quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Pedalando na chuva

Durante três anos me dediquei com afinco ao canionismo, pirambando e rapelando diversas cachus maravilhosas que povoam os canyons de Praia Grande, cidadezinha encravada aos pés dos Aparados da Serra, no extremo sul catarinense. Foi então que, às vésperas do apagar das luzes do ano de 2010, fiz das habituais promessas - que têm tudo pra não ser cumpridas - uma realidade!! Troquei as botas de trek pelas sapatilhas. Arriscando na escalada esportiva, adorei sentir medo e sucumbi de prazer quando fui apresentada aos paredões de 5º grau da serra gaúcha. Putz grila, tudo de bom tais sensações. Quando uma coroa como eu chega cheia de atraso na meia-idade, ela procura recuperar o tempo perdido com voracidade, abraçar o mundo com as pernas, e, daí, dá no que dá! Quer pedalar também! Motivo por que, na véspera dessa bizarrice histórica, conhecida como Independência do Brasil, conquistada na base do berro por Pedroca I, estou eu aqui dirigindo na BR 101, noite escura que nem breu e chovendo às pampas. Mas  me vou contentíssima rumo a Floripa pra encontrar um grupo de ciclistas. Tudo pra participar do roteiro da Baleia Franca cujo objetivo principal é a avistagem destes mamíferos, assíduos visitantes durante os meses de junho a novembro no litoral sul catarinense. Tirante Lili Docinho, que me pôs nessa aventura, não conheço mais ninguém. Ao chegar à ilha por volta das 21 horas, me perco e tenho de indagar dum transeunte, que atravessa a larga avenida beira mar, onde é a rua x onde meu hotel se localiza. Curto demais esse meu jeito de socializar com os nativos. E eles gostam demais de prestar informações! Na manhã do 7 de Setembro, estamos, eu e Lili, no refeitório do hotel quando então conhecemos nossa primeira colega de pedal: Ines. Já dá pra perceber que a moça tem temperamento forte. Embora em dúvida se vou ou não gostar dela, disfarço tal sentimento. Ainda é prematuro tecer julgamento. Mal temos tempo de bater um papinho porque Jonathas, um dos sócios da Caminhos do Sertão, agência responsável por esse tipo de cicloturismo no sul do país (http://www.caminhosdosertao.com.br), nos aguarda na recepção. Partirmos, então, BR 101 afora nesta manhã de quarta-feira acinzentada, rumo a Itapirubá Norte, cuja larga enseada permite avistar facilmente as baleias fêmeas e seus filhotes. Implantado em 1981 pelo vice-almirante Ibsen de Gusmão Câmara, um dos líderes contra a caça às baleias na costa brasileira, o Projeto Baleia Franca já conta nos dias atuais com uma equipe de biólogos, estagiários, simpatizantes e patrocinadores, responsáveis por tocar adiante um programa de estudos, monitoramento e proteção destes cetáceos, Tal aventura, escolhida por Lili, foi abraçada por mim às pressas, meio desarvorada, em razão de meu plano de retornar à Mantiqueira ter gorado às vésperas de minha viagem a Minas. Devem vocês estar pensando "que tantas férias tira essa mulher, ala putcha!!" Acontece, queridinhos, que os 30 dias de férias a que faço, merecidamente, jus, fraciono em dois ou três períodos ao longo do ano. E quando percebo oportunos feriados trato de unir alhos com bugalhos. Perceberam agora porque pareço estar frequentemente de férias? Bueno, aboletados dentro dum microônibus, lá estamos nós, um grupo de 18 pessoas que nunca se viram na vida, super animados, apesar de o tempo não ter apresentado sinais visíveis de melhora de ontem pra hoje. E a previsão pros próximos dias não é lá das mais animadoras...pois pois. Chegando a Itapirubá, o céu cinzento anuncia chuva iminente mas os audazes cliclistas se lançam praia afora em direção a Imbituba. Como estou resfriada, não vou com eles, porque há a perspectiva de, ao atravessar uma barra, encontrá-la tão cheia que a água atingiria as coxas. É necessário preservar a saúde já que me restam ainda muitos dias de vacaciones. Não quero que o tal resfriado vire uma gripe ou coisa pior. Às vezes, consigo agir com sensatez, hehe. Resignada, embarco no ônibus, reencontrando os ciclistas após 20 minutos, já em Imbituba, onde daí sim monto na magrela e, pedalando, chego no museu da Baleia Franca. Até