sexta-feira, 28 de abril de 2023

Trilha do Mirante da Janela

Uma das boas coisas de morar em Palmas é a distância de certos lugares, por exemplo, menos kms pra ir a Brasília do que quando eu vivia em Porto Alegre. Gosto muito da capital federal, não só pelo seu ar cosmopolita acentuado pelos estrangeiros vindos dos mais diversos lugares do planeta pra servirem nas embaixadas, quanto pela modernidade arquitetônica criada por Niemeyer e Lucio Costa em contraste com o Brasil atrasado e pobre, representado por camelôs vendendo frutas e outras mercadorias expostas em bancas improvisadas ao longo de avenidas e ruas. Brasília tem um movimento de trânsito alucinante, especialmente pra mim já super acostumada com a pacata Palmas e seus 320 mil habitantes. Aproveitando o niver de Sonia e Jorge Otavio, primos queridos, vou a Brasília celebrar tão importante data já que ela fará 93 e ele 91 anos. Após passar uma semana agradabilíssima na casa de Laura e Ricardo, filha e genro do casal aniversariante, retorno pra casa antes dando uma passadinha na vila de São Jorge pois bateu vontade de fazer alguma trilha no PN da Chapada dos Veadeiros. Como sempre, escolho o Canto da Coruja um pouco afastado da muvuca da vila porque gosto do conversê de sua dona, Kelly Cristina. Ariana porreta, senhora de alta energia, tem prosa pra esta encarnação e quiçá a vindoura. Antes dou uma passadinha num empório pra comprar algumas cachaças feitas com frutos do cerrado. Compro 3 garrafinhas: uma de umburana, outra de baru e a terceira de mutamba que eu e Kelly matamos enquanto jogamos dominós com 2 de seus filhos. Dia seguinte, antes de pegar a estrada, vou fazer a trilha do Mirante da Janela que já ouvira falar. Fica numa propriedade particular do mesmo dono do Raizama, outro atrativo da região. A trilha inicia logo que se sai do estacionamento, passando por poços abertos por garimpeiros quando aqui ainda se exploravam as jazidas de quartzitos. Os poços, buracos verticalizados que devem ter uns 10 metros de profundidade, se não mais, atualmente se encontram desativados e cercados de gradis de madeira por motivos óbvios de segurança. Transcorridos 500 metros, chego na portaria onde um homem com cara de hobbit (sabe aqueles personagens do Senhor dos Aneis?) cobra os ingressos. Pago só 20 reais (pra quem não é coroa, o preço é 40 pilas), porque sou maior de idade (só nessa hora gosto de ser velha, só nessa hora).Tentando passar uma aura de descolado esotérico, o cara se mostra, na verdade, um baita pentelho, embora fale, naquele jeito manso a la hiponga, chavões tipo “sou da paz, take easy”, insinuando ser melhor que os outros, no caso, eu. Ai ai moço, me poupe. Não me contenho e dou um corte nele, dizendo que cada um tem seu jeito de viver. Além de ser bem educada, sou uma senhorinha de ½ idade, por isso não mando ele se foder, coisa que ele talvez esteja precisando. Só pra situar, Alto Paraíso na década de 70 atraiu pessoas que curtiram a autêntica era de Aquárius, cujos expoentes foram os hippies americanos. Muita gente naquela época aderiu, sinceramente, a esse movimento cultural, porém outros nem tanto: apenas a estética esvoaçante, a liberdade sexual e a maconha foram incorporadas às suas vidas. Talvez a proximidade com Brasília onde muitos estrangeiros passaram a viver por ser a capital federal, imagino um que outro gringo descobrindo a cidadezinha encravada no cerrado goiano e ali se instalando. Provavelmente das trips de LSD nasceram as estórias sobre Alto Paraíso ser um lugar que atrai energias cósmicas, em razão da expressiva quantidade de quartzito (não entendo qual a relação), tornando-se então um lugar mítico, esotérico, mágico pros “magros”, como se dizia à época. E não são poucas as estórias sobre gente que viu ET e disco voador pousando nas cercanias, viu? Além dos hipongas vindos de vários pontos do Brasil, veio gente que apenas queria mudar de vida, como um paulista que encheu o saco da rotina de vida como engenheiro e se mandou pra Alto Paraíso na década de 80, se tornando guia até hoje pelo que sei. Bueno, voltando pra trilha, embora ela não passe de 7 km ida e volta, não é moleza não. As do Parque apesar de serem mais longas são mais fáceis. Nos trechos perigosos há degraus feitos de toras de eucalipto (chatésimos de caminhar), corrimãos de madeira e de cordas, tudo pra ajudar o caminhante a se deslocar com segurança em trechos bem cabulosos. O caminho, via de regra, é estreito, percorrendo bosques em encostas de morros, com subidas e descidas puxadinhas, embora haja trechos planos nos descampados das savanas. No meio da pernada aquela surpresa refrescante: um poço formado pelas águas das chuvas que daqui a um par de meses secará. Decido que vou me banhar na volta quando estarei super suada e necessitando dum tchibum. A partir desse ponto a trilha fica um pouco mais difícil mas a paisagem esplêndida do entorno do PN da Chapada dos Veadeiros com suas serranias e chapadas ao alcance dos olhos me faz parar pra contemplar essa natureza tão privilegiada. Poucas canelas de ema floridas, aliás, as flores não se mostram abundantes nesta época de chuvaral. Elas florem as ganhas quando as chuvas se vão. E falta pouco pra isso acontecer. Muita pedrona atravancando o caminho no solo de areia branquinha. E de repente chego ao mirante que dá nome de janela à trilha: uma enorme abertura triangular formada por 4 rochas donde se vê o curso do rio Preto formando o Carrossel e mais adiante os 2 saltos de 80 e 120 metros, pertencentes ao PN da Chapada dos Veadeiros. Estonteante cenário! Caminho por uma trilhazinha que leva a outros 2 mirantes feitos com toras de madeira cuja visão é também espetacular. No último, há arquibancadas de madeira pra quem queira se sentar poder apreciar a paisagem, em especial, à tardinha quando o sol se põe. Pena que vim pela manhã. Mas fica pra outra vez, porque é, podicre, uma trilha muito, muito linda!

Um comentário:

Wladimir Nequesaurt disse...

Muito legal. A Bia escreve bem como sempre.