Pertencente ao reino de Espanha, a
Região Autônoma das Canárias vem a ser um arquipélago de ilhas vulcânicas
emergindo em pleno Oceano Atlântico. Antes da
chegada dos espanhóis no século XV, as Canárias já eram povoadas pelos
guanches, originários das populações berberes do Norte da África. Reza a lenda
que criminosos daquele continente eram abandonados nas ilhas além de terem a
ponta da língua decepada como castigo por seus crimes. Das 7 ilhas que compõem
o arquipélago, meu destino é Gran Canaria, mais precisamente Las Palmas, uma
das capitais das Canárias, em cuja área metropolitana vivem mais de 600 mil
habitantes. Porque situada ao norte seu clima está mais sujeito a oscilações
térmicas entre inverno e verão do que as cidades que se quedam na ponta sul da
ilha. Mesmo assim a temperatura média durante o ano gira em torno de 22º C, o
que posso constatar nos 3 dias em que aqui permaneço. Exatamente por este clima
privilegiado atrai turistas de toda a Europa. Seu relevo montanhoso confere à
paisagem aquele charme misterioso que só as terras serranas possuem. Das 5
praias existentes na cidade, destaca-se Las Canteras onde se concentra a
maioria dos bons hotéis. Além do turismo de lazer, há o desportivo,
destacando-se surfe, trek, ciclismo, montanhismo, esportes náuticos e parapente. Mais
que o turismo, o que impulsiona às ganhas a economia de Gran Canaria é o que arrecada de taxas
cobradas dos navios pelo uso de plataformas, distantes 400 metros da costa,
para abastecimento, reparos e compra de víveres. Não foi aleatória minha
escolha por Las Palmas. Quero rever uma prima que não vejo há mais de 40 anos!!
Com sua família, ela se mandou do Uruguay, no início deste século, pra tentar nova
vida além-mar, no que obteve sucesso. Maria Amalia e seu marido Daniel foram me
buscar no aeroporto além de me alojar num apartamento cedido, gentilmente, por
eles, diante do mar, em Las Canteras. Combinamos que à noite irei jantar em sua casa distante algumas quadras donde estou hospedada. Cansada, após almoçar a saborosa paella (a 1ª que como em terras espanholas), deito, adormecendo
assim que ponho a cabeça no travesseiro. Restaurada pela soneca dou uma banda
ao longo da rambla separada da praia por um muro encimado com gradis de ferro. Devido à maré alta, a praia está reduzida a uma estreita faixa
de terra. A minha frente o Atlântico exibe sua vastidão azulada contida por barreiras de coral, distante poucos metros da praia. Não exibindo a sofisticação de Madri tampouco a de Barcelona, Las Palmas tem estilo arquitetônico simples, sem muito rebuscamento. Até 1970 era uma vila
de pescadores. Com o boom do turismo, houve uma baita alavancada econômica na
região, transformando-se na próspera comunidade dos dias atuais. No
amplo e extenso calçadão, dezenas de restaurantes com mesas na calçada. Embora
o céu se mostre nublado, a temperatura no relógio digital acusa 25º C. Que
salto térmico dos 9º C de Barcelona quando de lá parti pela manhã. Algumas
pessoas caminham na praia e um que outro surfista passa carregando suas
pranchas. Também pudera, já são mais de 17 horas. Dia seguinte, Maria Amalia e
seu filho Franco são meus guias num tour pelo centro histórico.
Pegamos um bus e descemos no parque San Telmo onde se localiza a pequena igreja
de igual nome, cujo interior dourado exibe pendurados do teto réplicas de
barcos de pesca que sobreviveram aos temporais. Apesar de gordas nuvens brancas, o sol brilha radioso no
céu. Caminhando pelas ruas do centro vamos até o largo onde se encontra o
teatro Perez Galdoz. Sempre a pé, Maria Amalia e Franco me levam ao museo Colón,
residência onde Cristóvão se hospedou quando esteve na ilha em 1492 antes de
rumar pra América Central. Curto demais o interior da casa com piso de
pedra e pátios internos. E fico embasbacada ao saber como eram pequenas as
3 caravelas, Nina, Pinta e Santa Maria. Passamos por muitas plazas, como a de
Santa Ana onde se encontram a Catedral e as Casas Consistoriales, a de San
Domingo, a de Cairasco onde sobressaem os belos prédios do
Gabinete Literário e do hotel Madri, o primeiro hotel construído na ilha, além da colorida plaza de Las Ranas.
Almoçamos num bistrô deliciosos tapas escolhidos pelos primos. À tarde, já
sozinha porque a vida de trabalho segue pra Maria Amalia e Franco, alugo uma bici e dou um
rolê legal ao longo da ponta nordeste da ilha. Gran Canaria é muito bonita com
suas montanhas debruando a orla marítima. Depois de deixar a bici numa
praça, com o sol já se pondo, caminho pela rambla matando tempo até a hora de
ir pra casa de minha prima jantar com eles. Paro pra assistir à apresentação
dum casal vestido à moda celta tocando e cantando músicas desse estilo musical.
