Após uma noite de sono bem dormida, vou encontrar Caroline e Nima no Pumpernickel, lanchonete e point da turistada descolada em Kathmandu. O lugar tem uma área ao ar livre já que a temperatura média gira em torno de 23º C. O céu nublado assim permanece o dia todo. Durante a refeição, Nima e Nora elaboram juntos uma lista de mantimentos e utensílios que levarão no trekking enquanto eu e Caroline conversamos. O lugar, lotado, deve sua fama aos bons quitutes servidos, ao asseio, não levado muito a sério neste país e à presteza dos funcionários. Terminada a refeição, vamos às compras. Das padarias, um cheiro gostoso de pães assando nos fornos. Músicos tocam instrumentos de corda com timbres desconhecidos ao meu ouvido. Além das milhares de lojas, vendedores ambulantes num assédio constante, crianças vendendo cartões postais e mendigos doentes rastejam na calçada, esmolando com as mãos estendidas em concha. E começa a tediosa e cansativa procura de roupas e equipos tanto pra comprar quanto pra alugar. Nima entra e sai de lojas, apalpando tecidos, conferindo preços enquanto conversa com Caroline. É um entra e sai de lojas, frenético. Em algumas, só provamos, nada adquirindo. Tudo depende do preço e da qualidade. Numa das tantas lojas visitadas, enquanto espero Nima terminar sua compra, entabulo conversa com um nepalês que se encontra acompanhado duma mulher e três crianças que não disfarçam sua curiosidade em relação a mim. Fico sabendo que o homem, jovem, passou os meses de junho e julho no Alaska, contratado pelo governo americano para fazer parte do grupo de resgate no MacKinley. Esteve também na América do Sul, escalando, dentre várias montanhas, o Aconcágua, tanto sua face sul quanto a noroeste. Reservado, responde com um dar de ombros quando pergunto que tal achou as escaladas no Aconcágua. Terminamos as compras numa pequena, escura e acanhada loja especializada no aluguel de equipamentos para trek e escalada. Alugo saco de dormir, arnês, mosquetão, freio oito, piqueta, botas de plástico e crampons. Não acho que valha a pena comprá-los porque pesam e ocupam muito espaço na mala. E algumas agências, como acontece na Bolívia, fornecem grátis tais acessórios. Ganho da FarOut Nepal uma sacola impermeável de plástico da North Face que já tinha namorado dum basco quando estive no Peru ano passado. Loucos de fome, já que passam das 15 horas, entramos num restaurante. Peço um sanduíche com um bizarro acompanhamento: frutas cortadas em pedaços!! Descubro então que Nima e Caroline curtem um love affair. Eu estava achando meio íntima a relação deles durante as compras mas como sou distraída não pensei muito no assunto. Agora, no restaurante, a relação fica transparente, escancarada. Não há como não notar que ambos estão, evidentemente, apaixonados. Terminada a refeição, tratam de se despedir de mim. Nem tentam disfarçam a urgência de sair dali pra saciar a tesão que paira entre eles. Um pouco confusa, sem saber ao certo o trajeto até o hotel, Nima me aconselha a pegar um riquixá caso me perca. E entra no táxi, rapidinho, partindo com Caroline pro hotel onde ela está hospedada. Resolvo encarar e enfrentar as labirínticas ruas apinhadas de gente e veículos. Não me perco, pra minha surpresa. O hotel encontra-se a apenas 4 quadras do restaurante. Durante o trajeto, vejo um músico dedilhando num sarangi (instrumento de cordas) uma bela melodia. Paro e filmo. Dou uma gorjeta assim que ele cessa de tocar. O homem reclama que isso não paga sequer um café. Dou-lhe mais 5 rupias. Ele acalma-se um pouco. Entretanto, não desiste, sacando da sacola um cd de música regional. Respondo que no money, no money, motivo por que não posso comprar o cd. Ele nem se abala. Conduz-me até um caixa eletrônico....dá pra acreditar? Hahahaha...essa foi boa!! Retiro, então, 10.000 rupias (o equivalente a 140 dólares), entregando-lhe 1.000 rps. A quantia provoca outra onda de indignação porque, segundo ele, o cd vale 1.500 rps. Aí finco pé e barganho, argumentando, já meio irritada, que ele dissera inicialmente que o cd custava 1.000 rps. Percebe, então, que não sou tão trouxa e aceita a nota que lhe entrego. Pra coroar nossa transação, entoa mais uma vez a mesma canção acompanhado por seu instrumento. Outro músico que, aliás, nos seguira quando eu fora ao caixa automático, faz um acompanhamento batucando uma espécie de atabaque. Não dou cinco passos e o homem vem atrás de mim, querendo vender seu instrumento. Chato, insistente demais, só desiste após levar um incisivo fora. Se tu fica no nhem nhem eles não largam do teu pé mesmo. É necessário o uso de muita energia pra espantá-los. Eles são altamente caras de pau. Insistem, insistem e insistem ad nauseam. Atraída por um par de brincos de prata com engaste de pedra da lua, entro numa joalheria e compro o adereço que penduro na hora, um em cada orelha. Muito tri meus brincos, ficaram ótimos em mim. Embora baratas as coisas, há que regatear. E depois que pego o jeito, não compro nem pipoca em carrocinha sem dar uma barganhadinha. Adquiro, ainda, dois mapas, um do Nepal e outro do trek ao Mera Peak, obtendo mais descontos. Volto toda prosa pro hotel, me achando. Três da madruga, e eu ainda acordada, de olho bem aberto, sem conseguir pregar olho e dormir. Também pudera, na primeira noite, tresnoitada do jeito que eu estava, dormi bem porque estava exausta. Hoje, contudo, a diferença de fuso tá pegando, já que no Brasil são apenas 7 da noite. Daqui a pouco vai amanhecer enquanto no Brasil a noite ainda é um bebê engatinhando. Pra piorar meu desconforto, um mosquito zumbe ao redor da cama enquanto um galo emite o seu cocoricó, anunciando um tanto quanto prematuramente um novo alvorecer. E na tevê, os musicais seguem exibindo os mesmos cantores e cantoras da noite passada.
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