terça-feira, 5 de agosto de 2014

Cordilheira Vilcanota

Na ponta dos cascos, espero na recepção do hotel Rosembert. Ele será nosso acompanhante não só até Tinke, destino inicial de nosso trek, como também durante a caminhada dos 6 dias ao redor do Ausangate. Deixamos Cusco às 8:30 e pegamos a Transoceanica, rodovia criada em 2005 com o objetivo de ligar Brasil e Peru cruza diversas cidadezinhas do departamento de Cusco. Bem conservada, exceto em alguns trechos onde há obras de manutenção e alargamento de pista, ela corta encostas de montanhas e propicia a visão de verdejantes vales formados entre seus vãos. À medida que subimos, a rodovia mais sinuosa se torna devido ao relevo montanhoso, em especial quando adentramos a província de Quispicanchi. Na altura de outra província, de nome Canchis, um largo rio chama minha atenção. Rosembert indagado, responde que se trata do rio Vilcanota. Sabem no que esse rio se transforma? Nada mais nada menos que no nosso Amazonas!! Apertada pra fazer xixi, aviso a Rosembert de minha urgência. Quando estou agachada já mijando, umas índias gritam que ali não é banheiro. “Estoy necesitada, señoras, perdoname”, respondo eu, não ousando nem usar papel higiênico pra não sujar o terreno alheio. Completamente sem noção o motorista ao estacionar o carro em lugar tão inadequado. E por causa disso, quase sou linchada pela indiada, ala putcha!! Um pouco antes de atravessarmos a diminuta Kcauri, a cara norte do Ausangate começa a dar pinta embora suas formas sejam mais adivinhadas do que vistas já que encobertas por densas nuvens. Chegamos às 11:30 em Tinke, pueblito situado na beira da carretera Transoceanica. Encarapitado a nada desprezíveis 3.790 m acima do nível do mar, o pequeno povoado faz parte do distrito de Ocongate que, com mais onze, compõe a província de Quispicanchi. Esta por sua vez é uma das 13 províncias pertencentes ao departamento de Cusco. Complicado né? Não se pensarmos que departamentos equivalem a estados, províncias a municípios e distritos a distritos mesmo, hehe. Conhecemos então Daniel (não entendo direito a função de Rosembert no trek: será guia auxiliar? Dificilmente, porque pelo que sei é formado em Ciências Contábeis, trabalhando como contador em Lima), o guia de fato e de direito, responsável pelas muchachas aqui. Magrinho, 27 anos, casado e sem filhos, frequentou durante 5 anos o curso de guia de montanha cujo currículo compreende 3 anos de teoria e 2 de prática. Gosto dele de imediato. Parece sério e atencioso, além de saber dar informações tão ao meu gosto. Já de cara esclarece o significado de Tinke em quéchua (encontro de 2 caminhos ou rios). Adooorooo saber esse tipo de coisa mesmo que depois esqueça. Enquanto o arriero não chega, ele nos leva pra conhecer o Mercado Modelo de Tinke onde há uma reprodução em pedra dum condor muito do cafona. Mesmo assim fotografo e filmo tudo, hehe. Num armazém, a variedade de frutas me espanta: maças, uvas, pêssegos, bergamotas e melões. Fotografo disfarçadamente uma mulher vestindo roupas e chapéu típicos da região. O sombrero, de nome montera, é largo e redondo, ricamente bordado e amarrado ao queixo por várias fitas coloridas. Antes de iniciar a caminhada, um almocinho ao ar livre. Pra mim sandu, pra Ju, 3 tamales mais salada de abacate com tomates e pepinos. Tudo porque a guria é alérgica a glúten e lactose. Terminada a refeição, iniciamos a caminhar, atravessando o rio Mapacho que passa ao largo de Tinke. Grudados num muro de taipa, observo uma fieira de cactus. Daniel explica que servem tanto pra impedir a fuga do gado de seus cercados quanto para evitar que invadam as plantações. Melhor que arame farpado, né? Pegamos uma estrada de chão batido e nela nos mantemos até atingir Pacchanta. Decorridos uns 40 minutos após Tinke, Daniel chama nossa atenção pra Cordilheira Vilcanota que se avista à esquerda. Com 120 km de extensão seus nevados principais são Sinaqara, seguido pelo Cayangate (o segundo em tamanho com 6.110 m), Hatun Punta, Puca Punta, Campa, Yana Ccaqa, Mariposa, Santa Catalina, Maria Huamanticlla e por fim o top Ausangate com 6.372 m. A paisagem pras bandas do Cayangate e Ausangate mostra má feição, com nevoeiro espesso encobrindo todos os nevados. Ju, agora, já começando a sentir os efeitos da altitude, consegue, porém, mandar bem durante a caminhada. Atravessamos a única rua do pueblito, mas bota pueblito nisso, de Pinchimuro. Apesar da modéstia do lugar, eu queria ter uma casinha ali porque a visão do Ausangate é um luxo só! Já pensou tu poder ver todos os dias da janela da tua sala ou do teu quarto ou de toda a casa a face nevada desse 6 mil? Não tem preço!! Atravesso o passo Cumpicalli com seus 4.400 m sem sentir qualquer esforço. Só fico sabendo porque Daniel faz questão de registrar o momento. Sinto-me super bem. Até me espanto com minha boa forma física. Um cemitério – mais parece de brinquedo - diante da cordilheira Vilcanota me faz repensar se quero ser cremada. Aqui bem que eu nem me importaria em ser enterrada, podicre. Bueno, após derrotar o passo Cumpicalli (hehe), começa a descida até Pacchanta que fica a 4.260 m. Como deixar de mencionar o cachorro que vem nos acompanhando desde Tinke? Um fofo de pelagem preta, olhos e temperamento mansos, tanto que, quando foi cercado por outros dogues perto de Pacchanta, só fez baixar a cabeça com ar sabiamente resignado! No pequeno Pueblo, onde há piscinas com águas termais, relaxo após a nem tão árdua pernada cuja duração foi de 4 horas e 30 minutos. Juju não se anima ao banho, a querida. Teme enfrentar o frio porque a piscina, ao ar livre, encontra-se imersa na sombra já que o sol escafedeu-se atrás das montanhas devido ao adiantado da hora, 17 e 30. Eu saio aos gritos, na tentativa de esconjurar o frio que se gruda na minha pele arrepiada. Podem me chamar de escandalosa, eu, contudo, apenas expresso com vigor minhas emoções, tá ligado? Ausangate encoberta quando chegamos, somente à noite, exibe seus contornos, revelando a beleza de montanha que é. Espalhadadésima, seu formato trapezoidal impressiona. Céu estrelado com lua crescente cada vez mais gordota....ebaaaa!!! A vida é bela embora minha bici amarela não esteja comigo, hehehe

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