No sábado, vamos passear por algumas cidades da ilha. No carro, dirigido por
Daniel, além de mim vão Maria Amalia e Juliana, filha do casal. Observo que as estradas que ligam Las Palmas as outras cidades são muito boas e bem sinalizadas, embora sinuosas, já que cortam encostas de montanhas. O verdor da vegetação é complementado aqui e acolá por arbustos de flores amarelas. Atravessamos o Pueblo de
Miraflores, cruzando a seguir moderna ponte estaiada. Nos acostamentos, ciclistas pedalam com certo esforço pois o trecho é de subida. Nossa primeira parada é Teror, pequena cidade cujo clima é bem
mais fresco, já que situada a 543 metros acima do nível do mar, comprovado pelo
termômetro marcando 17º C às 11 da manhã! As ruas têm calçamento de pedra
basáltica e as casas exibem balcões de madeira. Aqui se encontra a Basilica da
Virgem del Pino, padroeira da Gran Canaria, cujo altar todo trabalhado em prata
é lindo! Pra não fazer jus ao ditado “saco vazio não para em pé”, entramos os 4 numa
mercearia onde ao redor do balcão pessoas comem e bebem quitutes regionais.
Tenho praticamente uma epifania gastronômica enquanto degusto fatias de queijo
de cabra acompanhadas pelo vinho, levemente adocicado, produzido na ilha. Fico
de olho num bocadillo recheado com chouriço de Teror e queijo. Mas me contenho,
porque tenho almoço pela frente e não quero lotar de todo o estômago. Bem
alimentados, continuamos a viagem e da estrada vislumbro lá embaixo o
azulado Atlântico e Las Palmas. O dia se mantém parcialmente soalheiro. Nossa
próxima parada é Firgas onde em degraus jorra cascata de água oriunda de poços
artesianos. Mais acima na mesma rua, enfeitam o piso enormes quadros
azulejados, representando cada um as 7 ilhas do arquipélago da Gran Canaria.
Numa dobra de rua, eis a pitoresca estátua em homenagem às lavadeiras,
simbolizada por 2 mãos lavando peça de roupa diante dum córrego. Deixamos
a encantadora Firgas porque ainda temos mais uma cidade a visitar: Arucas.
Agora estamos descendo razão por que a temperatura torna-se cálida, fazendo com que eu
dispa o blusão de fleece e fique de camiseta de manga curta. E o sol definitivamente domina o céu! Impressionante a
igreja em estilo gótico no alto duma colina. Nem a catedral de Las Palmas é tão
grandiosa. Entramos no parque municipal de Arucas onde conheço a árvore
típica da Gran Canaria, o drago, com sua minúscula copa erguida pro alto como
se fosse um espanador de cabeça pra cima. Arucas é outra cidade agradável
com ruas empedradas e casarios antigos com balcões de ferro. Maria Amalia escolhe o
restaurante em função do prédio se tratar duma típica residência da Gran
Canaria. O almoço é um autêntico picoteo: papas arrugadas con mojos, queso
ahumado a la plancha con mojos y miel, croquetes, pulpo frito estupendamente
crocante, berenjenas fritas (divinas) con miel de palma. De sobremesa, o
tradicionalíssimo gofio, numa versão gourmetizada. Pra beber, vinho tinto,
espanhol, por supuesto!! Dessa forma, encerro o dia com outra epifania
gastronômica!! Domingo, meu último dia em Las Palmas, Maria Amalia e Daniel me pegam
pra dar um passeio pela rambla das Canteras onde está rolando uma maratona. Pra
animar os maratonistas, uma murga feminina, fantasiada com tutus de tule
colorido, fazem apitaço coletivo, ao passo que mais a frente outro grupo feminino toca
tambores. Vamos até o auditório Alfredo Kraus, moderna construção diante do
mar, onde rolam diversos eventos culturais ao longo do ano. Vez por outra, muçulmanas
marroquinas passam por nós com seus esvoaçantes e coloridos trajes que as
envolvem da cabeça aos pés, salvo o rosto. De forma a abrir o apetite antes do almoço
na casa de meus primos, paramos os 3 num bar pra beber vinho. Como a sesta é
sagrada em se tratando de espanhóis e uruguaios, deixo os primos em paz e vou
pra casa descansar um pouco também. Contudo, não permaneço muito tempo na cama,
trato de alugar uma bici e dar outro rolê. Dessa feita, pedalo na avenida marítima que fica na ponta nordeste de Las Palmas. Com o
indefectível Google Maps chego na ciclovia e vejo emergindo do mar as
gigantescas plataformas onde os navios estão aparcados. Ao longo dos 7 km da
ciclovia, mais plataformas onde sempre há navios estacionados. Passo pelo
Real Club Nautico de Gran Canaria onde dezenas de iates e lanchas se encontram.
O pedal continua por San Cristóbal Marinero, antigo bairro de pescadores, cujas
casinholas são pintadas de cores fortes e vibrantes. Do alto da ciclovia, a
playa de Las Lajas cuja areia é bem escura ao contrário das de Las Canteras.
Termino o pedal no mirador onde se encontra a belíssima escultura representando
Triton, deus das profundidades marinhas. Na segunda-feira, pego um ônibus e me
toco pro aeroporto, Lisboa me aguarda. Valeu, Maria Amalia querida, nosso reencontro foi tudo de bom, prima!!
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