Acordo na madrugada com
o barulho da chuva! Espantosamente, às 6 da matina, o céu tá claro e a lua aponta
brilhante no céu. Valha-nos deus, como essa Mantiqueira é imprevisível, putz
grila!! Os guris, pilhados pelo meu vezo de pôr apelidos nas pessoas, pegam no
pé de Natan. Tudo porque o guia usa um lenço vermelho cobrindo a cabeça. Não dá
outra, passam a chamá-lo Chapeuzinho Vermelho da Mantiqueira, hehe. Nem bem 7 e
30, já estamos com o pé na trilha, motivo porque, varados de fome, paramos pra
almoçar às 9 e 50. Considero este dia o mais extenuante de todos. Não pelas
dificuldades técnicas do tipo trepa-pedras, ascensões ultra íngremes ou pirambas
amedrontadoras. E sim porque a trilha rasga ora a mata atlântica onde predominam
os perversos bambuzinhos, ora um labirinto formado pelo cortante capim-elefante.
Por causa da neblina, nem percebo que não nos encontramos mais na crista da
Pedra Redonda, porém na que dá acesso à crista do Itaguaré. Um ventinho frio
sopra e esparge uma poeira úmida na atmosfera. A visibilidade é tal que não se
consegue ver nada além dos 30 metros. Somos os primeiros da temporada 2013 a fazer a
travessia, daí porque as trilhas ao longo do capinzal se encontram tão cerradas.
Esse o motivo que leva Willian vez por outra a perder o rumo. Como ele é guia
galo cinza fodástico da Mantiqueira, logo logo se orienta. Nem Johnny Dogue escapa
de se perder lá pelas tantas! Desconsolado, o cãozinho se põe a chorar...pode?!
Se subir uma crista já é dureza, imagine então percorrê-la, surfando num oceano
de capim-elefante. Quando supomos que estamos livres dessa nojenta vegetação,
nossas mochilas se embaraçam nas não menos odiosas varinhas de bambu. Úmidos, os
trepa-pedras exigem certo cuidado na pisada. Ao contrário do basalto, rocha de
superfície lisa, portanto sem muita aderência, o granito segura melhor nossa
pisada. Porque se trata duma rocha granulosa, age como uma lixa, evitando mais
eficientemente os escorregões e as quedas. Finalmente, atinge-se o vale donde
tem início a ascensão ao Itaguaré. A névoa, que há dois dias vem encobrindo o
pico, dá uma pausa e revela sua face norte: um colossal trapézio rochoso. Bem
diferente das assimétricas e pontiagudas agulhas da atemorizante face oeste, que se deixaram avistar
apenas por breves instantes durante o segundo dia.
O atemorizante maciço,
apelidado castelo de Grayskull, de perto não passa dum monte de pedras
amontoadas umas sobre as outras. É tudo uma questão de perspectiva cuja
função é a de confundir nosso olhar. Curto atravessar os escuros e
úmidos túneis de pedras. Mas os guris, pobrezinhos, passam trabalho com
suas pesadas mochilas cargueiras ao se arrastar por entre os estreitos corredores.
Como a garoa não dá trégua, Will comunica que, infelizmente, vai abortar o
ataque ao cume. Ele não quer arriscar nosso pêlo, tampouco o dele, considerando
que teríamos pela frente, antes da chegada ao topo, uma travessia sobre um
abismo. Quem tem cu, tem medo, uai! Como
ninguém é de ferro e a caminhada abriu mais uma vez o apetite, atacamos vorazmente
umas bolachinhas. Nesta clareira onde nos encontramos, distante 180 m do cume,
a sensação que sinto é a de nadar, nadar e morrer à beira da praia, tsk tsk. E me
ponho a imaginar quão lindo seria o local caso houvesse sol. Rodeado de pedras, forrado por touceiras de capim, aqui e ali, despontam delicadas flores, dentre as
quais margaridas amarelas e avermelhados brincos de princesa. Entretanto, a
tonalidade acinzentada da atmosfera rouba
o brilho do cenário que, se não houvesse a neblina, seria estupendo. Só quem curte
muito a vida ao ar livre, extrai prazer e vê beleza no apagado contorno dessa
paisagem. Apesar das dezenas de totens marcando a trilha, Willian aconselha
cautela. Alguns deles, adverte, são postos propositalmente errados, de modo a
confundir o caminhante. Tem início a descida ao longo da comprida crista norte.
Pra evitar a perigosa declividade duns 100 m de lajedo, damos um balão na rampa e descemos através
da trilha que há ao lado. Um tanto caminhando, outro escorregando, eis utrapassado
o crux do dia. Seguimos descendo, agora, dentro
duma mata fechada. Em certos trechos, há degraus, naturalmente, escavados na
terra, bem como profundas e extensas canaletas, resultantes da erosão pluvial. O terreno,
super acidentado, exibe, de quebra, raízes e galhos que embaraçam as passadas. Will nos
conduz até o topo dum enorme rochedo.
O excelente mirante permite um visual tri
das serranias que compõem a Mantiqueira. Se durante os 3 dias de pernada nenhum
córrego foi enfrentado, agora cruzamos três vezes o leito dum. Durante a caminhada,
que dura bem mais duma hora, rola uma gostosa fofoca, envolvendo o francês.
Tudo porque escuto Alex e Ivan se referindo a Zé não mais como da Pena. Chamam-no
agora de Zé Natureza. Curiosa, indago o motivo. Os guris contam que, ontem à
noite, deitados na barraca, conversavam animados sobre ciclismo, já que ambos partilham o
gosto por este esporte, quando o francês os admoestou asperamente. Aos gritos - isso mesmo – aos gritos, ordenou-lhes que se calassem. “Querru escutarr os
sons da naturreza.” Estupefatos - nem bem eram 9 da noite! – os educados guris resignaram-se
e passaram, literalmente, a usar veludo na voz. A vingança dessa vez não falhou tampouco tardou. Veio a galope! No silêncio da noite, um ronco de moto-serra irrompeu na clareira onde eles se
encontravam. Rapidamente, os dois identificaram o tonitruante ruído e caíram na
gargalhada. Era Zé e sua habitual sinfonia noturna de roncos. E o danado, ainda por cima, ronca como barítono dramático, hahahaha!! À medida que
perdemos altura, não só o caminho vai ficando menos e menos íngreme como o
tempo principia a exibir melhor feição. Alcançamos o Sertão dos Martins, às
15, onde a Kombi nos aguarda. Segundo Zé e Ivan, molhados porém
felizes!! Quando chegamos a Passa4, à tardinha, Joseane, ao ser questionada
sobre o tempo na cidade, responde que se portou lindamente durante o feriado. É...mas lá
em cima reinaram as brumas, oxente! E pra não dizer que tudo não acaba em
pizza, acabou sim em pizza!! Compramos duas big formas, regando a comilança com
copos de Coca-Cola bem gelada. De alma lavada, pancinha forrada, vamos pra
caminha dormir o sono dos justos. E esta exuberante Mantiqueira que me aguarde,
pois voltarei!
Um comentário:
Hummm, que delícia Bea, que saudade de vc, de todos. Ler sobre esses perrengues só aumenta a vontade de caminhar pela mantiqueira novamente!!! Bjos
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