quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Nevado Campa

Acordo às 3 e meia da manhã e quando saio da barraca me alegro ao ver o céu vazado de nuvens. Somente estrelas e uma lua crescente já bem grandota. Nem parece que ontem caiu o maior pancadão de granizo sobre o acampamento. Bastante frio mas nada insuportável. Terminada o desjejum, partimos em direção ao passo Campa. Ainda escuro, são 4 e meia, usamos lanternas de testa. Uma hora depois, as dispensamos porque as primeiras luzes da manhã já iluminam a morena que conduz ao início do glaciar Campa. É um pedrario de respeito. Pergunto a Daniel se já ultrapassamos o passo Campa com seus 5 mil metros. Ele responde que sim. E eu que nem senti muito a subida, ala putcha! Aos pés do glaciar, colocamos as cadeirinhas e os grampones necessários pra andar sobre o gelo. Daniel nos encorda, ficando Juju atrás dele, depois eu e por fim Rosembert. Carregando uma pesada mochila com todo o material, Rosembert, praticamente, está pondo os bofes pela boca. Para seguidamente não só pra equalizar seus batimentos cardíacos como para aliviar a dor que sente na lombar. Numa dessas, o coitado chega a se abraçar numa pedra tão exausto está. É engraçado ver um homem agir dessa maneira, dando tanta bandeira de seu cansaço. Bueno, a primeira subida é exigente, um tanto quanto técnica. Crivada de penitentes, a inclinação varia de 45º a 55º. O que complica são as concavidades naturais formadas no gelo, criando uma série de degraus, distantes entre si. Por isso, sou obrigada a malabarismos já que minhas curtas pernas têm dificuldade em vencer os íngremes e altos degraus. Ponho o joelho no gelo e vou assim me içando com o auxílio do piolet e das mãos. Quase duas horas pra escalar os 150 metros dessa pendente de penitentes, pode? Imagino que seria pior se a neve estivesse fofa. Nesse ínterim, o tempo até então impecável, com céu azul e 100% de visibilidade, muda dramaticamente. Baixa um severo white off, enxergando-se nada versus nada da paisagem ao redor. Escalaminhamos, a seguir, um trecho de rochas sob pesada cerração. Algumas coisas neste ascenso estão sendo minha primeira experiência: penitentes e white off, dos quais só tivera conhecimento por leituras nos livros. Se não estivesse calçando grampones e tampouco encarapitada nesta altitude, teria sido moleza trepar nas pedras. Pero a 5. 300 metros nada é facinho, não! Ainda bem que a pegada das rochas é breve, porque chego arfante no alto da parede. E compreendo que o pior está por vir! Faltam ainda 100 metros até o cume. Embora seja uma aresta curta, com superfície lisa, a inclinação atinge bem uns 65º. Caminhando, ou melhor, nos arrastando ao longo da tenebrosa rampa, eu e Juju, descansamos a cada 2 metros pra recuperar o fôlego. Eu cá com meus botões torço para que Juju desista. Sabem por quê? Não há álibi melhor para amparar desistências do que ser solidários aos amigos. Deus que me perdoe tanta calhordice, hehe!! E não é que Ju também pensou a mesma coisa? Quase no final, próxima ao cume, Ju senta, ou melhor, desaba no gelo. Vendo que ela está muito cansada porém não exaurida, trato de incentivá-la, mexendo nos seus brios de aventureira e lasco um “tu vai morrer na praia agora é? vamu, vamu, levanta, guria!” Foi o que bastou pra ela se erguer e vencer os poucos metros que a separavam dos 5.415 metros do cume do Campa (meu relógio Garmin registra esta altimetria, já Daniel afirma que são 5.485 m). Sofrida pernada desde o acampamento, gente: 4 km e 380 metros em 6 horas! E daí foi aquele chororô das gurias. Eu emocionada por vê-la emocionada, ela pelo debut em seu primeiro 5 mil. Ju, passada a emoção inicial, tira da mochila uma cartolina onde está escrito: “Esta filha veio dizer: te amo mãe! Feliz aniversário!” Homenagem a sua genitora que completará 80 anos daqui a 2 dias. Graças a deus que, quando chegamos ao cume, o nevoeiro já havia se dissipado, conforme garantira Daniel durante o ascenso. Pudemos, então, curtir a deslumbrante visão, ao sul, do vale e das lagunas Armachocha e Pucacocha, bem como dos nevados Ausangate, Mariposa, Santa Catalina e Maria Huamanticlla. Já a oeste, separados do Campa por um estreito vale, os nevadíssimos Pucapunta, Hatunpunta e 3 Puntas. O topo do Campa parece a proa dum navio:  largo e comprido, o platô nevado, separa-se dum segundo cume, mais baixo, por uma estreita e também nevada aresta. Ficamos uma meia hora nos deliciando com o visual e tirando fotos até que iniciamos o descenso. No trecho rochoso, Daniel arma um rapel em que ele funciona como ancoragem. Depois disso, caminhada em meio a flocos de neve que caem até que alcancemos o estreito vale visto do cume do Campa. Ju, de tão cansada, teve de ir a cavalo desde o sopé do Campa até o acampamento. Eu vou me arrastando atrás tanto que nem quero saber de curtir as velozes viscayas que correm assustadas campo afora. Não tenho mais forças pra tirar fotos. Quando estou a dez minutos do acampamento, chega o cavalo, enviado por Daniel, pra me resgatar. Que guia bom esse guri! Super atento, calmo, simpático e bem informado. Transmite a maior segurança pra gente. Devo a ele bastante do meu sucesso em fazer cume no Campa! Chego ao acampamento às 15 e 20 e pouco depois sou chamada pro chá com  pipocas na barraca-refeitório. A altitude tá pegando pra valer em Ju. A pobre tá com diarreia desde que acordou. Tenho pra mim que ela também deve ter comido algo com glúten, substância a que é alérgica. Desde que começou o trek, os cuidados com sua alimentação não têm sido dos mais atentos. E não foi por falta de aviso, já que Ju, nos email, alertara a agência pra sua problemática. Previdentemente, medica-se com Imozec, um remédio que age como uma “rolha intestinal”. Reforço o tratamento, repassando-lhe alguns comprimidos de Bactrim F 800 mg, antibiótico de largo espectro que serve pra combater tanto amigdalite quanto infecção intestinal. Oxalá, essa guria não piore!

Um comentário:

Miriam Chaudon disse...

Que dia especial este, Bea! Lindo céu azul de presente para as duas guerreiras emocionadas. Este vídeo ficou muito bacana! Parabéns meninas!!!