Mal chegadas, quarta à noite do pedal no
Uruguay, eu e Fatima planejamos nossa viagem a Praia Grande pro dia seguinte. A guria
curitibana tá louca pra provar dum canionismo embora tenha feito cascade numa cachu de 180 m em Prudentópolis. Mas cascade
é moleza, basta
rapelar a cachoeira e zé fini. Já canionismo envolve técnicas verticais (rapel,
escalaminhadas e desescalaminhadas), natação e marcha aquática em leitos de
rios. Saímos quinta de Porto no início da tarde. Como não almoçáramos,
ainda, resolvo desviar da BR 101 e seguir pela Estrada do Mar. Isso porque no
Km 1, há um restaurante, o Luzzardo, cujos pratos além de bons são fartos e
baratos. O risoto de camarão inclui salada, polenta frita e ...... feijão!! Quando
estamos quase chegando em Torres, nova parada, dessa feita na Tenda do Véio pra
degustar um suco de abacaxi feito na hora. Cada uma pilota seu carro já que
Fatima veio motorizada de Curitiba. Quando começo a avistar os canyons, já bem
próxima de Praia Grande, meu coração dispara de alegria. Faz tempo não sinto a sensação reconfortante de retornar a um dos lugares que escolhi amar neste
planeta! Já não posso dizer o mesmo a respeito de minha cidade natal, Rio
Grande. Pois é....o Rio Grande
que eu amo, o da minha infância, não existe
mais, só nas minhas recordações. Bueno, antes de ir pra pousada, passo no Flavio,
guia e proprietário da Canyons e Peraus (http://www.canyonseperaus.com.br), e combino um canionismo pra sábado.
Faremos a Kaingang, garganta que eu já fizera com Kaloca há 3 anos. Como não
guardo o registro dessa indiada pois na época perdera a máquina na margem
esquerda do rio Mampituba, topo repeti-la. Conosco irão mais 2 pessoas. Faço uma
surpresa pros meus queridos da Colina da Serra e chego de improviso. Bom demais
ser recebida com afeto e alegria pelos donos da pousada, Maria e Paulo. Nem bem sentáramos,
abro uma garrafita de vinho branco que trouxera de Porto. Cheias as taças, a
charla prossegue animada na espaçosa cozinha recém reformada. Um potreirão de
grande a peça! Maria, minha querida Mariolinda, solícita como sempre, atende
meu pedido: omelete mais salada verde. Fátima, que já tinha mandado a
abstinência dianética pras cucuias, tragoleia como gente grande!! Na
sexta-feira, acordamos sem pressa. A programação é light. Após o café da manhã,
cheio de gostosuras, eu e Fatima pegamos a guia Monalisa, parceira de
inesquecível perrengue dentro duma garganta das redondezas há um par de anos
atrás, e vamos de carro até a porteira situada a 1 km da cachoeira dos Borges. A
trilha, facílima, atravessa uma adorável mata atlântica que não exige destreza
tampouco esforço físico. Ao fim do sendero, eis a linda queda d’água de 70 metros, que se situa
no outro lado do Mampituba, já em terras gaúchas. Aqui nestas plagas é assim: ou
tu tá em Santa ou tá no Rio Grande! Basta cruzar o leito do rio pra trocar
de estado. Voltamos pra pousada e, novamente a meu pedido, Maria se puxa e faz
aquela maionese feita em casa. Acompanhada duma carne de panela que, de tão
macia, até faca dispensa! E dale vinho tinto, dessa feita! Após a sestea,
pegamos as bicis e descemos os 2 km da serra do Faxinal até a ponte enveredando
pela estrada geral que leva à Vila Rosa. Mostro os canyons Índios Coroados e
Malacara à amiga e voltamos pela rua Leão onde, plantados às margens da estrada, alguns arrozais já exibem espigas amarelas. Dormimos cedo neste dia sem grandes libações alcoólicas já
que o horário combinado pra gente se encontrar amanhã é às 5 horas na cabana de Kaloca. Dali, Kaingang em nós.....uhuuu!!