alguns anos atrás, o amplo galpão de alvenaria servia para a extração do óleo destes cetáceos, obtido, derretendo-se, em gigantescas autoclaves, as grossas camadas de gordura que os protegem das águas gélidas onde passam grande parte do ano. Usado como combustível na iluminação de residências e vias públicas, o óleo ou azeite de baleia era aproveitado, ainda, na fabricação de lubrificantes, de sabão e até de margarina. Também extraídos dos pobres bichos eram o espermacete, empregado na indústria de cosméticos, e as barbatanas para fazer espartilhos. Quando deixamos o prédio, somos benzidos por uma típica garoa invernal que não enfraquece nosso ânimo de continuar pedalando à beira mar. A sensação de liberdade, de aventura e de unidade do grupo compensa a cara feia que São Pedro vem lançando sobre nós. Enxergamos, então, nossas primeiras baleias do dia. Nadam bem próximas à costa, coisa de 100 m, se tanto. Claro está que mal se entrevêem seus dorsos pretos aflorando à superfície da água. Entretanto quando suas fugazes nadadeiras peitorais emergem, rapidamente, pra logo após submergir, um coro de ohs e ahs vibra entusiástico no ar. Do mirante, onde paramos para apreciar a paisagem, provavelmente, linda, se o dia não estivesse tão murrinha, avista-se o porto de Imbituba. Os gigantescos e inativos guindastes com suas braçadeiras metálicas, enfeiam a paisagem litôranea. A chuva de molhar bobo, nada mais que uma fina poeira aquosa, se mantém constante até a barra da lagoa de Ibiraquera, point de surfistas, que passam ora em direção ao mar, ora vindo de lá, adequadamente envolvidos em suas roupas emborrachadas. Já eu usando roupas inapropriadas, sinto o desconforto da úmida vestimenta. Por isso, em chegando ao local onde iremos almoçar, trato de buscar um bar e pedir um conhaque. A forte beberagem dá uma esquentada legal em meu tremelicante corpitcho. Terminada a refeição, atravessamos a lagoa de Ibiraquera de canoa porque sua barra está bem cheia devido ao crescimento da maré. Seu Pedro, o canoeiro, impulsiona a embarcação, usando uma comprida vara de bambu. Em terra firme, retomamos a pedalada percorrendo uma esburacada estradinha de chão batido. É o que chamo de pedal trepidante. Nem adianta tentar desviar dos buracos porque se cai logo em seguida noutro mais fundo ainda. De repente, gelo, quando vejo me espreitando dois aclives poderosos. Só consigo subir 1/3 das lombas, sendo obrigada a descer e levar a bici no manotaço. Ao ver Inês e Denis passarem por mim, no maior fair play, pedalando de cabo a rabo as duas colinas, morro de inveja. Putz grila!! Quando crescer, quero ser igualzinha à duas! Nos 30 minutos finais do pedal, graças a deus, agora em terreno civilizadamente plano, a garoinha deixa de lado sua timidez aquosa e despenca às ganhas do céu, não poupando nem mesmo aqueles que vestem boas jaquetas impermeáveis. Quando chegamos na pousada Rosa e Canela, meu odômetro marca 18 km. Parece que andei bem apesar da dificuldade do terreno e do mau tempo. Agora, 17 e 10, de banho tomado e vestindo roupas secas, acesso meu netbook, enquanto escuto o ruído vigoroso das gotas de chuva ressoando no telhado e encharcando a terra. Lili Docinho e Inês conversam. No ar, flutua um leve aroma de incenso. Não há lugar melhor que esse lar onde temporariamente habito! Um palácio 3 estrelas!!

4 comentários:

Miriam Chaudon disse...

Lembro bem dessa região. Passei umas férias em Ibiraquera quando meus filhos eram pequenos.Lugar lindo e tranquilo....que agora parece estar bem mais movimentado! Independente da idade cronológica,sempre vale a pena nos aventurarmos nesta vida, não é mesmo Bea?
E foi seguir então suas novas aventuras, agora no pedal!!!

sidleal disse...

Incrível! Aguardamos mais narrativas :-) Essa semana consigo organizar as fotos que tirei.
abração.
Sidney

Inés disse...

Bárbaro, Bia!!! Dá uma p... saudades, mesmo com chuva e tudo, foi sensacional!!! Caramba, eu juro que tento disfarçar ao máximo este gênio e vc já me sacou nos primeiros 5 min!! Continue, continue!! Beijos!!

Paulo Roberto - Parofes disse...

Minha meta pra 2012 é comprar uma bike e voltar a pedalar. chega de sedentarismo!