terça-feira, 4 de março de 2014

Entre repolhos e antúrios, samba no pedal

Na segunda-feira, o dia amanhece tão aprazível quanto o anterior. No roteiro, o pedal promete entre 40 a 80 km, caso o retorno de Nueva Helvetia seja de bici. Após 30 minutos, trafegando pela Ruta 1, o busão dobra numa estrada vicinal e estaciona no acostamento. Montamos as bicis e começamos a pedalar, inicialmente, em estrada de asfalto rumo à Villa de La Paz. O lugarejo que, conta com pouco mais de 600 habitantes, exibe nas paredes de certas casas murais coloridos. Como o da carniceria, localizada em frente à praça, cuja pintura retrata a cena de dois gaúchos assando carne em fogo de chão. Ao sair da vila, uma larga e antiga ponte (piso de madeira e arcadas de ferro) sobre o rio Rosario nos obriga a descer das bicis porque a ausência de dormentes, aqui e ali, revela largos espaços vazios debruçados sobre as águas marrons do rio. Este foi o trecho onde pedalamos brevemente na única estrada de chão batido do dia. Em Rosario, o grande atrativo é curtir, durante o pedal ao longo das calles, o primeiro museu uruguaio de arte mural ao ar livre. Nos muros e paredes de residências foram pintadas imagens que reproduzem cenas populares e históricas da cidade. Seguimos por outra estrada asfaltada tão tranquila quanto as anteriores. Uma maravilha a boa educação dos uruguaios do interior: guardam, aleluia, a distância regulamentar que se exige em relação às bicis. Nosso destino de almoço é Nueva Helvetia. Nos pórticos das residências abastadas, não há como não notar desenhos de escudos representando cantões suíços de onde vieram os primeiros colonizadores. A gastronomia da pequena cidade é famosa pela fabricação de queijos, fiambres e doces introduzidos pela colonada. Bueno, a ideia inicial era voltar pedalando até Colonia e curtir um pôr do sol em uma das praias que se encontram ao longo da ruta 1. Meus planos de fazer uma boa quilometragem vão por água abaixo quando entro no restaurante e me deparo com uma garrafa de tannat descansando numa prateleira. A danada faz olhinhos convidativos pra esta senhorinha. Ah, não dá outra: mando as favas minhas intenções esportivas. Afinal, o dever de casa está feito, meu relógio marca 32 km (http://connect.garmin.com/activity/456001035). Basta de engrossar as pernocas. Tratemos de encher a pancinha! Apenas os disciplinados Gabi e Marga cumprem a risca o programa original e chegam, suados e felizes, de bici em Colonia. No hotel, reunimo-nos, desfrutando da piscina térmica, eu, Fátima, Jucilene, Denise, Greice e Marcio. Seja por afinidade sentimental, espiritual, astral ou sexual, uma panelinha está se formando. Denise e eu, com os braços apoiados na borda da piscina, nos divertimos recordando os apelidos que déramos às nossas ardidas periquitas no dia anterior. Explico: calhou de nós as duas pedalar, lado a lado, na reta final. Num dado momento do conversê, deixei escapar uma queixa: “puta merda, minha periquita tá assando.” Fazendo coro, a curitibana, também, lamenta o estado da sua, comparando-a um repolho! Sem deixar a bola picar, respondi que, na minha, germinava um antúrio. Imersas na relaxante tepidez das águas da piscina, gargalhamos de alegria ao perceber que somos, de certa forma, pequenas latifundiárias: ela duma horta, eu, dum jardim.....localizados nas terras baixas, hahahaha. Meu deus, quanta bobagem, mas que desopila, ah, desopila!!



