Kamon, simbora fazer o pico Paraná, a maior montanha da região sul com 1.877 m, encravada na serra do Ibitiraquire!! Munidos com informações fornecidas por Pedro Hauck e Parofes, eu e Kaloca pegamos o rumo da BR 101, deixando Praia Grande pra trás numa sexta, 4 e 30 da madruga, pra curtir o feriadão de N. Sª Aparecida no estado vizinho. Parecemos dois moleques gazeando a aula, tal o grau de contentamento em largar na frente de todo mundo. Sorrisão no rosto é pouco pra descrever nossa alegria. Paramos em Cabeçudas, numa pracinha à beira da BR, pra tomar café trazido por Kaloca numa térmica. Ah, tudo de bom essa vida on the road, mesmo que dure justo um feriadão. Em 7 horas, vencemos os 700 km que nos separam de Curitiba, percorrendo uma 101 tranquila, sem muito tráfego pesado, já que a maioria das pessoas só começa a viajar a tardinha ou sábado pela manhã. Paramos na capital paranaense e almoçamos com Emerson e Elenice, dois amigões curitibanos que conheci em Praia Grande há dois anos. Aproveitamos e vamos conhecer a Decathlon, ciceroneados por Elenice. Compro, é claro, uns itenzinhos básicos: lanterna de testa, meias e luvas de neoprene pra proteger da água gelada das cachus, equipos necessários na prática do canionismo. Feitas as compritchas, pegamos, agora, a BR 116, aqui chamada Regis Bittencourt. À medida que nos aproximamos da Fazenda do Pico Paraná, a serra do Ibitiraquire (significa Serra Verde em tupi guarani), avulta, ao norte, exibindo um serrilhado impressionante de picos. Tem como resistir: exclamações entusiásticas ressoam dentro do Peugeot. O dia, com poucas nuvens, prenuncia bom tempo amanhã. Oxalá se confirme! À direita da ponte que cruza o rio Tucum, entra-se na tal estradinha que leva à fazenda. Os 6 km de chão batido, relativamente bem conservados, exibe ao longo de seu percurso algumas casas e um que outro armazém. Em lá chegando, conhecemos a Bia (minha xará) e o Diga, seu marido, caseiros do lugar. A área de camping é bem legal e escolhemos um lugar próximo a umas pedras onde Kaloca trata de armar nossa barraca. Enquanto ele está preparando a janta, observo um movimento no chão junto ao saco plástico cheio de nozes, amêndoas e castanhas do pará e de caju. Pois não é que um ratinho do mato rói diligentemente o invólucro pra pegar as frutas? Kaloca espanta o gatuno que escapole rapidinho por entre o pedrario. Mas como é rapaz de bom coração, põe uma castanha do pará perto da toca. E o guloso ratinho não se faz de rogado, abocanha-a e se manda rapidinho pro seu covil. Coisa mais querida esse ratinho larápio!! Lá pela meia noite sou acordada por um berreiro. Penso com meus botões “deve ser gente no tragoléu, só pode”! No sábado, bem cedinho, nova gritaria me desperta. Daí não há outro jeito senão levantar, embora sejam apenas 7 da manhã. Não demora muito, conheço o cabeça da tchurma dos "animadinhos". Chama-se Daniel. Fortíssimo, seu peso ultrapassa os 100 kg. Devido ao físico avantajado, trabalhou de segurança em boate durante 4 anos. Detesta a noite exatamente por isso. “Vocês devem estar putos pelo alarido, né?" Esboçamos tímidos sorrisos amarelos. Nem a farofagem da galera curitibana tampouco o tempo emburrado consegue afetar meu humor. Estou zen. Daniel sentindo o clima leve, sem esperar convite, senta-se, escorando-se num tronco de árvore em frente a nossa barraca e fica ali de papo furado até a hora em que levantamos acampamento rumo ao pico Paraná. Com uma garrafa de Martini no meio das pernas e um cigarro pendendo dos dedos grossos e largos, conta que, quando ele e sua galera chegaram ontem na madruga, foram até o mirante do Getúlio pra curtir a noite. Acelerado devido à bebida não chega porém a ser agressivo ou inconveniente. Nos despedimos do falante Daniel e metemos o pé na trilha. Nem tão ruim assim a subida até o topo do morro do Getúlio. E olha que tô carregando mochila com 4 kg! Claro que o grosso da matalotagem quem carrega é Kaloca. Nem que eu quisesse poderia carregar mais que 5 kg. Seria penitência inútil, não avançaria mais que 1 km, e me esborracharia no chão, vergada ao peso do tralharedo. Bueno, tergiversações à parte, eu tava bem receosa porque, segundo informações de Parofes, o trecho seria chatinho. Qual o quê! Tiro de letra até o encruzo onde uma placa anuncia Caratuva pra esquerda e Pico Paraná à direita. Ali tiramos fotos com três integrantes da Arpa. Sigla bem louca esta, né? Pois não tem nada a ver com instrumento musical. Trata-se da Associação de Radio Amadores do Paraná. Um deles, um coroa barbudo, falante pra caramba, chamado Van Halen, suscita um comentário da sem noção que vos escreve “ah, tu tem o nome do cara do Jethro Tull, né?” Bueno, só nessa social, já perdemos um tempinho. E eles não foram os únicos com quem batemos papuchos durante a pernada! Ultrapassado o Getúlio, já bem nas entranhas da mata, a trilha começa a se tornar deveras cansativa. Com troncos de árvores caídos e altas raízes a cada 5 m, a pernada não rende. Eu diria que setenta por cento do trajeto é feito dentro duma mata ombrófila densa, entremeada por dois curtos