domingo, 11 de setembro de 2011

Das servidões e outros recantos no sul de Floripa

O dia amanhece lindo, sem sinal - aleluia - de nuvens embaçando o céu de brigadeiro fortemente azulado. A temperatura amena convida ao pedal. Assim, terminado nosso café e após os devidos ajustes e manutenção nas bicis feitos por Jonathan e Dudu, o grupo se desloca até a beira-mar pra conhecer o rio da Madre, que nasce no município de Paulo Lopes e desemboca justo aqui na Guarda do Embaú. Cortando a praia em duas partes, o acesso ao mar só pode ser feito atravessando-se o rio ou a pé ou de canoa. Os mais aventureiros quando a maré está cheia se arriscam nadando, os mais cautelosos pegam carona em barcos empurrados a vara de bambu. A areia branquinha, o azulão do céu e o mar verde claro enchem de alegria meus olhos cansados do tom cinzento dos dias nublados. Barcos ancorados ao largo da praia e o bulício das assanhadas gaivotas que sobrevoam o mar a cata de peixes fazem do lugar um perfeito cartão postal, esperando ser fotografado até por quem é amador, meu caso. O famoso balneário, considerado um pico excelente à prática do surfe e eleito um dos mais lindos do Brasil, se encontra - aleluia - livre da muvuca do verão. A praia, deserta, exceto pela presença de nosso grupo e de alguns nativos que nos observam curiosos. Após as tradicionais fotos, seguimos por uma estradinha de areia clara que conduz à Pinheira. A manhã, perfeita, torna a pedalada até a praia do Sonho, uma delícia! A areia compactada da chuva que rolou nos últimos quatro dias mais a maré baixa tornam fácil o pedal à beira mar. Vez por outra cruzamos rasos riachos que terminam sua breve viagem no marzão verde da bela enseada da Pinheira. Mergulhando de cabeça n’água em busca de peixe pro seu desjejum, as gaivotas grasnam incessantemente. Nossa trilha sonora matinal! No final da praia do Sonho, saboreamos um lanche só com frutas: manga, banana, bergamota e melancia. Super saudável e refrescante. O traslado até Caieiras da Barra do Sul é feito em duas canoas. Assim, com o grupo dividido em dois, embarcamos nós e as bicis no Lobo do Mar. Singrando um mar calmo, navegamos ao largo da ilhota onde se assentam as ruínas daquilo que outrora foi a imponente Fortaleza Nossa Senhora da Conceição Araçatuba, construída no século XVIII, com o objetivo de proteger Floripa dos ataques dos inimigos da coroa portuguesa. Mais adiante, o farol de Naufragados, a praia mais meridional da ilha, aponta sua torre branquíssima em direção ao céu de anil. Após o desembarque em Caieiras, o pedal se faz no asfalto, salvo curtos trechos em paralelepípedo. Embora concentrada na direção da bici, consigo mesmo assim curtir o esplêndido cenário circundante: à esquerda, o mar de dentro reflete n’água os solarengos raios de luz; já à direita, o desfilar dos lindos casarios coloniais com suas claras fachadas coloridas. O céu, se isso é possível, parece mais azul do que há 2 horas atrás! E muito verde, muito verde rodeando toda essa belezura!! A sanha imobiliária que dominou e degradou quase todo o lado norte da ilha, infelizmente, já está lançando suas garras assanhadas em direção ao lado sudeste. Contudo, esta região onde nos encontramos, a sudoeste, conserva-se ainda, relativamente, bem preservada, o que considero um verdadeiro milagre! Quando estive aqui na década de 70, asfalto não havia, apenas uma estradinha de chão batido serpenteava ao largo de pequenas chácaras com seus encantadores quintais verdejantes. Uma parada na pracinha de Ribeirão da Ilha, onde sentamos à sombra, num banco de madeira. Em frente, a igrejinha matriz onde ao lado jaz um pequeno cemitério rodeado por um muro baixo pintado de azul. Mais adiante, uma capelinha branca e amarela. Ambas construções exibem em seus pórticos a data de sua construção: 1806. Dedicada ao cultivo das ostras, Ribeirão guarda forte influência açoriana na arquitetura de suas casas. Seus restaurantes, com vista pro pro mar de dentro, têm cardápios recheados de pratos feitos com estes moluscos. Após o almoço, um fartum de peixes e ostras, encaramos – pra baixar a digestão - mais 12 km de pedal até Campeche. Quando chegamos na beira da praia, a esfera branca da lua é um espetáculo à parte. Esquadrilhas de andorinhas cruzam o céu, num animado chilreio. Já no hotel, depois da dobradinha alongamento e banho, descanso bem escarrapachada na larga cama de casal, antes da janta. Afinal, foram 37 km de pedal. Nada mal pruma senhorinha que está aprendendo a pedalar na meia-idade!