Choveu durante a noite....ai ai ai.
Maria, apesar da hora, 4 e 30, nos espera com um café quentinho na cozinha. Comento
com Pauleca que se Flavio não telefonou até agora é porque a indiada está de
pé. Pegamos meu carro e vamos até a cabana de Kaloca onde pouco depois chegam
Andre e Laura, o casal que também irá conosco. Ele, milico reformado, mora em
Curitiba; já ela é natural de João Pessoa onde vive e trabalha. Conheceram-se
pelo Face, e aproveitando o feriado de carnaval, Laura veio visitar o namorado.
Ainda sonolenta, cedo a direção a Paulo. E toca a subir a serra do Faxinal onde
em Cambará, pra sacudir o sono,
paramos numa padaria e fazemos um lanche
reforçado. Pouca demora, pegamos a RS 020 rumo a São Chico. Ultrapassado o trevo pra Jaquirana, rodamos talvez coisa duns 15 km e quebramos à esquerda, enveredando por uma estradinha de chão
batido marca diabo parando os carros a mais ou menos 3 km do Kaingang. Nos despedimos de nossos
motoras e iniciamos a pernada até o vértice da garganta, de onde despenca uma impressionante
queda d'água de 80 metros. Enquanto os guias armam a parada, baixa uma névoa tornando
mais cinzenta a manhã. Apesar do mau tempo, sinto-me alegremente excitada, não
só porque faz 3 anos não me aventuro num canionismo como por estar sendo guiada
por dois queridos e velhos conhecidos, os
excelentes canionistas Flavio e Kaloca! Sou a primeira a descer e quando chego
ao platô que antecede os 20 metros finais, sinto as ganhas o jorro forte da
tromba d’água batendo no capacete, tanto que, quando alcanço o chão, sinto minha
cabeça latejar um pouco. Laura pergunta a Flavio se não há uma rota alternativa
que
não seja a dos rapeis nas cachus. Desconfio que a paraibana se assustou com
a altura da cachu de 80 metros, hehe. Não adianta muito ser verão, quando nos
encontramos no interior duma estreita e úmida garganta sem sol que aqueça este
buraco de 700 m de profundidade, motivo por que começo a encarangar. Pra
espantar o frio, convido Fatima a caminhar comigo até a segunda cachu. É uma miniatura
se comparada à primeira: deve ter 5 m, se tanto! A parada, igual à da anterior,
é num grampo P. As distâncias entre as quedas d’águas são curtas, tanto que 500
metros adiante já alcançamos a terceira cachu com 50 metros, linda pra caramba.
É uma rampa com degraus bem acentuados, facilitando em muito o rapel. A
garganta vai se apertando mais e mais à medida que se perde altura. E o que é
esse cheiro de mato, meu deus?!! Nenhum perfume, por melhor que seja, consegue
rivalizar com o odor de terra úmida e matéria vegetal em decomposição. A quarta
cachu, de 30 m, é outra bela rampa ainda mais horizontalizada que a anterior. A
ancoragem é feita na
borda esquerda da parede onde, embora haja maior volume de
água, o musgo evita que a bota resvale no basalto. Percebo que, na metade do rapel, Fatima embatuca entre seguir mais à direita ou à esquerda. Como tem pouco
conhecimento técnico, escolhe a primeira opção. Quando termina, chamo
ela na chincha: “ô guria, te liga, no próximo rapel, não for-ça a cor-da, não tenta desviá-la
pra longe de seu eixo de ancoragem, senão tu pode pen-du-lar.” E continuamos a exaustiva caminhada ao longo do leito do rio. Poder, entretanto, desfrutar a exuberante vegetação da mata atlântica compensa a judiação do esforço físico. Adoro tal ambiente, a-do-ro. Quando
Fatima percebe que estou filmando faz um gesto de ok mas perde o equilíbrio,
hahahaha!! Essa guria me diverte muito. É engraçada sem querer. O pedregoso leito
do rio, até então irregular, transforma-se num lajedo facilitando a caminhada
até o beiral da quinta cachu. Esta é das boas: 100 m de queda livre. Daqui já se
pode avistar o paredão sudeste do canyon Josafaz. Contudo, pouca demora, se
eleva do interior do canyon um nuvaredo, impedindo que se continue curtindo a paisagem. Necessário fazer 2 breves rapeis de aproximação. O primeiro, do final
do lajedo até a borda mal sustenta os dedões dos pés, hehe. Pendurada na parede, olhando pra baixo, nem acho tão alto assim
os 90 metros que me separam do chão. Tudo uma questão de perspectiva. Nos 10 metros
iniciais, desço em meio a um matinho enfezado grudado na rocha. Ultrapassada a miniflorestinha, o paredão exibe-se liso, sem vestígio de vegetação.