trechos de campo aberto onde as caratuvas (um tipo de bambu parecido com os que têm no Itatiaia), dentre outros pequenos arbustos, abundam. Embora nublado, o céu exibiu, durante a subida até o Getúlio, breves clareiras de sol. Agora, entretanto, o ensimesmamento é total. A chuva verte ora em forma de delicadas gotículas ora em forma de gordos pingos. Rapidinho, nossas calças empapam-se d’água. Quando atingimos o acampamento 1, um campo aberto, a visibilidade é zero. Nadica de nada daquela linda paisagem anunciada nas fotos vistas antes da viagem. Tanto que nem sinto tesão de fotografar. A um, por causa das brumas que encobrem tudo ao redor, e a dois, porque deixara a Olympus à prova d’água no carro (que cabecinha essa hein?!), levando no bolso da jaqueta impermeável a Nikkon já querendo pifar devido à umidade. E toca a subir e a descer íngremes ladeiras. Sorte nossa que não está frio e tampouco venta. Em certos trechos, cuja aclividade é um tanto quanto áspera, foram colocadas barras de ferro de modo a auxiliar na subida e, consequentemente, na descida. Essa iniciativa originou uma baita celeuma. Forte, a discussão esgrime enérgicos argumentos. Defendem os mais pragmáticos a necessidade de tais aparatos; já a segunda, mais purista, combate o uso de tais “muletas”. Chegamos ao acampamento 2 onde foram erguidas quatro paredes feitas de pedra bruta a que chamam casa de pedra. É....alguém, um dia, tentou construir um refúgio, mas sabe-se lá por que só ficou no esboço. Será coisa da corrente purista que só quer montanhistas bivaqueando ou abrigados em tendas? Bueno, resolvemos deixar ali as mochilas de modo a subir até o cume sem peso algum. Nossa intenção é pernoitar, no acampamento 2, e voltar, novamente, ao topo pra ver, ao menos, o famoso amanhecer, já que sem chance, hoje, de assistir ao pôr do sol. A chuva sem pausas cai firme e forte. “Tempo de merda, fudeu com os belos panoramas”, choramingo eu pros meus botões. No caminho, encontramos três curitibanos que, em conversa com Kaloca, dão a letra de que o tempo permanecerá ruim todo o findi, conforme indicaram os matutinos boletins meteorológicos acessados por eles em Curitiba antes de vir pra cá. Alcançamos o cume, um largo platô rochoso quase despido de vegetação. Sem livro algum, a caixa de metal contém diversos bilhetinhos. Nem tive saco de lê-los. Kaloca não se faz de rogado e deposita seu..........cartãozinho de guia! Hahaha!! Figuraça este guia! Faz jus ao ditado “a propaganda é a alma do negócio!” Tanto é verdade que, durante os dois dias de estadia na fazenda, distribuiu cartõezinhos a torto e a direito. Damos uma banda pelo cume e vemos um grampo P, daqueles antigos, bem comprido, encravado perto da borda do precipício. Como não se enxerga nada além de dois palmos de distância, ficamos na dúvida se a via é de rapel ou de escalada. Quando retornamos à casa de pedra, decidimos que não vamos mais acampar na montanha. E empreendemos a descida. Calculamos que alcançaremos a fazenda o mais tardar às 9 da noite. Damos um ligeirão pra evitar pegar, no escuro, o trecho de mata cheio de raízes. Tô pra ver uma descida com tanta subida na minha vida. É um tal de subir, subir e só subir. E nada de descer, que merda! Começo a ter faniquitos de raiva. Irritada pelo cansaço, brigo com as lombas: “merda, puta que os pariu, quando vai começar a descida, porra!!” Nunca vi uma montanha que mais sobe do que desce quando se sai do cume. Difícil este pico Paraná. A mais cansativa de todas as montanhas feitas por mim até agora, por deus! O bate e volta dura 12 horas: 7 de subida e 5 de descida. Nós até poderíamos ter feito em 6 horas o ascenso mas parávamos pra olhar a paisagem, fotografar, filmar e conversar com pessoas que encontrávamos na trilha. Embora cansados, vamos dormir lá pela meia-noite. Kaloca ainda tem pique - que energia! - e faz uma fogueira onde cozinha nossa janta. E antes de dormir, eu e Daniel (assim que nos viu, veio nos visitar) bebemos chá de maçã com canela, saboreando biscoitos recheados com chocolate enquanto uma poeirinha aquosa permanece no ar. Eita chuvinha marrenta essa! Sei lá se alguém na madruga, gritando endoidecido de trago, aportou no acampamento, porque dormi dum tiro só!
2 comentários:
Ahhhhhh Bea rachei o bico de rir lendo o relato...kkkk
O ratinho larápio (fotografou??), a descida que não acaba...Eu te disse, a trilha do Pico Paraná não rende, é um porre esse sobe e desce de raiz, isso se conseguirmos ficar de pé sem escorregar e arriscar uma fratura por causa de tanta umidade...
O grampo P no cume: Tem muita gente que rapela dali pra base dele uns 15 ou 20 metros abaixo.
Vc deu muito azar com o tempo...perdeu uma paisagem completamente diferente do Caparaó e Itatiaia...Volta lá num fds pra fazer de novo!
O Getúlio pra mim é mesmo o mais cansativo porque sempre subo pesado, com uns 20kg....com 4kg seria fácil po kkkkkk
Abração, esperando a próxima parte do relato!
Detalhe: Essa plaquinha indicando os caminhos pro PP e Caratuva é nova, da última vez que fui não tinha!
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