O domingão me desperta com aquele kit climático de “só alegria”: céu azul e sol brilhante! Nosso grupo desfalcou-se sensivelmente porque o Roteiro da Baleia Franca terminou sábado. Assim, a maioria retornou às suas casas ontem à tarde mesmo. Exceto Sid e Thiago, que optam por não pedalar conosco, já que embarcam hoje à tardinha pra Sampa, resolvemos nós, os remanescentes Denis, Claudia, Marcelo, Lili mais eu, estender o pedal, de modo a conhecer outros trajetos no sul da ilha. Agregam-se ao nosso grupinho novas pessoas e, felizes da vida, animados que nem chinoca em dia de baile, saímos do hotel, no Campeche, rumo ao Morro das Pedras onde curtimos a bela paisagem. De lá subimos até o outeiro do Retiro de Fátima onde é possível avistar as praias da Armação, Matadeiro e Pântano do Sul. No verdoso mar, baleias a 100 m da costa, mal dão as caras, ou melhor, mal e mal mostram o dorso. Submersas com seus filhotes, o que será que estarão elas ensinando pra eles? Pode ser também que seja a hora da mamada, né? Entramos no parque da Lagoa do Peri, cujas margens se encontram alagadas devido às fortes chuvas dos últimos dias. Contornando uma de suas margens, logo penetramos na zona de restinga com sua vegetação típica de região litorânea. Percorrendo uma estradinha coberta daquela areia branquinha que chega a doer nos olhos, chegamos na Costa de Dentro. Daí sim a moleza do percurso até então plano acaba. Três aclives bem íngremes sucedidos por cascalhentos declives repletos de fundos e largos sulcos cavados pelas águas das chuvas me deixam bem apreensiva. Ré confessa, declaro: sou cagona pra descida, mesmo! Mas não dura muito o trecho perrenguento porque após uns 30 minutos, retornamos à moleza do terreno plano, alcançando a rua principal da comunidade da Costa de Dentro onde se comemora festa em homenagem à padroeira do lugarejo, Nossa Sª de Fátima. Da mesma cor da igrejinha, as bandeirolas azuis e brancas, que enfeitam a via, lançam nacos geométricos de sombra no chão de areia. A estradinha poeirenta da Costa de Dentro desemboca em Açores de onde, após um breve pit stop na praia, seguimos até o Pantano, onde almoçamos no Arantes. O tradicional restaurante tem como atrativo milhares de bilhetinhos pendurados de suas paredes e tetos, escritos em guardanapos pelos fregueses. Terminada a lauta refeição, um bufê com frutos do mar e peixes preparados de todos os modos imagináveis, seguimos até Armação. Do alto do morro, tem-se uma magnífica perspectiva dessa parte do litoral. Lá embaixo, próximos às pedras onde a arrebentação é mais forte, formando, portanto, boas ondas, um bando de surfistas, esticados nas pranchas, espera o momento adequado de pegar “aquela” onda. Outros lutam contra elas, voltando pra zona de arrebentação, e uns poucos, equilibrados nas aerodinâmicas tábuas de fibra de vidro, deslizam já em direção à praia. O clima só não foi perfeito porque um incessante vento sul não deu mole desde que saímos de Campeche. Somente quando embicamos pro norte, deixando Pantano pra trás, já de volta ao hotel em Campeche, nos safamos dele. A necessidade do uso da marcha leve fazia com que a bici desse a impressão de estar subindo ladeiras, quando as rajadas davam pinta, desequilibrando-a, momentaneamente. Saindo da Armação, optamos em não seguir pelo asfalto. Pegamos, assim, uma trilha à beira mar, cascalhenta pra caramba, até onde a praia permitiu, retornando, aleluia, ao asfalto. Num percurso de 37 km, chama a atenção as inúmeras servidões, um instituto jurídico já quase em extinção, porém aqui na ilha ainda uma constante. A maioria recebe nomes de pessoas como Joaquim José, Manoel Maria, José Maria e por aí afora, denunciando a origem portuguesa dos antigos proprietários dos terrenos por onde elas pedem passagem. Poucas as que escapam desse estilo personalista, exibindo, então, pitorescas alcunhas de Caminho das Dunas, 3 Estrelas, Dos Poetas e Sol e Mar. A caminho do centro, onde vou pegar meu carro que lá deixei numa garagem durante estes encantadores cinco dias, deixamos antes Lili e Marcelo no aeroporto. Aperto minha amiga nos braços, já com saudades de sua boa companhia. Desejando-me um bom trek, porque minha viagem não termina aqui, não, Lili Docinho voa rumo ao norte enquanto eu persigo agora o sul, direto e reto pros cânions de São José dos Ausentes. Mas isso é outra estória pra ser contada mas adelante...

2 comentários:

Miriam Chaudon disse...

Bea, terminou este relato poeticamente. O sol,céu azul e verdes mares inspiraram seus pensamentos.
Tudo muito lindo!
Beijo.

Paulo Roberto - Parofes disse...

Eu definitivamente preciso de uma bicicleta....sinto muita falta disso. Fogo é pedalar em SP e conseguir escapar de atropelamentos...kkkk
Bom final de semana marumbinista pra ti! Vou pro Caparaó!