Saímos de Colonia, na terça-feira, bem cedinho. Durante a viagem, começa a chover. Segundo informes meteorológicos, a previsão é bastante desanimadora (mais tarde soube que as fortes chuvas se concentraram praticamente no litoral), motivo por que Ed propõe postergar um pouco nossa chegada em Lavalleja, departamento onde iremos pedalar e pernoitar, de modo a dar um taime pra chuva se acalmar, gastando a manhã em Montevideo. Fazer o quê, né? O busão estaciona numa das arborizadas ruas do bairro Malvín, perpendicular àquela onde há uma loja especializada em roupas de aventura e equipamentos para bicis. O povo que gosta de comprar se derrete e sai de lá carregado de sacolas.  Limito-me a comprar apenas um lenço buff pra cabeça. E vinho num Disco em frente pois minha adega ambulante nunca se encontra vazia onde quer que eu vá!! Fazemos um lanche rápido com guloseimas compradas no supermercado e seguimos viagem. Nem presto atenção à paisagem porque durmo durante quase todo o trajeto, acordando somente quando o busão pára. Também pudera....acordada estou desde as 4 e 30! Observo que o terreno está seco, sinal evidentíssimo de que por aqui nenhum pingo de chuva caiu. Putz, e a gente perdendo tempo fazendo compras em Montevideo...tsk tsk! Transversal à rodovia principal, tem início uma boa estrada de chão batido cuja placa indica 7 km de distância até Salto del Penitente. Começamos os procedimentos de montar os pneus dianteiros nas bicis, atividade que nos consome uns bons 50 minutos. Acho chatésimo, até porque já é a 6ª vez desde sábado! Eu sei mal e porcamente tirar e pôr pneus de bikes, porque, além de meio desajeitada, sou, confesso, um tantinho preguiçosa nessas tarefas. Ainda bem que os queridos rapazes, sempre cheios de boa vontade - nesse tipo de coisa, bem entendido - ajudam a gente com prazer. Prontas as bicis, partimos felizes pra mais um dia de pedal. A paisagem, formada por serranias e formações graníticas esbranquiçadas por líquenes, torna-se mais austera à medida que nuvens blindam o céu e uma leve neblina paira sobre a Sierra de Carapé. Situada a 300 m acima do nível do mar, tal relevo é bem distinto da planura familiar a que meus olhos estavam até então habituados a conhecer deste país. Meu relógio marca exatos 13 km quando alcançamos a queda d’água. A tal placa dos 7 km é um engodo, hahaha. Como já vi quedas d’água bem mais atraentes, a demora é justo o tempo de filmar os arredores, após o que monto na bici e reinicio a pedalar. Segundo Ed, até a pousada dá em torno de 12 km. A paisagem começa a mudar, dando espaço a bosques de eucaliptos e pinus, plantados em ambos os lados da estrada. Embora de chão batido, são super conservadas as estradas uruguaias, bem diferentes das brasileiras, tão mal tratadas no geral. Um pouco antes de chegarmos à Villa Serrana, onde iremos dormir, cai um chuvaral típico de verão. Nem bem guardo a máquina na mochila, o aguaceiro já era. E o sol, coisa boa, dá pinta pela primeira vez no dia, revelando um céu azuladaço! Verão, verão....tão bom estar com você!! Decido acompanhar Denise que, devido ao joelho, pedala bem devagar. Não me importo de ficar pra trás. Tão boa a tarde, tão gostosa a temperatura, tão prazerosa a companhia, que vontade alguma dá de chegar ao nosso destino. Bom demais prolongar o prazer do passeio pedalando lentamente! Chego à Villa Serrana - vilarejo projetado na década de 1940 para ser um local recreativo ao estilo europeu - ao entardecer dum esplêndido e róseo final de dia. Mal dá para acreditar que passamos a maior parte do dia sob mau tempo. Hospedada uma parte do grupo na pousada Ventorrillo de La Buena Vista, declarada monumento histórico nacional, a rústica construção de madeira, pedra e vidro, situada na encosta do cerro Guazubirá, proporciona uma bela vista do verdejante vale que se estende abaixo. Confiro meu relógio: marca 34 km (http://connect.garmin.com/activity/456001023). Mais uma vez, Ed enganou-se quando disse que seriam 19 km. O querido guia já se tornou piada entre os clientes e amigos por sua capacidade ora de se perder ora de calcular com “precisão britânica” a distância dos percursos, hahahaha. Fatima, embora numa fase adicta, insiste em pedir cerveja sem álcool nos restaurantes. Raro consegui-la, hahaha!! Na janta, seu voto de abstinência é, definitivamente, testado. Vendo nós naquele tragoléu sem culpas, cacarejando com vigor, e entornando taça após taça, ela, meio sem graça, pede "só um pouquinho". Negamos com prazer maldoso. Ela insiste e seu olhar pidão é comovente. A Monster arregou, hahahaha!! Após a janta, nosso grupinho, agora definitivamente um clube de luluzinhas, permitindo graciosamente a entrada de certos bolinhas, arma um luau improvisado. Pra tanto, levamos mantas e almofadas que estendemos na grama. Conversamos e bebemos outros bons vinhos.........ah, e ainda vemos estrelas.

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