forte. No final da tarde, vou ao cerro de Montjuic lamentando ter perdido o passeio de teleférico porque quando lá cheguei já havia se encerrado a atividade. Mesmo assim a vista da cidade e do porto com o sol dourando os telhados e as cúpulas das igrejas vale o cansaço de já ter caminhado 20 km durante o dia, afora o esforço de subir as escadarias que conduzem ao topo. Fico arrepiada quando passo pela plaça Jaume com a comovente manifestação dos venezuelanos contra o governo Maduro, finalizando o ato com a multidão entoando o hino nacional. Termino a noite e minha breve estadia de 2 dias em Barcelona, assistindo no porão dum bar perto do hotel a uma jam session enquanto beberico algumas copas de vinho.....tinto e catalão, por supuesto!!

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