domingo, 31 de março de 2013

Domingão no Itaguaré

Acordo na madrugada com o barulho da chuva! Espantosamente, às 6 da matina, o céu tá claro e a lua aponta brilhante no céu. Valha-nos deus, como essa Mantiqueira é imprevisível, putz grila!! Os guris, pilhados pelo meu vezo de pôr apelidos nas pessoas, pegam no pé de Natan. Tudo porque o guia usa um lenço vermelho cobrindo a cabeça. Não dá outra, passam a chamá-lo Chapeuzinho Vermelho da Mantiqueira, hehe. Nem bem 7 e 30, já estamos com o pé na trilha, motivo porque, varados de fome, paramos pra almoçar às 9 e 50. Considero este dia o mais extenuante de todos. Não pelas dificuldades técnicas do tipo trepa-pedras, ascensões ultra íngremes ou pirambas amedrontadoras. E sim porque a trilha rasga ora a mata atlântica onde predominam os perversos bambuzinhos, ora um labirinto formado pelo cortante capim-elefante. Por causa da neblina, nem percebo que não nos encontramos mais na crista da Pedra Redonda, porém na que dá acesso à crista do Itaguaré. Um ventinho frio sopra e esparge uma poeira úmida na atmosfera. A visibilidade é tal que não se consegue ver nada além dos 30 metros. Somos os primeiros da temporada 2013 a fazer a travessia, daí porque as trilhas ao longo do capinzal se encontram tão cerradas. Esse o motivo que leva Willian vez por outra a perder o rumo. Como ele é guia galo cinza fodástico da Mantiqueira, logo logo se orienta. Nem Johnny Dogue escapa de se perder lá pelas tantas! Desconsolado, o cãozinho se põe a chorar...pode?! Se subir uma crista já é dureza, imagine então percorrê-la, surfando num oceano de capim-elefante. Quando supomos que estamos livres dessa nojenta vegetação, nossas mochilas se embaraçam nas não menos odiosas varinhas de bambu. Úmidos, os trepa-pedras exigem certo cuidado na pisada. Ao contrário do basalto, rocha de superfície lisa, portanto sem muita aderência, o granito segura melhor nossa pisada. Porque se trata duma rocha granulosa, age como uma lixa, evitando mais eficientemente os escorregões e as quedas. Finalmente, atinge-se o vale donde tem início a ascensão ao Itaguaré. A névoa, que há dois dias vem encobrindo o pico, dá uma pausa e revela sua face norte: um colossal trapézio rochoso. Bem diferente das assimétricas e pontiagudas agulhas da atemorizante face oeste, que se deixaram avistar apenas por breves instantes durante o segundo dia. O atemorizante maciço, apelidado castelo de Grayskull, de perto não passa dum monte de pedras amontoadas umas sobre as outras. É tudo uma questão de perspectiva cuja função é a de confundir nosso olhar. Curto atravessar os escuros e úmidos túneis de pedras. Mas os guris, pobrezinhos, passam trabalho com suas pesadas mochilas cargueiras ao se arrastar por entre os estreitos corredores. Como a garoa não dá trégua, Will comunica que, infelizmente, vai abortar o ataque ao cume. Ele não quer arriscar nosso pêlo, tampouco o dele, considerando que teríamos pela frente, antes da chegada ao topo, uma travessia sobre um abismo.  Quem tem cu, tem medo, uai! Como ninguém é de ferro e a caminhada abriu mais uma vez o apetite, atacamos vorazmente umas bolachinhas. Nesta clareira onde nos encontramos, distante 180 m do cume, a sensação que sinto é a de nadar, nadar e morrer à beira da praia, tsk tsk.  E me ponho a imaginar quão lindo seria o local caso houvesse sol. Rodeado  de pedras, forrado  por  touceiras  de capim, aqui e ali, despontam delicadas flores, dentre as quais margaridas amarelas e avermelhados brincos de princesa. Entretanto, a tonalidade acinzentada da atmosfera rouba o brilho do cenário que, se não houvesse a neblina, seria estupendo. Só quem curte muito a vida ao ar livre, extrai prazer e vê beleza no apagado contorno dessa paisagem. Apesar das dezenas de totens marcando a trilha, Willian aconselha cautela. Alguns deles, adverte, são postos propositalmente errados, de modo a confundir o caminhante. Tem início a descida ao longo da comprida crista norte. Pra evitar a perigosa declividade duns 100 m de lajedo, damos um balão na rampa e descemos através da trilha que há ao lado. Um tanto caminhando, outro escorregando, eis utrapassado o crux do dia. Seguimos descendo, agora, dentro duma mata fechada. Em certos trechos, há degraus, naturalmente, escavados na terra, bem como profundas e extensas canaletas, resultantes da erosão pluvial. O terreno, super acidentado, exibe, de quebra, raízes e galhos que embaraçam as passadas. Will nos conduz até o topo dum  enorme rochedo. O excelente mirante permite um visual tri das serranias que compõem a Mantiqueira.  Se durante os 3 dias de pernada nenhum córrego foi enfrentado, agora cruzamos três vezes o leito dum. Durante a caminhada, que dura bem mais duma hora, rola uma gostosa fofoca, envolvendo o francês. Tudo porque escuto Alex e Ivan se referindo a Zé não mais como da Pena. Chamam-no agora de Zé Natureza. Curiosa, indago o motivo. Os guris contam que, ontem à noite, deitados na barraca, conversavam animados sobre ciclismo, já que ambos partilham o gosto por este esporte, quando o francês os admoestou asperamente. Aos gritos - isso mesmo – aos gritos, ordenou-lhes que se calassem. “Querru escutarr os sons da naturreza.” Estupefatos - nem bem eram 9 da noite! – os educados guris resignaram-se e passaram, literalmente, a usar veludo na voz. A vingança dessa vez não falhou tampouco tardou. Veio a galope! No silêncio da noite, um ronco de moto-serra irrompeu na clareira onde eles se encontravam. Rapidamente, os dois identificaram o tonitruante ruído e caíram na gargalhada. Era Zé e sua habitual sinfonia noturna de roncos. E o danado, ainda por cima, ronca como barítono dramático,  hahahaha!! À medida que perdemos altura, não só o caminho vai ficando menos e menos íngreme como o tempo principia a exibir melhor feição.  Alcançamos o Sertão dos Martins, às 15, onde a Kombi nos aguarda. Segundo Zé e Ivan, molhados porém felizes!! Quando chegamos a Passa4, à tardinha, Joseane, ao ser questionada sobre o tempo na cidade, responde que se portou lindamente durante o feriado. É...mas lá em cima reinaram as brumas, oxente! E pra não dizer que tudo não acaba em pizza, acabou sim em pizza!! Compramos duas big formas, regando a comilança com copos de Coca-Cola bem gelada. De alma lavada, pancinha forrada, vamos pra caminha dormir o sono dos justos. E esta exuberante Mantiqueira que me aguarde, pois voltarei! 
 

Um comentário:

Sarah Hallelujah disse...

Hummm, que delícia Bea, que saudade de vc, de todos. Ler sobre esses perrengues só aumenta a vontade de caminhar pela mantiqueira novamente!!! Bjos