Começa então a descida em negativo. Tento impedir que meu corpo rodopie
livremente mas sou vencida pela força da corda. Acontece então o que temo: de costas pra parede não há como não encarar o vazio. Controlo o nervosismo respirando profundamente. Vez por outra até ouso
brecar a corda de modo a contemplar, já com certa serenidade, a paisagem (mas sempre terei medo de altura, sempre). Após breve parada no largo platô, rapelo
rapidinho os 20 m restantes, arribando
no fundo do poço, raso que nem poça
d’água. Apesar do medo, tanto que ela pediu pros guias não avisá-la
quando chegasse na de 100 metros, Laura desceu com galhardia a cachu. A essas
alturas, Andre já exibe sinais evidentes de cansaço embora seu bom humor
espante qualquer sinal de irritação provocada pelo cansaço. E quando paramos pro almoço, comenta que se pudesse escolheria um lugar tipo termas do
Gravatal. Vem, contudo, na parceria, acompanhando Laura. Ela, por sua vez, não dá a mínima pro mimimi do namorado quando ele se queixa de dor na costela (o coitado caiu umas trocentas vezes nas pedras). Ala putcha, que durona a paraibana. Vai ver, é por isso que o homem gamou nela. Exemplo a ser seguido Laura, hehe. Começa a chover, ai ai ai. Quando chegamos na 6ª e 7ª
cachus, com respectivamente, 20 e 55 m, somos obrigados a dar um balão na mata. Impossível encarar um rapel nelas. As duas cachoeiras formam um brete estreitíssimo e por causa do chuvaral
de 3
dias atrás mais o de hoje estão bombadíssimas. Kaloca improvisa, então, no
paredão norte da garganta, coberto de mato, um rapel com parada num tronco de
árvore por onde descemos. Quando chego a terra firme, olho e percebo quão lindo é este lugar: a cachu de 55 metros desce verticalmente iluminando com a brancura
de suas águas a grota escura donde jorra. Infelizmente, acabou a brincadeira
com as cordas, rapel nas restantes cachus nem pensar. Tão muito cheias. E dale
a caminhar, ora pelo mato ora retornando ao leito do rio. Finalmente encontramos
a trilha que leva à margem esquerda do Josafaz. Que por sua vez está com um
considerável volume de água. Cruzamos o rio, entrelaçando as mãos em corrente. Ao
chegar na casa de Zé Fernandes, Pauleca e Alberi já lá se encontram. Mas as emoções
continuam porque, de dentro duma caixa de isopor, Flavio retira um espumante e
várias taças, hahaha!!! Brindamos à vida, à deliciosa indiada e às futuras!!
Que vengam otras!!





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Um comentário:
eheheheh..massa Bia! muito boa a leitura e essa indiada conteza fica na memoria daqueles q tiveram..hihihihi..Grande Abraço
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