sábado, 19 de abril de 2008

Ciudad Vieja

Viajo dessa feita com uma colega e seu namorado. Pra economizar, rachamos um táxi já que o aeroporto de Montevideo está localizado a uns bons quarenta minutos de onde ficaremos. O carro desliza pelos bairros de Carrasco, Punta Gorda, Malvin, Buceo e Pocitos sem que muito se possa admirar pois a noite já não é mais uma criança....há horas! Uma parada em Palermo onde Claudia e Fernando descem já que se hospedam no Hotel Íbis. Eu, no entanto, sigo em frente, meu destino é a Ciudad Vieja. O motorista, gentil, avisa que tenho de descer a uma quadra do hotel – sei lá porque ele não pode estacionar em frente. Tou nem aí. Minha mala é de rodinhas mesmo! Apesar de cansada, curto a zoeira da madrugada. A calle Bartolome Mitre está cheia de jovens em frente aos bares e pubs. Até gostaria de sentar num dos bares com mesas na calçada mas decido descansar - já são 4 da manhã - e entro no hotel. Antigo como todos os prédios da velha cidadela, seu elevador do século passado é uma pequena caixa de madeira encerrada numa gaiola de ferro com duas portinholas igualmente de madeira cuja parte superior é adornada com vidros bisotès. Meu quarto é uma pequena suíte: uma sala com uma varandinha dando pra calle Sarandi; no mezzanino, o quarto e o banheiro. Acordo, abro as cortinas e percebo a bela manhã que me espreita do lado de fora. Saio e admiro, enquanto espero o charmoso elevador, a ampla clarabóia que ilumina com fartura os corredores do hotel atapetados de vermelho. Serelepe saio pra rua e a uma quadra de distância encontro-me na Plaza Constitución ou de La Matriz, onde a feirinha de antiguidades e artesanatos reina absoluta há anos e anos. De um lado a Catedral, construção neoclássica do século XIX, cujo sóbrio interior não ostenta um décimo do luxo e da riqueza se comparada às igrejas peruanas. Também pudera, o Uruguai nunca teve jazidas de prata e de ouro que satisfizessem o fervor religioso da ostentação manifestado pelos colonizadores europeus. No lado oposto, o Cabildo, um edifício de linhas simples, também em estilo neoclássico. Construído antes da independência do Uruguai, alojou durante décadas os três poderes simultaneamente, além de abrigar, ainda, uma capela, cárceres e enfermaria. Num palco armado em frente, uma senhora de idade canta tangos com entusiasmo. Não resisto e sento à beira da calçada apreciando aquela simpática e vibrante mulher até o final de seu show, quando sou atraída minutos após pelo som dum batuque. Penso cá com meus botões: uma escola de samba? Não, apenas um grupo de candombe ingressando na praça pelo canto onde se localiza a catedral. Das tantas vezes que já viera a Montevideo, nunca havia assistido a uma exibição desse gênero musical, com certeza, primo-irmão do samba. Eis o rico e poderoso legado herdado dos africanos, escravizados não só pelos portugueses mas também pelos espanhóis. Surgiu em Montevideo o candombe, assim como o samba no Brasil, durante o século XVIII. Executado em geral por três tipos de tambores, o piano, o chico e o repique, seus integrantes vestem roupas e chapéus coloridos. O cortejo passa executando o ritmo tão semelhante ao dos nossos batuques de roda. É um convite ao remelexo. Contenho, contudo, meus ímpetos de dançarina e limito-me a filmar. Encontro Cláudia e Fernando no meio da zoeira. Pra comemorar o encontro inesperado, sentamos num dos cafés ao ar livre pra beber um trago....fuerte por supuesto! Brindamos alegremente ao bom momento. Já no mercado, uma construção quadrangular coberta por um teto de ferro vazado, o ambiente é de burburinho. Os montevideanos, após a semana de trabalho, adoram curtir este centro gastronômico para relaxar, comer e beber nos inúmeros restaurantes dispostos tanto no interior quanto no exterior do pavilhão. Sobre trempes assam carnes, chouriços, morcilhas, queijos, cebolas e pimentões. Pode-se optar entre comer sentados em bancos ao redor dos balcões que circundam os estabelecimentos ou em mesas dispostas pelos corredores. Ao gosto do freguês. E a animação cresce à medida que garrafas de cerveja, taças de vinho e de medio médio (uma mistura de espumante com vinho branco) são entornadas com generosidade. Perto de nossa mesa, um cantor, dedilhando seu violão, entoa......tangos!! E hoje, uma pena, não aparece o tal grupo musical, que eu vira de outras visitas à cidade, batucando sambas e tendo à frente uma uruguaia cujo biquíni embora comportado causava frisson no público masculino. Desprovida de ginga, a simpática “passista”, ensaiava um tímido rebolado, enquanto desfilava seu corpo magrinho e branquelo pelos corredores do velho edifício. No mínimo, engraçado. Saímos do mercado já tardinha e caminhamos em direção à rambla. Do grande incêndio que castiga algumas ilhas do rio Tigre, em Buenos Aires, a fumaça, por incrível que pareça, alcança Montevideo, inclusive! O ar apresenta-se enfumaçado como se tivesse baixado uma repentina cerração, o que acentua ainda mais o colorido pôr do sol. Sente-se até o cheiro de queimado....pode?! Na amurada que contorna a margem do rio, pescadores postam-se à espera da tão cobiçada fisgada no anzol. Haja paciência!! Após tomar uma ducha e descansar um pouco no hotel, vou caminhando - uma noite linda! - até o centenário bar Fun Fun, encontrar o casal de amigos. Famoso não só por ser um templo do tango como ainda por vender uma espécie de graspa – a bombástica la uvita! - de fabricação própria, cujos comentários sobre seu teor acoólico basta dizer apenas que até vinho do porto entra na sua fórmula! Alternam-se, no pequeno espaço que serve de palco, dois cantores. Embora revele um corpo bem conservado, modelado por uma saia branca que se ajusta às suas curvas opulentas, a mulher, rosto expressivo e marcado por rugas profundas - denuncia bem os seus 76 anos, alardeados com orgulho à platéia. Já o cantor não exibe o mesmo phisique du role. Em seu rosto redondo, quase pueril, o drama das letras passa ao largo. São acompanhados por excelentes músicos: um bandeonista e um violonista. E a lua – cheia! Espantosa essa coincidência de eu ultimamente viajar em tal fase da lua. Durmo embalada pelos compassos da Cumparsita que ainda ecoam em minha cabeça.

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